Cadê – Herbert Vianna – Ê, Batumaré (1992)

Primeiro disco solo do músico é anti-comercial e corajoso

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O primeiro álbum solo de Herbert Vianna surgiu como fruto de um período bastante peculiar em sua vida. Sua esposa Lucy estava grávida do primeiro filho do casal, Luca, e decidiu tê-lo em sua Inglaterra natal. Herbert concordou e o casal rumou para a casa dos pais dela, uma fazenda no interior do país. Lá ela passou os últimos dias até o nascimento, assistida por todos os recursos e benefícios de uma previdência social mundialmente famosa por sua eficiência e cuidado com as pessoas. Luca nasceu, o casal voltou para o Rio e Herbert ficou com aquela diferença gigantesca, entre a assistência social inglesa e a brasileira na cabeça, algo que veio juntar-se a outros fatores. Em pouco tempo, Ê, Batumaré viria à luz.

Sua banda Paralamas do Sucesso amargava um período de contestação da crítica. O mais recente álbum do trio, Os Grãos (1991), mostrava um grupo amadurecido e em busca de sua identidade naquele começo de nova década. Era um processo que transforma muitas formações, de Barão Vermelho, Legião Urbana e Titãs, a RPM, que encerrara atividades dois anos antes. A crítica acusava a banda de fazer um disco careta, de MPB, como se não fosse permitido à geração oitentista do Rock envelhecer. Todos os integrantes destes grupos já viravam a casa dos trinta anos de idade, não era mais possível vivenciar e cantar músicas de quando tinham vinte e poucos anos sem que aquilo soasse estranho. Além disso, a vida seguira, o mundo mudara e outros assuntos apareciam no radar destes compositores. No caso de Herbert, sua verve de compositor preocupado com temas brasileiros gerais já dera a cara em Selvagem? (1986) e permanecia ativa. Ao longo dos cinco anos entre aquele álbum e o atual, o trio gravara várias canções “antenadas” em relação a esses temas.

A ideia de gravar um disco solo veio naturalmente e ter uma carreira longe da banda nunca passou pela cabeça de Herbert. A vontade que ele sentia de fazer um disco próprio era muito mais autoral do que um projeto de desvincular-se da lógica “paralâmica”. Em meio a todas as novidades recentes, ele terminara de ler Morte E Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto, um livro crucial para entender o país e sua Região Nordeste. Com todos estes pensamentos, Herbert concebeu o disco como algo complexo e simples ao mesmo tempo. Se o conceito poderia tornar as canções de difícil aceitação por parte do público, a forma de gravar era a mais natural possível: com a ajuda do engenheiro de Paralamas do Sucesso, Carlos Savalla, o cantor e compositor transformou uma garagem em sua casa no Recreio dos Bandeirantes para que as gravações ocorressem lá. Com equipamentos quase amadores e motivado pelas referências literárias e musicais (o álbum Araçá Azul, controvertido trabalho de Caetano Veloso), Herbert foi registrando as canções.

Das onze faixas do disco, apenas duas não são de autoria isolada de Herbert. Impressão foi composta com Bi Ribeiro e João Barone e The Scientist Writes A Letter é da lavra do cantor e guitarrista americano Tom Verlaine, líder da banda Television, registrada em seu disco Flash Light, de 1987. As outras nove canções são pequenos compêndios sobre o Brasil, a conjuntura nacional e a inserção do país no mundo. Os títulos são sintomáticos dessa ideia conceitual: Mobral, A Nova Cruz, Rio 92, A Dureza Concreta, O Retirante Harry Dean, O Rio Severino- sendo que esta última serviu de ponte para o álbum seguinte da banda, Severino, que seria lançado em 1994.

Ê, Batumaré foi lançado no fim de 1992, atingindo a casa de 25 mil cópias vendidas. Era um tempo em que não havia muito espaço para um artista lançar trabalho tão pessoal e anticomercial. Não houve hit, não houve turnê de lançamento, apenas a certeza que era possível falar destes temas – ainda atuais – e transformar essa necessidade em música. Herbert sempre foi um compositor talentoso o bastante para fazer com que tais temas soassem ainda mais relevantes em forma de música. Seu primeiro disco solo (ele já tem quatro ao todo) é um registro de consciência de um músico e cidadão no mundo e em seu país.

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MARCADORES: Cadê?

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.