Negação, Raiva, Barganha, Depressão e Gram

Álbum de estreia do grupo paulistano lida com o fim de relacionamento em faixas que não ficam velhas

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Gram – Gram (2004)

Ah, o desapego. Não há conceito mais utópico do que esse para um coração apaixonado e, por isso, obsessivo. A pessoa querida – em outras palavras, o “objeto de desejo” – pode te rejeitar quantas vezes quiser e isso não causa a repulsa naquele que está preso no amor. Mas magoa.

Tenho pra mim que Gram é sobre um luto contínuo em busca da aceitação (desapego), mas em uma trama não-linear com as outras fases – ou seja, a negação, raiva, barganha e depressão aparecem todas misturadas ao longo das dez faixas do álbum de estreia do grupo paulistano.

Uma década depois, o disco não ficou velho. Não me refiro à sonoridade, um passo certeiro no que o Rock fazia no Brasil naquele começo de século com liberdade criativa, porém sem deixar de lado uma das grandes heranças da tradição da canção popular brasileira: O romantismo. Quero contar do impacto que essas letras conseguem ter ainda hoje. E se pra mim elas são nostálgicas, imagino que elas terão uma força extra pra quem conhecer a banda agora (principalmente se estiver apaixonado).

Graças ao “clipe do gatinho”, a banda teve visibilidade o suficiente pra ganhar admiradores por todo o Brasil (não se esqueça que estamos falando de uma época ainda bem diferente para os músicos na Web. Nem Orkut tínhamos!). O tom melancólico-reflexico de Ventura já tinha ajudado a preparar terreno para mais um disco emocionado de Rock longe das obviedades do mercado e sem o desespero do Emo da época.

Porém (voltando ao assunto), olha, dor aqui não falta. Ela surge entre momentos de grande lucidez (Reinvento, Faça Alguma Coisa) com outros mais emocionados (Vem Você, Você Pode Ir na Janela), passando por relatos do que já passou que parecem fazer a ponte entre o racional e o que se sente, como Toda Luz. Como eu disse antes, os sentimentos estão todos misturados, pulando bruscamente de faixa a faixa. Mas não é sempre assim quando bate a dor da rejeição?

Todas as músicas (com exceção de um ou outro momento em Seu Troféu e em Sonho Bom) são bem diretas no jogo Eu x Você, duas palavras frequentes nos versos. Seja em “Preciso me livrar de tudo o que é você, o espaço pra criar um outro alguém” (Reinvento) ou “Você me ajustou num lugar que me torna invasor” (Faça Alguma Coisa), a briga é sempre feia.

“Sei que errei por muito tempo, eu te dei tanta luz, muita luz pra alguém que nem queria ficar, mas nem sair” (Toda Luz) mostra a consciência do eu-lírico e da sua parte de culpa, mas o encerramento não poderia ser mais propício: “Eu era bem feliz, mas tudo agora é de outra forma. Por que o mundo é assim?” (…É a Vida).

E é nisso que todo o álbum se concentra em músicas ora chorosas, ora bem animadas, mas sempre bastante emocionadas. Afinal, ter alguém e depois não ter mais é um forte ato de terrorismo emocional. Poucas coisas fazem tão pouco sentido quanto construir algo a dois pra uma hora não existir mais nada. A vida passa, tudo muda, mas Gram ousou perguntar: “Por que o mundo é assim?”.

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ARTISTA: Gram
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.