The War on Drugs: Semelhança ou Inspiração em Bob Dylan?

Último disco do grupo revela uma similaridade ainda maior com músico, mas com os toques etéreos já conhecidos do grupo

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A música criada por Adam Granduciel à frente de seu projeto (quase solo devido, as idas e vindas de membros) The War on Drugs sempre me pareceu verossímil em relação ao seu nome. Enquanto a guerra às drogas, famosa política adotada pelo ex-presidente Americano Richard Nixo,n denota uma nomenclatura reacionária, o som aqui se mostrou uma antítese, pois está sempre envolto em um ar psicodélico e viajado, nunca tentando combatê-lo, mas absorvê-lo. Logo, o “on” presente em seu nome torna as drogas parte indissociável da guerra – é o meio, não o fim da mesma. Os mesmos anos 1980 que emplacaram esta forma de combate ao narcotráfico, que posteriormente seria plenamente adotado no mundo, inclusive no Brasil, são a escolha temporal de influências que podemos notar mais perfeitamente ao longo dos três ótimos discos lançados pelo grupo, enquanto artistas que já haviam adquirido sucesso anteriormente, como Bob Dylan e Bruce Springsteen, são o carro chefe neste formato sonoro bastante particular e original.

Enquanto o primeiro trabalho lançado, Wagonwheel Blues, já partia em direção a estes artistas, principalmente a Dylan, devido a seu formato semi-acustico com toques de Folk agitados (nele consta a participação singular de Kurt Vile, amigo e um dos membros iniciais de uma formação que no final sempre girou em torno de Adam), foi somente no etéreo Slave Ambient de 2011 que tivemos as primeiras sinalizações do que é atualmente a entidade por trás do grupo. Com auxilío de mecanizações sintéticas, como baterias eletrônicas e sintetizadores, Granduciel conseguiu aportar as suas ideias ao mesmo tempo em que transformou o seu jeito de cantar: Dylan não seria somente uma inspiração, mas também o patamar a ser alcançado.

Posso até parecer estar exagerando, mas uma simples análise no timbre de voz de ambos demonstra uma similaridade pouco usual, daquelas adquiridas com o tempo e o esforço. Adam passou a cantar sua vida do mesmo jeito trovadoresco de um dos pais do Folk, como se estivesse em uma banquinho na mesa de um bar, acompanhado de um violão enquanto você está abraçando a sua bebida favorita. No entanto, a sua amplificação sonora passa muito além de tal comparativo, fato que algumas vezes é levado em consideração pela crítica que não parece emanar tão forte no inconsciente dos ouvintes: Algo no som de The War on Drugs te transporta para um lugar distante, propositalmente te fazendo desejar estar chapado naquele instante.

Em Lost in The Dream, seu mais recente disco e muito elogiado por nós, tudo funciona perfeitamente. Seja a temática de alguém que terminou um longo relacionamento, seus aspectos escapistas através de uma instrumentação distante ou simplesmente pelas melhores progressões musicais que o perfeccionista letrista conseguiu realizar. A transformação de seu projeto em uma banda de verdade, no sentido de que todos fazem parte do processo criativo, também auxiliou a sua obra-prima. Um Bob Dylan menos rouco surge em Suffering, no jeito em que os dois “ffs” encontram um espaço nasal antes da terminação “ing”, enquanto Bruce Springsteen está por todo lugar. O curioso é que a sua transição musical guarda seus leques criativos em momentos que ambos os músicos, principalmente Dylan, não gozavam do mesmo impacto nas multidões.

Springsteen fazia do seu som com elementos eletrônicos típicos da época o principal companheiro para roadtrips ou simplesmente belas propagandas de automóveis, enquanto Bob já estava um pouco cansado. Mas o timbre está aqui como na maravilhosa An Ocean In Between The Waves : “Run away, I’m a travellin’ man/Been working every day/I watch you as you hesitate/ Walking through the rain”, para depois um trecho matador revelar a essência por trás de Lost in The Dream: “I’m in my finest hour/Can I be more than just a fool?/It always gets so hard to seem bright/Before the moon” revela uma temática de desfecho amorosa que acompanha o título da maioria das canções, como os olhos vermelhos de choro em Red Eyes, a dor da perda em Suffering, a realização de que tudo acabou em Disappearing ou o olhar melancólico em Eyes to the Wind. Se poderíamos nos perder em um disco triste e tão aberto assim, a constatação é de que fragilidade do músico o trouxe para o seu momento mais sereno e expansivo. Solos de guitarra abertos no meio de pianos arpegiados ou baterias secas e, sim, aquela voz que nos remete um dos maiores músicos vivos.

Se em Slave Ambient, o primeiro grande estopim de sua inspiração no timbre e nos distantes anos 1980, Adam Granduciel parecia ter tudo muito certo na sua vida em um trabalho viajante e positivista as coisas não parecem muito bem em sua última obra – e isso é ótimo. A capacidade por transformar suas inspirações em um som bastante inovador e compreensivel (e desta vez com uma banda de apoio constante) nos faz crer que apresentações ao vivo deste projeto serão tocantes e inesquecíveis. Em uma turnê que se expande para além de sua cidade espirtual, Filadélfia, e o colocando na Europa e em festivais como o Primavera Sound, The War on Drugs é um dos grandes nomes na música em 2014, ano que consolida o grupo no escalão de bandas que se envolvem no Indie Rock e criam algo totalmente novo, papel compartilhado entre poucos no meio. Sim, existe inspiração em Dylan, mas provavelmente você está em outro lugar e nem se lembra deste fato enquanto escuta a obra, prova de que a banda se tornou muito maior do que suas aspirações.

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MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.