A Auto-Destruição de Radiohead

5, 4, 3, 2… – Thom Yorke e seus comparsas devem continuar construindo sua carreira às avessas em seu próximo álbum

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“Auto-destruição é a resposta”. Esta pequena frase encerra em si um discurso que é a chave central para tentarmos compreender a tônica violenta de Tyler Durden, fruto da esquizofrenia inconformada do protagonista de Clube da Luta, filme dirigido por David Fincher, baseado no romance homônimo de Chuck Palahniuk. Tyler Durden prega a selvageria dos confrontos físicos e dos atos terroristas, habitando sempre os limites morais da sanidade mental, mas, oculta nestes atos a verdadeira destruição de seu enredo, sua real doutrina: não aceitar a vida confortável, questionar as verdades absolutas, abandonar a própria zona de segurança e arriscar-se no desconhecido.

Esta premissa, que delineia o caminho árduo dos grandes artistas nunca foi diretamente citada pelos integrantes do grupo britânico Radiohead, mas, embora faça parte do universo anárquico de Tyler Durden e sua seita (por assim dizer), poderia muito bem fazer parte do lema de vida de Thom Yorke, Jonny Greenwood e companhia.

Na semana passada, Greenwood anunciou uma nova reunião da banda que vai levar à um novo álbum, o nono de sua carreira. E o que podemos esperar disso? Bem, não sabemos. O que sabemos, por outro lado, é que seus oito álbuns predecessores vem construindo uma carreira improvável e genial, que se apoia na descontrução da própria música para buscar novos caminhos de uma expressão única e sincera. E assim, dando uma olhada no que já foi feito, quem sabe, poderemos prever um pouco dos caminhos do novo trabalho.

Tudo começou com Pablo Honey, um ótimo álbum que se encaixa perfeitamente nos formatos padrões de bandas de Rock (ainda que Alternativo, para a época), herança direta do Britpop e do Shoegaze do início da década de 90. Seu maior hit é, sem dúvida, Creep, a pedra fundamental da carreira do grupo, o arquétipo musical da baixa auto-estima que se tornou o hino dos jovens vindos de uma geração em que ser excêntrico não era legal e na qual a introversão era vista como uma quase-patologia. Pablo Honey continha letras claras que expurgavam a solidão e certa inconformidade imatura e genérica, guiadas sempre pelo violão e pela guitarra distorcida, facilmente visiveis em músicas como Stop Whispering, Thinking About You e Vegetable. A pérola do álbum está em Blow Out, música de encerramento, que apresenta os primeiros sinais da próxima fase do grupo e prova que, por mais improvável que possa parecer a trajetória do mesmo, ela é estranhamente gradual (afinal, é difícil imaginar que sua evolução tenha seguido este caminho de propósito, não?).

Ainda neste caminho, é lançado, dois anos depois, The Bends, que continua a trilha do anterior sem grandes choques, embora nitidamente mais amadurecido. The Bends, por sua vez, conquistou os ouvintes graças à beleza das melodias do falsete de Thom Yorke em canções como Fake Plastic Trees e High And Dry. Desta vez, a pérola que antecipa a próxima etapa de evolução é Planet Telex, ainda que se encaixe muito bem dentro do contexto do álbum, traz em seu delay com feedback infinito à prova de ainda tem muita coisa interessante por vir nessa história.

O álbum seguinte, Ok Computer, é um dos grandes marcos de transição do grupo que, além de ser um dos inegáveis pontos altos de sua trajetória, guarda em seu título a prova máxima da grande característica de evolução do grupo a partir de então: o flerte com elementos eletrônicos. Embora Radiohead em Ok Computer esteja longe de apresentar uma ruptura brusca (Karma Police e No Surprises estão aí para mostrar que temos Yorke ainda em grande forma) começa a apresentar traços irrefutáveis de que algo grandioso está acontecendo: do vocal robótico da faixa de transição Fitter Happier, passando pela bateria jazzística e sofisticada de Airbag, aparecem diversos traços de uma fase que foge às estruturas convencionais dos modos tonais, além do apelo aos ruídos (“he’s like a detuned radio” é uma frase que aparece como símbolo da própria personalidade do grupo). O álbum marca também uma certa mudança de tema nas letras de Yorke, que transferem sua angústia antes quase que exclusivamente interiorizadas para metáforas sobre temas esquisitos, (que serão recorrentes a partir de então), como acidentes automobilísticos e abduções alienígenas.

Mas não para por aí, o álbum conta com Paranoid Android, uma viagem de seis minutos embalada por um compasso nada usual de 7/4, que é a materialização da necessidade do grupo de passar por profundas transformações dos próprios conceitos. A música, que se abre em lacunas espaçadas e que , sem pressa, expõe todos os seus detalhes, vistos de vários ângulos, parece modificar o próprio pensamento do grupo a fim de detectar em que pontos o seu discurso se tornou dissimulado e está impedindo a sua manifestão artística sincera e verdadeiramente criativa.

Se Ok Computer é o grande portal que marca a transição de Radiohead para a desconstrução, é em Kid A que temos o sacrifício de sua auto-destruição. Após uma crise de depressão e um bloqueio criativo intenso, Yorke e Greenwood previram que deveriam mudar de caminho rumo ao desconhecido se quisessem garantir a própria sobrevivência. Apostando sem dó em recursos eletrônicos, Kid A traz a materialização da descontrução enquanto recurso estrutural: no emprego de harmonias minimalistas, na antecipação do glitch e na abstração de suas letras reside a genialidade que dividou seus fãs e a crítica mundo afora.

É possível que, caso resolvessem continuar no mesmo caminho de antes, o grupo pudesse estar patinando numa espécie de auto-paródia de velhice nostálgica. Mas, ao invés disso, temos o lançamento de um álbum influenciado pelo IDM de Aphex Twin, o Krautrock de Faust e pelo Jazz de Charles Mingus e Miles Davis. O álbum conta com Idioteque, uma das canções mais aclamadas do grupo, de clima angustiante e com uma letra imprecisa, mas, tal qual sua (des)construção em si, narra uma espécie de realidade distópica e pós-apocalíptica. Para se ter ideia da importância de Kid A, o trabalho que não lançou nenhum single, é o mesmo que entrou para as paradas britânicas em apenas uma semana, foi indicado a Melhor Álbum Alternativo do Grammy e entrou para a lista de 500 melhores álbuns de todos os tempos da Rolling Stone.

Pois bem, com o fenômeno atingido por Kid A, o grupo continua no mesmo rastro experimental por mais dois álbuns. Lançado logo no ano seguinte, Amnesiac é uma espécie de continuidade do anterior, com lados B e seções extras que não entraram para o original, mas que, de certa forma, se aprofunda no universo recém-construído pela banda , e não deixa o seu valor individual cair em qualidade e conceitos (Pyramid Song ou I Might Be Wrong estão aí para atestar esse fato).

Retornando à tona aos poucos vindo de seu grande mergulho em rumos desconhecidos, Hail to the Thief traz um Radiohead completamente seguro de si mesmo e plenamente amadurecido em relação aos próprios recursos. E assim, iniciando a última fase do grupo (até então), volta moderadamente ao uso da bateria e das guitarras, desta vez, com arranjos sempre temperados de experimentos eletrônicos. Podemos encarar como a síntese de uma carreira iniciada dez anos antes. A partir de agora, com o uso democrático de instrumentos, explora também os métodos de composição com temas que optam por revesar à angústia interior de Pablo Honey, o viés político e a abstração de Kid A com as metáforas (sim, alienígenas inclusive) de Ok Computer.

O álbum seguinte, In Rainbows, outro ponto alto de sua carreira, não só traz grandes músicas marcadas pelo viés desse “terceiro momento”, como também amplia a descontrução Radioheadiana para além do universo puramente sonoro. A venda de In Rainbows pela internet, no próprio site da banda através do recurso “pague quanto quiser”, possibilitado pelo final do contrato do grupo com a gravadora EMI, foi uma espécie de marco no modus operandi da música independente (um exemplo entre outros, claro, mas, sem dúvida, um com uma das maiores projeções mundiais), a gênese do que viria a evoluir e se ramificar em métodos importantes da venda de música atuais, como o crowdfunding e o streaming. Ainda que Thom Yorke já tenha se declarado contra os serviços de streaming, Radiohead e seu novo formato de pensar a venda (e o valor real) da música é um dos responsáveis por forçar a indústria a se adaptar a novas realidades.

In Rainbows se tornou mais um grande álbum na carreira de Radiohead e, como era de esperar, o grupo não assentou confortavelmente sobre o peso da própria fama: o último trabalho de sua discografia, The King of Limbs, é uma obra transitória, marcada pelo cansaço, e pelo desejos de percorrer novos caminhos. Em primeiro lugar, segundo os próprios integrantes, não seria possível repetir a experiência intensa de imersão de um álbum convencional e completo (vocês já pararam para pensar que o Radiohead sustenta a mesma formação desde sempre? Este, sem dúvida, é mais um grande feito do grupo). Assim, The King of Limbs é o álbum mais curto de sua carreira, com apenas 37 minutos. Além disso, para o processo de criação, desta vez, o grupo resolveu experimentar, ao invés da composição (seja ela mecânica ou eletrônica) o uso do sampler e da programação com um software criado pelo próprio Greenwood. Com isso tudo, The King of Limbs, seu último trabalho, marca mais uma espécie de crise, talvez não tão intensa como a que marca a transição de Ok Computer para Kid A, mas que, sem dúvida, traz um grupo de 23 anos de idade (se considerarmos seu primeiro contrato com uma gravadora) com o desejo criativo ainda aceso para novas possibilidades e capaz de utilizar novos métodos para atingir novos fins. Ainda podemos nos surpreender.

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ARTISTA: Radiohead

Autor:

é músico e escreve sobre arte