Cadê – Nenhum de Nós – Nenhum de Nós (1987)

Primeiro disco da banda gaúcha jamais foi lançado em CD

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Como já dissemos em várias resenhas do Cadê, o Rock brasileiro dos anos 1980 começou carioca por volta de 1981/82, tornou-se também paulista em 1983 e nacional de fato a partir de 1985, com o advento do primeiro Rock In Rio. Também é possível dizer que essas mudanças não foram apenas de cunho geográfico, mas na sonoridade, na atitude e nas influências das bandas que surgiam à medida que a década avançava. O Rio Grande do Sul já enviara seu maior representante para as paradas de sucesso em 1986. O estouro de Engenheiros do Hawaii era a prova de que havia algo interessante a ser prospectado longe demais das capitais do Sudeste.

A formação da banda se deu quando Carlos Maltz e Humberto Gessinger se juntaram a Carlos Stein para criar um grupo que tirasse sarro dos sujeitos na Faculdade de Engenharia. Após dois shows, Stein deixou o projeto e decidiu chamar outros amigos de muito tempo para formar uma banda. Vieram então Thedy Correa (vocais/violões) e Sady Homrich (bateria) e, no formato de trio, eles se dedicaram à formação de um repertório e aos ensaios. O local era o Bar Bangalô, no qual Sadi trabalhava como músico contratado.O nome veio por conta dos três responderem perguntas sobre temas tão diversos como alistamento militar ou problemas de visão como “nenhum de nós serviu ao exército” ou “nenhum de nós tem miopia”. As canções foram surgindo e os primeiros shows também, entre eles, um na SAPI, Sociedade dos Amigos da Praia do Imbé. Por conta de um imprevisto, o nascente Nenhum de Nós tocou depois dos headliners da noite, o já tarimbado grupo DeFalla. Como ambos dividiriam o equipamento de som, o pessoal da outra banda, incluindo seu produtor, Antônio Meira, precisaram ficar até o fim do show. O resultado foi o pedido de Meira para que o trio gravasse uma fita demo, o que foi prontamente atendido. Em pouco tempo, o registro do repertório embrionário do grupo corria as gravadoras, sendo acolhido pela BMG Ariola.

A banda então entrou em estúdio para gravar o primeiro disco. O estilo de Nenhum de Nós vinha da interseção entre o Pós-Punk inglês mais clássico com algum elemento tradicional gaúcho, algum lamento urbano adjacente, algo difícil de medir. O resultado era um som mais nervoso que o usual, não pesado, mas denso. As letras de Thedy visitavam terrenos distintos das de Humberto Gessinger, apenas para mencionar um conterrâneo. Havia mais angústia, menos malandragem e zero de joguinhos com palavras. A sonoridade também era mais pessoal, calcada nos violões e guitarras, com uma cozinha mais discreta e reta. O que ninguém poderia esperar veio na forma do sucesso avassalador de Camila, Camila, que se tornou um hit nacional logo no início de 1988, pouco após o lançamento do disco. A canção trazia letra misteriosa e um andamento aerodinâmico, com bateria e baixo bem marcados e guitarras à la The Smiths.

Apesar de conter outras canções bem interessantes, como People Are, a gauchesca Uma Pequena História, a urgente Adeus e a climática Frio, Nenhum de Nós manteve-se no mapa apenas por conta de Camila. Seu maior sucesso viria no álbum seguinte, Cardume, a ser lançado em 1989, cujo maior destaque seria uma versão para português de Starman, canção de David Bowie safra 1972, rebatizada O Astronauta de Mármore. Com o reconhecimento dos fãs, veio o massacre por parte da crítica especializada, que não perdoou a nova interpretação da canção. Com o avanço da nova década, Nenhum de Nós foi encontrando seu lugar numa área discreta do mercado, mantendo um público regular, e, com o tempo, livrando-se do estigma trazido pelo Astronauta, mesmo que frequentemente faça covers, como Meu Mundo e Nada Mais (Guilherme Arantes) e Sangue Latino (Secos e Molhados).

A banda continua ativa até hoje sob a forma de quinteto, trazendo também o guitarrista Veco Marques e o acordeonista/tecladista João Vicenti. Este primeiro disco de Nenhum de Nós jamais foi lançado em CD. Suas canções se encontram disponíveis apenas em coletâneas, ainda disponíveis em catálogo.

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MARCADORES: Cadê

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.