Neil Young e a Monotonia

Teria o célebre cantor ficado chato de vez?

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É triste dizer, amigos e amigas, mas Neil Young está chato. Há quase uma década, o velho canadense, responsável por tantas glórias musicais do passado, vem numa desagradável zona de conforto, gravando discos repetitivos, enfadonhos, normais demais. Em alguns momentos, a banalidade aparente resulta em trabalhos realmente fracos, como o recente Americana, lançado em 2012, marcando a primeira reunião de Young com seus parceiros da banda Crazy Horse em quase uma década. Neste disco, os velhos músicos gravaram um punhado de canções Folk tradicionais com arranjos e approach desleixados, tornando complicada a sobrevida do disco após a primeira (e única) audição.

Não se trata de crise criativa, mas talvez de um certo desencanto com o momento histórico que experimentamos. Neil teve uma interessante crise de identidade artística ao longo dos anos 1980, quando gravou discos de música eletrônica, New Wave (ou algo próximo disso), Blues, Rockabilly e conseguiu ser processado pelo selo Geffen por falta de autenticidade, algo como “não ser ele mesmo” enquanto gravava os álbuns previstos em contrato. Se tal movimento amalucado fosse repetido hoje, seria bem melhor que ouvir o mesmo disco quase sempre. Digo isso após ouvir A Letter Home, novíssimo trabalho a ser lançado no próximo dia 12. Você lerá uma resenha detalhada do novo álbum, mas já podemos adiantar que, dessa vez, ele conseguiu misturar os dois traços mais marcantes de sua produção atual: a falta de paciência com a modernidade e a falta de criatividade aparente. É uma coleção de versões para canções de contemporâneos de Neil, produzidas por Jack White e gravadas numa cabine específica, chamada Voice-O-Graph, uma ferramenta do pós-guerra, que permitia que as pessoas gravassem sons direto para um disco de vinil, algo típico daqueles parques de diversão de filme americano. Você lerá mais detalhes na crítica, mas já dá pra dizer que a música está de lado nessa nova empreitada. É um exercício de estilo, uma celebração a métodos “mais naturais” de ser registrar sons em gravações. É bom lembrar que Young está lançando seu próprio tocador de música digital, o Pono. A alegação para a novidade é que o formato de mp3 não seria capaz de fornecer qualidade sonora satisfatória, algo que o Pono contornaria, proporcionando áudio com 24-bit 192kHz de resolução. É o velho dilema: para fazer valer a qualidade sonora, é preciso ter qualidade musical.

A tal “zona de conforto” musical de Neil Young se estabeleceu no fim dos anos 1990, mais precisamente a partir do ao vivo Year Of The Horse, de 1997. O álbum de inéditas subsequente, Silver And Gold (2000), iniciaria uma sequência de trabalhos eminentemente Folk/Rock, sem nada de especial, com canções esquecíveis. Outro registro ao vivo viria no mesmo ano, Road Rock vol.1, sofrível por conta das canções clássicas de Young, mas padecendo de qualidade de gravação. De qualquer forma, dá pra salvá-lo do incêndio por conta do som enlameado do grupo Crazy Horse e as performances incendiárias de Young na guitarra. Greendale viria em 2003, como suposto álbum conceitual sobre uma família que teria problemas após um de seus integrantes ser assassinado. Causou polêmica muito mais pelo conceito – mal executado – do que pelas canções. Mais zona de conforto com Prairie Wind (2005), novamente pelo terreno da persona folkster de Young, com faixas bem inferiores à mutações semelhantes do passado, como no (então) recente Harvest Moon (1992).

A exceção viria por conta de Living With War, de 2006, um furioso libelo anti-Guerra do Iraque e, ao mesmo tempo, um ressentido lamento pela passagem do Furacão Katrina, mas que resvalava para a má qualidade das composições. Rendeu uma turnê conjunta com seus amigos Crosby, Stills and Nash, o que é sempre bom. A partir de novembro deste mesmo ano, Young lançaria o primeiro volume de sua série Archives, com o ao vivo Live At Filmore East, um show em conjunto com a Crazy Horse nos idos de 1970. A diferença de som da velha apresentação para as gravações mais recentes, especialmente no que diz respeito à qualidade das faixas, confirmava a entressafra do velho. O melhor disco desse período foi lançado em 2007, o esquisito Chrome Dreams II. Seguindo uma prática já executada ao longo de sua carreira, Neil pescou canções compostas para um disco, misturou com outras, pegou sobras de gravações passadas, misturou tudo e lançou uma espécie de Frankenstein harmonioso.

Fork On The Road, de 2009, seria o próximo trabalho, em homenagem à indústria americana de automóveis, através de uma visão ecológica, na qual está incluída a narrativa de transformação de seu velho Lincoln Continental, modelo 1959, num carro elétrico e ecológicamente correto. O trabalho seguinte, Le Noise, traz a produção de Daniel Lanois, discípulo de Brian Eno na forja do “som atmosférico”, que já pilotara estúdios para Bob Dylan, U2, Peter Gabriel, Neville Brothers, entre outros. Poderíamos esperar efeito semelhante ao que Lanois conseguiu em Time Out Of Mind, disco de 1997 que recolocou a relevância musical na carreira de Dylan, mas Le Noise não cumpre a promessa, com resultado entediante.

Em 2012 viria o já citado Americana, antecessor de Psychedelic Pill, primeiro disco duplo de toda a carreira de Neil Young, novamente gravado com o Crazy Horse. Em canções que oscilam entre os três, quatro minutos protocolares, há músicas de 16, 17 e 27 minutos, geralmente em clima de improviso sem qualquer objetivo. Chato. O novíssimo trabalho estará nas prateleiras virtuais de todo o mundo em pouco tempo. A participação de Neil Young no documentário Sound City, lançado ano passado e dirigido por Dave Grohl, mostra o quanto o homem pode ser emburrado quando quer. Mesmo que A Letter From Home possa significar uma maluquice conceitual e tenha uma certa semelhança com seus discos dos tempos de crise de identidade, a impressão que temos é que Neil Young está apenas de mau humor.

Tudo bem, nada errado nisso, mas a carreira dele está perigosamente estacionada numa mesmice que poderia ser tolerável na maioria dos artistas, mas se torna incrivelmente incômoda quando relacionada a um mestre como ele. Seus shows ao vivo, sua dedicação a Bridge School, instituição mantida por ele para assistência de crianças excepcionais e seu passado lhe conferem álibi. Por enquanto.

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ARTISTA: Neil Young
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.