Cadê – Paulo Ricardo – Paulo Ricardo (1989)

Primeiro disco solo de ex-RPM permanece esquecido

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Podemos afirmar que o Rock brasileiro dos anos 1980 teve dois marcos fundamentais: o primeiro Rock In Rio e o surgimento do grupo RPM, ambos em 1985, com intervalo de poucos meses. O festival serviu para mostrar ao país que a música jovem, produzida no eixo Rio-São Paulo, era “confiável” em termos mercadológicos, merecia atenção e investimento por parte da indústria e ofereceria retorno garantido. RPM foi o grupo Pop mais famoso do país, chegando a desbancar Blitz, até então, o grande sucesso popular do estilo no Brasil. Onde a sonoridade da banda carioca era bem humorada (ainda que em sintonia com o que se fazia de melhor lá fora), as músicas do RPM exibiam igual capacidade de receber influências de artistas estrangeiros (Duran Duran, Roxy Music, entre outros) como também indicavam que o grupo paulista se levava a sério o bastante para receber um tratamento mais pessoal por parte da mídia. Onde Blitz tinha graça e humor que, no entanto, tinham vida curta, RPM tinha “conteúdo”, letras fortes (com uma delas, Revoluções Por Minuto, chegando a ser censurada) e, acima de tudo, um galã. Este sujeito se chamava Paulo Ricardo.

É injusto dizer que RPM era só uma banda de rostinhos bonitos. Os sujeitos sabiam tocar e tinham inspiração para colocar nas paradas canções como Louras Geladas, Olhar 43, Rádio Pirata e, entre as constantes do primeiro álbum, minha favorita, A Cruz e a Espada. Era um Tecnopop de baixos teores, com uma parafernália tecladeira operada por Luiz Schiavon, amigo de Paulo Ricardo desde o início dos anos 1980. Na guitarra vinha Fernando Deluqui e Paulo Pagni se responsabilizava pela bateria. Nunca foram grandes músicos mas obtiveram uma liga musical poderosa e grudenta. Seu segundo álbum, Rádio Pirata Ao Vivo, lançado em 1986, ostenta a respeitável marca de 2,7 milhões de cópias vendidas. O terceiro trabalho, homônimo, tinha qualidades, representava um desejo de mudança estética por parte da banda, mas naufragou na pouca capacidade de aproximação ao público e também porque o grupo andava às turras, na iminência de uma separação, o que ocorreu logo após o lançamento e a constatação do baixo desempenho do álbum, que vendeu 200 mil cópias em 1988. A carreira solo de Paulo Ricardo era uma questão de (pouco) tempo.

O então ex-vocalista do RPM já havia trabalhado como modelo e jornalista antes de entrar para a banda. Fora responsável pela coluna Air Mail da extinta revista Somtrês, na qual escrevia direto de Londres, com a missão de relatar sobre bandas e novidades musicais da Velha Ilha. Lá ele travou contato com tudo o que se fazia de mais moderno nas áreas do Pós Punk, do Tecnopop e da New Wave. Com o fim de RPM, Paulo Ricardo poderia retomar um pouco das inflexões pop deixadas de lado no último álbum do grupo e investir na manutenção de sua imagem de popstar. Dito e feito. Mantido no mesmo selo da banda, o Epic/Sony, o cantor e compositor entrou em estúdio com liberdade para criar. Chamou o amigo Deluqui para assumir as guitarras, convidou Lulu Santos e Rita Lee para participações especiais e entregou uma boa fornada de composições. O primeiro hit foi A Um Passo Da Eternidade, simplesmente uma das melhores composições já assinadas pela dupla Deluqui/PR. Épica, com produção esperta (a cargo da dupla e de Guilherme Canaes), a canção teve bastante destaque nas rádios.

A participação de Rita Lee em A Fina Poeira Do Ar serviu mais como curiosidade, pois o disco investia pesado na afirmação completa da figura de PR como um galã inquestionável. Apesar de eficaz, moderna e bem executada, a produção do disco não conseguiu fazer milagre, ou seja, transformar algumas canções fracas, como A Arte De Fazer Amor, O Nylon e o Marfim e mesmo a abertura do álbum, Canções, Revoluções, que tentavam investir no aspecto Brian Ferry da persona de Paulo Ricardo sem muito sucesso. Interessava o galã, talvez nem tanto um revestimento musical mais profundo. As sonoridades do disco, apesar de complexas na medida certa, não conseguiram servir para o objetivo. Se fossem só para cantar e apreciar, certamente fariam mais sucesso. O fato é que a figura de Paulo Ricardo ficava datada à medida que os dias passavam. A música Pop planetária movia-se rápido em direção a sonoridades mais amplas, conectadas com vários estilos e âmbitos, o que deixava o Pop Romântico de PR na retaguarda da modernidade.

Paulo Ricardo ainda lançaria vários álbuns em carreira solo. Investiria numa nova formação de RPM, em disco de covers, até numa guinada romântica extrema e o retorno dos integrantes originais de sua antiga banda, sem, no entanto, nunca recuperar seu status de outrora. Recentemente foi visto cantando em dueto com ninguém menos que Roberto Justus. São manchas na ficha de um sujeito que cumpriu um dos mais importantes papéis da indústria do Rock nacional oitentista mas que sucumbiu à passagem do tempo. A carreira solo de PR merece uma boa escavação em busca de acertos eclipsados por outros motivos. Este primeiro álbum solo está fora de catálogo há tempos mas pode ser encontrado por valores próximos a R$ 40,00.

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ARTISTA: Paulo Ricardo, RPM
MARCADORES: Cadê?

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.