O Alívio Sonoro de Neutral Milk Hotel

Avalanches de emoções sempre percorreram seus trabalhos; Seu disco clássico é um exercício de sentimentos

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Para muitos – não só fãs, mas músicos também-, o disco In The Aeroplane Over The Sea de Neutral Milk Hotel ainda não foi superado. Influente entre artistas como Arcade Fire (sua teatralidade certamente foi importante para distinção sonora dos canadenses), Caribou e Kings of Leon, entre tantos outros, só mostra que muitas vezes um grupo não precisa de muitos discos para entrar no inconsciente coletivo e afetar gerações de consumidores. No entanto, o grande poder da banda liderada pelo guitarrista e Jeff Magnum é a sua capacidade por criar ambientes líricos complexos que emocionam os ouvintes, apesar de sua subjetividade, através de interpretações carregadas de sentimento.

Dois discos e um EP são a composição de toda a discografia da banda. Em 1999, um colapso nervoso colocaria um fim bastante cedo ao grupo, muito pela falta de habilidade de seu líder em conseguir conciliar a sua arte com as críticas recebidas e a vida intensa de turnês, semelhante ao destino de The Libertines, no qual poucos álbuns foram o bastante para colocar o grupo nas listas de artistas desejados por festivais, visando um retorno “espontâneo” para lotá-los de fãs. Há pouco menos de um ano e meio, Neutral Milk Hotel reviveu as emoções causadas pelo seu mais famoso disco ao voltar aos palcos com a mesma banda que percorreu as gravações de In The Aeroplane com apresentações no Coachella deste ano e no próximo Primavera Sound. Logo, uma revisão básica de seu melhor trabalho pode ser feita de forma distinta: a partir de suas quebras sonoras emotivas.

Não são poucos os momentos na obra em que temos um misto de êxtase pelas interpretações rápidas e intensas de Jeff, um vocalista muitas vezes considerado desafinado, mas que eu considero expressivo e emotivo. O jogo de palavras que ele propõe sempre deu intensidade às letras inspiradas na famoso livro Diário de Anne Frank, mas compostas de uma forma muito mais onírica e fantasiosa. King of Carrot Flowers e Two-Headed Boy são só alguns exemplos do escapismo do usual que o letrista procurou realizar. No entanto, a emoção de seu disco parte muito mais de outros fatores: o alívio sonoro que instrumentos ecléticos (como saxofones, trompetes e acordeões) dão nos momentos em o vocalista procura dar uma “respirada”.

A transição de Two-Headed Boy para Fool é extremamente teatral e paradoxal. Em sua letra, ele diz: “There’s no reason to grieve/The world you need is wrapped in gold silver sheets”. Não existe razão, portanto para o luto. Jeff tenta dizer isso de inúmeros formas, como através de sua interpretação chorosa e fatigante, ao quase não deixar-se respirar. No entanto, sua levada vai diminuindo, sua intensidade decai e, quando parecemos nos permitir relaxar, a entrada da faixa seguinte nos coloca emoção nos olhos. Toda instrumental, lembra o cortejo funébre (não existe razão para o luto?), a canção dos derrotados, mas orgulhosos de sua batalha. Tubas, trompetes e acordeões trazem contos históricos a tona em uma interpretação folclórica e extremamente emotiva. Como uma montanha russa, Neutral Milk Hotel permite escaladas de sentimentos acompanhadas por alívios que nos fazem nos soltar e nos permitir.

E isso acaba percorrendo outros momentos, como Holland, 1945 – país que possui a Amsterdã em que viveu Anne Frank e, ao determinar sua localidade, se coloca como um momento importante no disco. Esta é a canção mais enérgica da obra, elétrica e bastante distinta do formato acústico que parece conduzir todo o disco. Em seguida, vem Communist, Daughter, faixa quase a capella, com Jeff dando basicamente não só a voz, mas também a condução nua de instrumentos. O momento mais calmo que antecede o crescente é Oh Comely, música que provavelmente define todo o disco por ser o símbolo da gangorra emotiva de In The Aeroplane. Mais de oito minutos a dividem em violão e voz para, somente ao final, alguns instrumentos darem uma certa intensidade a interpretação.

No entanto, o sopro é guardado para Ghost. A teatralidade aqui lembra o que Arcade Fire viria a se inspirar e que nos coloca em uma posição de curiosidade para saber o que podemos esperar de uma apresentação da banda. O poder de sua música parece residir em seus toques folclóricos, qualidade que se mostra compreensível mesmo não pertencendo à cultura do ouvinte. O que é a gaita de fole em [untitled], por exemplo? Quase uma brincadeira, uma válvula de escape divertida em meio a tanto sentimento.

Melancolia, êxtase, paixão, luto, felicidade e tristeza são colocados faixa a faixa, sendo divididos em interpretações instrumentais e de voz. A montanha sonora, com cumes e vales, foi o que dividiu e ainda divide muitos ouvintes em relação ao real valor deste disco. No entanto, um olhar atento e aberto à emoção certamente ocasionará lágrimas e uma visão mais bela do mundo e da obra. A faixa título é talvez umas das criações mais bonitas já feitas e sintetiza essa divisão que percorre o álbum. Se lembra dos alívios que o sopro sempre trouxe a Los Hermanos? Basicamente, o mesmo é encontrado aqui ao longo de toda a obra, o que nos leva a crer que o grupo norte-americano também foi uma das fontes de inspiração para os cariocas, ambos com poucos discos na carreira, mas que sempre quando escutados nos emocionam de formas singulares.

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MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.