Um Lugar Seguro pra Voltar: Cat Power

Registro é uma obra única e prova incontestável do talento da cantora

Loading

Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Cat Power – You Are Free

A primeira vez que eu ouvi Cat Power foi no limbo da Internet, em um computador antigo na casa dos meus avós, lá no meio do nada. Eu, que não tinha praticamente nenhum contato com televisão a cabo no interior e nem era leitora assídua de sites que falavam sobre a cantora, descobri as músicas de Chan Marshall pelo YouTube entre os vídeos relacionados, forma como acabei descobrindo várias bandas no início dos anos 2000, com meus pouco mais de 10 anos. Isso foi logo depois de um amigo do colégio (que fazia música por diversão) comentar na época que uma das musas inspiradoras pra ele no mundo da música era a tal Cat Power, fisicamente e musicalmente. E realmente, ela é linda. Mas eu não imaginava que uma voz tão potente saísse daquele corpo. Não até entender o fenômeno Cat Power.

He War foi a primeira faixa que eu ouvi, e a identificação foi instantânea. Com o clipe, dava pra sentir e entender um pouco mais de quem era a cantora, com aquele jeitinho tímido, introspectivo, com um cabelo comprido e uma franjinha misteriosa, e não demorou muito até que eu me apaixonasse pela guitarra insistente, violão sincero e piano melódico, presentes nas canções de Chan. You Are Free, sexto álbum da sua carreira, foi o primeiro contato real com o seu mundo.

O disco tem uma proposta bem minimalista, instrumentalmente falando. Muitas vezes, a voz de Cat Power vem acompanhada apenas de um instrumento, como a própria faixa de abertura, I Don’t Blame You, que é acompanhada apenas de um piano. Essa execução dá um ar mais intimista, como se ela estivesse do seu lado, interpretando tudo com muita facilidade. É natural, flui, acontece.

Já em Free, podemos sentir uma música mais agressiva, que segue no minimalismo, mesmo trazendo uma diversidade maior de instrumentos, como guitarra, bateria e violão. Ainda segue na linha de um som cru, escarrado e sincero. Good Woman já traz o apelo sentimental, com o som do violino que conversam com a guitarra durante a execução. Aqui, o apelo emocional é mais forte, tanto na melodia quanto na letra: “I want to be a good woman / And I want for you to be a good man / And this is why I am leaving /And this is why I can’t see you no more”.

Inclusive, é importante dizer que esse apelo é uma das coisas que faz Cat Power especial. Ela é uma das únicas que conseguem expressar sentimentos mantendo uma linha que fica entre o limite do melancólico e do introspectivo, mas sem o rótulo de ser “triste”. O tom de tragédia e absorção diferenciada do mundo à sua volta é uma das coisas que Chan melhor sabe fazer e expressar através de sua música, e faz como ninguém. Em canções como Werewolf, isso é bem perceptível. É como se ela contasse uma história sombria e triste, mas ainda assim dando um ar de poesia em meio a um violão que soa acústico e violinos que preenchem os ecos de sua voz, naturalmente grave, potente e rouca.

Fool, um dos destaques do álbum, traz Cat no meio de guitarras, com sua voz nua e crua. É como se a atmosfera criada abraçasse os melhores e piores sentimentos, e ali fosse possível passar o tempo revivendo um amontoado de emoções, seguindo uma visão um pouco mais introspectiva, mas não necessariamente triste (digamos que ela tenha uma abordagem diferente para tratar determinados assuntos). He War vem como uma baladinha crescente e divertida (divertida para o mundo de Chan Marshall), ainda com o tom sincero, puro e declarado da cantora. É expansiva, na proporção de extroversão que pode ser encontrada dentro do seu próprio universo. Shaking Paper traz a distorção de guitarras em um clima mais soturno, mantendo o estilo e ritmo próprio encontrado ao longo do registro.

Babydoll traz de volta uma audição quase acústica da cantora, cuja voz é embalada por um violão meio Lo-Fi, que encontra seu próprio caminho no meio das outras faixas. O piano estridente de Maybe Not vem confrontar a atmosfera criada anteriormente. Eu, como amante de músicas que trazem o piano na melodia, acho incrível o que Cat Power consegue fazer, sendo este um ponto forte que me instiga mais a ouví-la sempre. Names, uma das faixas mais bonitas do registro, dá continuidade à sonoridade construída em cima de arranjos no piano. É um abrigo seguro e sincero, delicado mas ao mesmo tempo intenso. Half Of You, Keep On Runnin e Evolution são as despedidas oficiais do álbum, dando os respiros finais no fechamento de um belo registro.

O álbum ainda conta com a participação de grandes nomes: Dave Grohl, que toca bateria nas faixas Speak For Me, He War e Shaking Paper e assume o baixo em Shaking Paper; Eddie Vedder faz a segunda voz em Good Woman e Evolution; e Warren Ellis toca violino em Werewolf.

You Are Free é sempre um lugar conhecido pra se voltar, não importa quanto tempo você fique longe dele, ou o que aconteça. Ele vai sempre estar preparado pra te acolher, em qualquer momento. Vai te entender e partilhar seus sentimentos mais profundos, talvez até dê uma boa risada, ou um sorriso malicioso no final. É um refúgio criado por uma atmosfera envolvente e única, e prova incontestável do talento de Cat Power.

Loading

ARTISTA: Cat Power
MARCADORES: Fora, Fora de Época

Autor:

Largadora por vocação. Largou faculdades, o primeiro namorado e o interior. Hoje só quer saber de arte, cinema, música, fotografia e sair correndo pelo mundo.