Entrevista: Lô Borges

Batemos um papo com o lendário músico sobre o novo lançamento e sua carreira em geral

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Salomão Borges Filho, mais conhecido como Lô Borges, nunca esteve tão criativo. Após uma década de intensa produção, na qual lançou quatro discos de inéditas, um CD/DVD ao vivo, além de participar da celebração dos 50 anos de carreira de seu parceiro e amigo, Milton Nascimento, Lô continua a pleno vapor. Decidiu compilar as canções mais legais desses novíssimos trabalhos e lança agora uma coletânea, chamada 2003-2013, na qual mostra que sua verve de compositor permanece inalterada após tanto tempo de estrada. Junto com a compilação, Lô também está lançando um songbook, no qual estão cifradas e esmiuçadas, grande parte de suas mais conhecidas canções, principalmente aquelas que integraram um dos discos fundamentais da música brasileira, o Clube da Esquina, lançado em 1972.

Monkeybuzz conversou com este jovem de 62 anos sobre rotina, planos, passado e, seu tempo predileto atualmente: futuro.

MB: Parece que os anos 00 foram o seu período de maior produção. O que te inspirou?

Lô Borges: Quando houve a virada da década, do século e do milênio, tudo junto e ao mesmo tempo, eu me senti motivado a renovar a minha produção musical. Eu gosto das coisas que eu fiz no passado, mas eu acho que caiu uma ficha. Eu senti que havia feito poucos discos até então (entre 1972 e 1996, Lô teve sete discos solo lançados e duas colaborações, Clube da Esquina e Os Borges) e queria muito ampliar a minha discografia. Foi como se eu tivesse dado um restart no meu HD. O meu primeiro disco de inéditas no século 21 foi o Um Dia E Meio, que eu lancei em 2003. Enquanto eu compunha as canções desse álbum, já pensava no que iria compor para o disco seguinte.

MB: Quais foram os critérios para seleção das músicas para a coletânea?

Lô Borges: Eu quis escolher canções que não fossem repetitivas sobre um tema ou mesmo alguma sequência melódica. Não quis repetir parceiros, procurei escolher aquelas que tinham um clima mais “lado B”, que fossem 100% Lô Borges. Passei um ano fazendo o setlist dessa coletânea, ele mudava a toda hora. No início eram 60 faixas mas eu acho que escolhi bem, tive um distanciamento legal das músicas, a única que eu já sabia que iria entrar era On Venus, que eu cantei com a Fernanda Takai em inglês no meu último disco, Horizonte Vertical, de 2011. É uma canção especial pra mim.

MB: Como é o seu método de composição atualmente? Mudou algo em relação aos anos 70, o início da sua carreira?

Lô Borges: Eu digo que a composição, pra mim, pelo menos, é um processo que envolve 90% de transpiração e 10% de inspiração. Eu tenho uma rotina e procuro segui-la na medida do possível. Eu durmo cedo, sou uma pessoa muito do dia, muito solar. Acordo cedo, tomo café e vou logo para o meu estúdio, em casa mesmo, compor. Ali eu fico burilando acordes, tendo ideias, sempre depois do café. Vou nesse processo até a tarde. Eu preciso estar próximo dos instrumentos, então tenho no estúdio o meu piano, minhas guitarras e o violão. Nos últimos dez anos, fiz muitas canções de sopetão, eu pensava que, se estava demorando demais para encontrar uma solução para as ideias, automaticamente deveria deixar de lado. Isso acabou se tornando um exercício, tudo vem a partir dos acordes. Eu sou um musicista, sou um letrista bissexto. Eu sempre tive facilidade para compor, nos tempos do Clube da Esquina, houve canções que foram compostas e gravadas em um dia. No “disco do tênis” (clássica estreia solo de 1972, cuja capa trazia apenas um tênis), eu compunha a melodia de manhã e, à noite, após o parceiro colocar a letra, ela já estava gravada.

MB: Como é a vida do Lô Borges atualmente? O que você faz no seu dia a dia?

Lô Borges: Bem, eu durmo e acordo bem cedo. Faço ginástica e natação. A maior parte do tempo eu estou no estúdio, tenho uma vida normal, sou uma pessoa diurna quando não estou em turnê. Aí fica difícil manter o meu ritmo normal, mas tenho um cotidiano tranquilo. Sempre que posso, vou pegar meu filho de 15 anos no colégio à tarde. Gosto de tomar café no CCBB (em Belo Horizonte, onde mora), leio de tudo e vejo TV. Adoro visitar minha família, ir até a casa da Rua Divinópolis (em cuja esquina, com a Rua Paraisópolis, em BH, teria se formado o famoso Clube), onde meu pai mora, ele está com 98 anos. Adoro essa vida. Já tive meus tempos de boemia, claro, mas hoje, com 62 anos, procuro me cuidar.

MB: Como foi participar da criação coletiva do Clube da Esquina? Seus palpites de jovem músico (aos 18/19 anos) eram acatados pelo pessoal mais velho? 

Lô Borges: Eu estava muito empenhado em compor as músicas. Havia sido convidado pelo Milton, ensaiado pouco com a banda que acompanhava ele na época, o Som Imaginário. Eu e o Beto (Guedes) éramos mais novos que eles, éramos da ala mais Rock, beatlemaníacos e tal. O pessoal havia ido para Niterói, na Região Oceânica, para compor o disco e eu e o Beto precisamos pedir pros nossos pais. Minha mãe tinha medo que eu fosse preso, era a época da ditadura militar, inclusive, o Milton era chamado pra depor com certa frequência. Minhas músicas eram mais hippies, mais Flower Power. Eu lembro de irmos na casa dos pais do Beto para pedir que deixassem ele ir conosco. Lembro da mãe dele pedindo para que cuidássemos dele porque, segundo ela, Beto não sabia nem atravessar a rua (ri). Eu ouvia Beatles desde os 14 anos mas aprendi a tocar violão pelo método mais complicado, a Bossa Nova. Quando estávamos compondo, eu era respeitado porque trazia influências que os outros músicos não tinham. Nessa época eu já tinha composições próprias, Para Lennon e McCartney eu fiz com 17 anos. Precisei romper com minha família para viajar e participar do disco.

MB: Você continua compondo com seus parceiros mais frequentes, o Ronaldo Bastos e o seu irmão, Márcio Borges. A impressão que dá é que esse “pessoal do Clube da Esquina” é todo amigo e se encontra sempre. É assim?

Lô Borges: Infelizmente não é mais assim. O cara do Clube que eu mais encontro é o Milton, mas porque estamos fazendo shows juntos, por conta dos 50 anos de carreira dele. Cada um segue o seu caminho hoje em dia. Às vezes encontro o Tavinho Moura.

MB: Quem da novíssima geração de músicos mineiros merece ser conhecido pelo país? Você acha possível o surgimento de um novo Clube?

Lô Borges: Olha, as pessoas torcem por isso, mas eu não sei se seria possível. Há muita gente boa, o filho do Beto Guedes, Gabriel, é muito bom músico. O filho do Marilton (Borges, irmão de Lô), Rodrigo Borges, também é excelente. Gosto muito da banda Transmissor, Belo Horizonte tem uma cena musical muito rica e sempre foi assim. Porém, algo que também sempre aconteceu, continua a acontecer. Vejo muita gente talentosa, ótimos músicos, gente realmente boa, desistindo da carreira musical por falta de estrutura, de condições mesmo. Não há criação de público, tudo fica muito complicado. Mesmo havendo muita gente de talento, é muito complicado competir com o esquema de jabá que ainda existe.

A música no Brasil está muito estranha, já vi muita gente desistir da música por falta de divulgação A música atual, via de regra, é uma porcaria e a possibilidade de surgir novos artistas com algo a dizer é muito pequena, quem manda é uma emissora de TV e a sua gravadora. Se quiser alguma coisa, tem que andar junto com a boiada. Infelizmente, é uma luta de Davi contra Golias.

Discografia Lô Borges

1972 – Clube da Esquina (com Milton Nascimento)

1972 – Lô Borges (disco do tênis)
1979 – Via Láctea
1980 – Os Borges
1981 – Nuvem Cigana
1984 – Sonho Real
1987 – Solo
1996 – Meu Filme
2001 – Feira Moderna
2003 – Um Dia e Meio
2006 – Bhanda
2008 – Intimidade
2009 – Harmonia
2011 – Horizonte Vertical
2014 – 2003-2013

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ARTISTA: Lô Borges
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.