Damien Rice: Sobre Amor sem Ser Romântico

Primeiro álbum do trovador irlandês traz uma boa dose de reflexão em belas melodias

Loading

Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Damien Rice – O (2002)

Não é difícil deduzir que grande parte do público deixou de ouvir O pelo mesmo motivo (cabe a cada um julgar se isso está certo ou errado): A cover/tradução/vergonha-alheia que Ana Carolina e Seu Jorge fizeram juntos de The Blower’s Daughter. Entretanto, quem já conhecia antes, ou quem enfrentou o medo e decidiu se aventurar pelo disco de estreia do irlandês Damien Rice, teve a chance de se deliciar com um punhado de músicas ora irônicas, ora sinceras demais, mas sempre muito emocionadas.

Acho que a maior surpresa é que trata-se de um álbum sobre amor, mas longe de ser aquilo que esperamos de um trabalho “romântico”. Delicate, a abertura, já narra uma história nesse espírito, sobre uma relação entre duas pessoas que sempre acabam juntas, mas que não possui muito fundamento. Em seguida vem Volcano, com a força que seu título carrega, porém em uma atmosfera mais delicada que a anterior para um refrão quase debochado de tão honesto: “What I am to you is not real/What I am to you you do not need/What I am to you is not what you mean to me/You give me miles and miles of mountains/And I’ll ask for the sea”.

Cannonball e Cold Water, tristíssimas, são mais reflexões sobre decepções e maturidade do que lamentos de fim de amor (embora a primeira se apresente dessa forma), enquanto Older Chests, talvez a mais introspectiva de todas, é um grande devaneio pessimista sobre a repetição da vida (“Some things in life may change/And some things, they stay the same/Like time”).

I Remember e Cheers Darlin’ são também sobre amor, mas nada introspectivas. A primeira é quase uma prestação de contas, uma conversa post mortem que casa bem com a postura racional do homem abandonado que Glen Hansard canta em sua Say it to Me Now; A outra é um desabafo alcoolizado de quem se percebe como substituído no coração de outrem – algo que dói a ponto de fazer alguém questionar a identidade, sua própria existência (“What am I, darling?/The boy you can fear or your biggest mistake?”), após repousar tanto de si no relacionamento que não mais existe.

No meio de tanto sofrimento, Amie (cantada como um nome de menina, mas, na real, é a palavra para “amigo” em francês) e Eskimo vem como momentos grandiosos e mais otimistas no meio do repertório para equilibrá-lo. O que fica da audição é um trabalho sincero (repare como a voz de Damien e da ótima Lisa Hannigan estão sempre em primeiro plano, para reforçar as letras).

Quem já mergulhou nesse lago quer convidar para nadar aqueles que recusam entrar na água pelo trauma de The Blower’s Daughter no coletivo brasileiro recente. Mas, isso é preciso ser dito, mesmo essa faixa é bonita pra caramba. Procure também pela versão com faixas bônus: Prague e Silent Night, uma versão da música natalina para você chorar o ano inteiro. É muito amor tanto pra quem ama o tema, quanto pra quem odeia amar.

Loading

ARTISTA: Damien Rice
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.