Um Musical para quem não gosta de Musicais

O independente “Apenas uma Vez” conseguiu inovar o gênero e apresentar ao mundo os talentos de Glen Hansard e Markéta Irglová, atores e intérpretes das excelentes canções que compõe a trama

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Em 9 de fevereiro de 2008, eu e outras milhões de pessoas nos surpreendemos ao ver um desconhecido casal europeu receber o prêmio mais prestigiado do cinema norte-americano na categoria Melhor Canção por uma composição simples, mas que conseguia facilmente exalar muita humanidade, muita alma. Foi esse meu primeiro contato com o trabalho de Glen Hansard e Markéta Irglová, que compõem, cantam e atuam em Apenas Uma Vez (o irlandês Once, de 2007).

Hoje, penso que é uma pena o filme ser marcado nas memórias de tantos como o “azarão do Oscar”. Se ele não ganhou a atenção de alguém por sua história ou mesmo pela trilha, gosto de pensar que ele deve ser lembrado como “um musical para quem não gosta de musicais”.

A grande diferença desta para as outras produções do gênero é que as canções não invadem a trama como se a narrativa se passasse em um universo paralelo em que se levantar da cadeira e começar a cantar em coro com toda uma cidade é uma coisa mais habitual. Não, Once se propõe a mostrar uma história encenada neste mundo aqui em que vivemos. Por contar a história de dois músicos, a trilha participa ativamente das cenas por que de fato estão sendo interpretadas pelos personagens.

Mas não se tratam apenas de canções jogadas em um filme. Elas servem para preencher o espaço que não é dito nos diálogos, nos contando sobre o que os dois personagens centrais (chamados apenas de “ele” e “ela”) sentem e pensam em relação, principalmente, ao seu passado.

É assim que conhecemos mais sobre a ex do personagem de Glen, quando, após a personagem de Markéta lhe perguntar sobre ela, o filme corta para ele cantando All the Way Down em seu quarto, ou quando o vemos vendo recordações dos dois enquanto compõe Lies. O mesmo acontece quando a moça vai escrever uma música romântica e faz If You Want Me enquanto anda pela rua ouvindo a um discman.

Contar mais do que isso sobre a trama é estragar algumas surpresas ao longo do caminho. Assim como o formato do musical não é convencional, a história não é aquilo que esperamos mesmo após assistir ao seu trailer. Basta dizer que a primeira metade do roteiro se concentra em nos apresentar os personagens e suas músicas, enquanto a segunda parte desenrola mais da trama enquanto eles gravam um disco demo.

When Your Mind’s Made Up

O último grande detalhe sobre o filme que você precisa saber (e, se for gravar apenas uma informação sobre este texto, que seja esta) é que as faixas da trilha são nada menos do que ótimas. É sério, são todas brilhantes musicalmente, liricalmente e em suas interpretações. Todas. Falling Slowly, a que ganhou o Oscar, não impressiona todos os gostos, mas se você tem um apreço por Folk (ou Pop Folk, Folk Rock, Indie Folk ou o que seja), precisa se atentar às composições da dupla – que, mais tarde, lançou o álbum The Swell Season, nome que batizou a banda que os dois formaram e que veio ao Brasil para dois excelentes shows em 2010.

A animada When Your Mind’s Made Up é uma daquelas faixas que você ouve de vez em quando ao longo dos anos e sempre pensa “nossa, essa música é muito boa”, enquanto Fallen from the Sky é uma das poucas composições muito doces e nada enjoativas que já escutei. A trilha se completa com Leave, que é ouvida apenas no gravador do protagonista e a própria Once, presente nos créditos finais com o refrão “Once I knew how to talk to you/But not anymore”.

Por isso, o nome do filme refere-se tanto a quantidade de vezes que você encontra “a pessoa certa” (como indica o trailer), mas também a essa dificuldade de comunicação que a canção narra, uma certa impossibilidade de falar sobre o que se sente com meras palavras, necessitando, assim, do amparo musical para a mensagem ser clara – o que justifica o formato musical dado à história.

Assistir a Apenas uma Vez acaba sendo uma experiência semelhante a ouvir um disco, já que, mesmo fazendo parte integral de uma narrativa, cada faixa tem muito significado por si só e funciona perfeitamente fora de seu contexto. É uma trilha que conquista qualquer fã de cinema e um musical feito para quem curte boa música – ainda que odeie o gênero.

Say It To Me Now

If You Want Me

Falling Slowly

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.