Três Discos Para Gostar de Morrissey

Conheça agora os três melhores trabalhos para começar a curtir o ex-The Smiths

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Há poucos dias, corre pelos canais digitais do mundo a novíssima canção de Morrissey, World Peace Is None Of Your Business, faixa título de seu novíssimo álbum, a ser lançado em julho próximo. Basta o mínimo sinal de notícias envolvendo o sujeito para a imprensa e os fãs entrarem em estado de excitação total. No caso dessa música, um típico single nota 6, nem seria motivo para tanta mobilização, mas tal noção desconhece o assunto Morrissey, seja para admiradores, seja para detratores. Egresso de uma das mais importantes – mas não a melhor – bandas dos anos 1980, The Smiths, e dono de uma carreira solo respeitável – e melhor que seu tempo como bandleader – e cheia de momentos pitorescos, Morrissey segue como, de fato, um dos mais imporatantes ingleses vivos, um dos mais influentes poetas do Rock em atividade e, por fim, um dos mais controversos personagens da cultura pop dos nossos tempos. Diante da multidão de novos artistas sem face ou sem multo a dizer, as declarações extremadas de Moz sobre vegetarianismo, ecologia, Inglaterra, homossexualidade e demais temas espinhosos, soam como melodia aos ouvidos mais atentos. Mesmo que discordemos de vários argumentos dele, de uma forma ou outra, sempre ouvimos o que Morrissey tem a dizer.

No meu caso específico, diante dos quase 44 anos por completar, admito que a paciência para os queixumes do sujeito já se esgotou há tempos. Mesmo por conta de seus discos, também confesso que Morrissey já não brinda os ouvidos de seus fãs com algo interessante há cerca de dez anos, quando lançou seu sétimo álbum em 2004, You Are The Quarry. Antes dele, doze anos antes, Moz viveu seu melhor período como artista. Entre 1992 e 1994, o bardo de Manchester lançou três álbuns, um deles ao vivo, que mostram o quanto sua verve estava em alta. Seu terceiro trabalho, Your Arsenal, deu forma e sentido à sua carreira solo.

Os dois discos anteriores, Viva Hate (1988) e Kill Uncle (1991) deviam muito aos tempos de The Smiths, sendo que o segundo permanece como um de seus momentos menos inspirados. Morrissey não contaria mais com a produção de Stephen Street, que pilotou o estúdio em termos de banda e no primeiro trabalho solo. O grande pilar de salvação para Kill Uncle é a presença de seus dois parceiros musicais pelos anos seguintes, responsáveis pelos momentos mais interessantes de Moz pós-Smiths, os guitarristas Alain Whyte e Boz Boorer. Ambos foram recrutados para integrar a banda de apoio de Morrissey na turnê do disco e vinham da cena britânica de Rockabilly. Além de bons instrumentistas, ambos chegaram para preencher uma lacuna seríssima nas engrenagens morrisseyanas: a presença de bons compositores. Desde o fim de The Smiths e o fim da parceria com o guitarrista Johnny Marr, Morrissey padecia da ausência de contrapontos melódicos à altura de suas letras e a dupla Boorer/Whyte chegava, não só para preencher espaço, mas para redefinir a própria musicalidade do bardo. Whyte está ao lado de Moz até hoje, coescrevendo e tocando em todos os discos desde 1992. Boorer também permanece, acumulando também a função de “diretor musical” da banda.

Your Arsenal surgiu em março de 1992, marcando a influência do Glam Rock na obra de Moz, algo até então nunca assumido abertamente, mas que fazia bastante sentido. Na produção do novo trabalho, ninguém menos que o parceiro maior de David Bowie nos tempos de Ziggy Stardust And Spiders From Mars, o guitarrista Mick Ronson. Com sua presença, as guitarras de Boorer e Whyte, já bastante pessoais, ganharam autonomia de voo e destaque. Morrissey também vinha com fome de bola, disposto a provar sua relevância para a própria música alternativa, buscando inspiração tanto em sua adolescência setentista, quanto desempenhando seu papel habitual de cronista do cotidiano mundial. Na verdade, a sonoridade do disco pende muito mais para um Rock mais clássico que para qualquer coisa feita na mesma época.

Enquanto o Britpop não se estabelecia e o Grunge permanecia como “som jovem” oficial do planeta, Moz buscava o passado para moldar seu presente. You’re Gonna Need Someone On Your Side e Glamorous Glue se destacam neste quesito, mas logo deixando espaço para as controvertidas We’ll Let You Know e National Front Disco, a primeira, supostamente seria uma exaltação aos hooligans (torcedores extremados de jogos de futebol, prester a serem banidos os estádios ingleses de então). A segunda marcaria o flerte do artista com a extrema direita britânica, algo que fazia pouquíssimo sentido, uma vez que ele sempre se manifestara contra o Partido Conservador inglês, atingido várias vezes na década anterior por letras virulentas contra sua maior representante, Margaret Thatcher. O lado sutil e irônico das sonoridades Glam aparecem marcantes em três canções: Certain People I Know, We Hate When Our Friends Become Sucessful e You’re The One For Me, Fatty. Ronso ainda tocaria guitarra em Seasick Yet Still Docked e David Bowie, muso inspirador, regravaria I Know It’s Gonna Happen Someday em seu disco de 1993, Black Tie White Noise, fechando o ciclo vitorioso.

O sucesso de Your Arsenal no Reino Unido e (pela primeira vez) nos Estados Unidos, trouxe popularidade inédita para Morrissey, que entrou em turnê mundial pouco depois do lançamento. Uma dessas apresentações, no dia 22 de dezembro de 1992, no Le Zenith, de Paris, serviu de principal combustível para Beethoven Was Deaf, seu primeiro disco ao vivo. Morrissey fizera outra aparição ao vivo, em Londres, dois dias antes, que também serviu para fornecer canções para o repertório do disco, que trazia o melhor de Your Arsenal e músicas anteriores, entre elas o maior sucesso de sua carreira até então, a smithiana Suedehead. Apesar de discriminado por conta de sua qualidade sonora, Beethoven… é ítem querido entre os fãs de Moz e tornou-se ítem de colecionador desde 2010, quando a filial europeia da EMI Records o removeu de seu catálogo. Há torcida por sua volta em nova forma, talvez com a totalidade dos shows da época.

O sucessor de Your Arsenal seria lançado em 1994. Vauxhall And I chegaria às lojas dois anos depois de seu antecessor, trazendo uma tonalidade bem distinta, mas igualmente relevante e genial. Neste momento, já havia a disputa midiática entre Blur e Oasis e todo um rebuliço na Inglaterra por conta do Britpop. Cabia a Moz passar incólume a tudo isso, mostrar força mesmo em tempos de hype e ainda ser capaz de igualar (e ultrapassar) o status do trabalho anterior.

Além disso, mesmo que não seja claro se Morrissey repetiria funções de Your Arsenal, Mick Ronson falecera em abril de 1993, vítima de câncer. Para a função de pilotagem de estúdio, foi recrutado Steve Lillywhite, responsável pelos primeiros e mais roqueiros trabalhos de U2, entre outros. O início do percurso de Vauxhall foi vitorioso, estreando no Top 20 americano, com o primeiro single, The More You Ignore Me, The Closer I Get, chegando ao primeiro lugar da parada britânica. Era a primeira vez que Moz conseguia algo assim em termos de venda e popularidade. Uma audição cuidadosa do disco vai revelar que o bardo continuava em forma. Sua banda, chefiada pelos dois escudeiros-guitarristas também vinha na ponta dos cascos, entrosadíssima, com Boorer e Whyte coassinando cavalos de batalha da carreira do músico, como Now My Heart Is Full, The More You Ignore Me (ambas com música de Boorer), Why Don’t Find Out For Yourself e The Lazy Sunbathers (com melodias de Whyte). Ao todo, o placar do disco crava cinco para Whyte e seis para Boorer. Nada mau para aquele que é considerado como o melhor trabalho da carreira de Morrissey em todos os tempos. No fim de 1994, a revista britânica Q rankeou o disco em seu Top 10 do ano. Em fevereiro de 2006, o álbum entraria na 91ª posição na lista de melhores lançamentos de todos os tempos da mesma publicação. Um mês antes, a NME já havia posicionado Vauxhall And I em 57º lugar entre os 100 Mais Importantes Discos Ingleses de todos os tempos. Admitamos, não é pouco.

Morrissey levaria dez anos para produzir um álbum tão interessante quanto Your Arsenal ou Vauxhall. Após várias idas e vindas entre gravadoras, mudança para Los Angeles, declarações bombásticas na imprensa e discos pouco interessantes, ele ressurgiria das próprias cinzas com You Are The Quarry, lançado em 2004, sete anos após o álbum anterior, o sintomático (e fraco) Maladjusted. Com uma foto de Morrissey empunhando uma metralhadora e uma canção de abertura com o título de America Is Not The World, já dava para perceber que o sujeito voltava disposto a reconquistar seu prestígio no terreno musical. Os maiores hits seriam duas parcerias com Alain Whyte, Irish Blood, English Heart e The First Of The Gang To Die, que tiveram desempenhos interessantes nas paradas inglesas e americanas. O lançamento atingiu em cheio o coração de uma geração que se iniciava no ofício de ouvir e pensar o Rock a partir das alternativas disponíveis, ou seja, de um lado, a estética sonora esturricada, representada por Strokes e seus imitadores, do outro, o cabecismo malandro de Radiohead e seus diluidores. Um disco, ainda que fosse mediano, de Morrissey seria um impacto fulminante para esse pessoal, o que se confirmou. No caso de You’re The Quarry, cheio de acertos, disposição e canções legais, Moz viu-se renascido, reinterpretado e acolhido nos corações mais novos. Seus fãs de longa data permaneciam fiéis e o culto à sua persona seguiu inabalado até os nossos dias.

Morrissey, repito, pode e sabe ser bastante chato. Por outro lado, cheio de contradições, manias, ressentimentos, acidez, ironia, sensibilidade e humor, ele é uma das vozes mais importantes do Rock inglês desde sempre. Isso não é exagero. O cara pode atravessar momentos de esterilidade criativa, mas, volta e meia, ele ressurge. Resta sempre levá-lo em conta.

PS: Your Arsenal foi relançado no início de 2014 com nova masterização e acrescido de um DVD, trazendo um show de 31 de outubro de 1991, já com a nova banda e com We Hate When Our Friends Become Sucessful, que entraria no repertório do disco. O concerto foi em Mountain View, California. Em junho próximo sai uma nova versão de Vauxhall And I, também remasterizado e trazendo um show ao vivo, dessa vez no Royal Drury Lane, em Londres. com repertório compreendendo os trabalhos anteriores, canções do disco e uma cover de Moon River, clássico de Herny Mancini, da trilha sonora de Breakfast At Tiffany’s (Bonequinha de Luxo), um dos filmes preferidos de Moz.

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ARTISTA: Morrissey
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.