Green Valley: Lar da EDM no Brasil

Apresentação do último sábado provou que país está preparado para maratona de festivais de 2015

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“Esqueça Bossa nova, o Brasil é o novo país da música Eletrônica”. Quem pode negar isso? Essa semana mesmo, em um pouco mais de três horas, os ingressos da Tomorrowland se esgotaram. E onde já se viu isso? Nem na Bélgica isso acontece! Em Balneário Camboriú (SC), a cena não é Rock, não é sertanejo nem samba. Lá, a brasilidade é representada de uma forma diferente. A cidade já, desde sua entrada, no som alto dos carros, já demonstra o amor pelas batidas. E um amor não muito platônico, um amor consciente, palpável e bairrista. Os sulistas experienciam há bons anos os maiores nomes do EDM mundial, acompanham quem cresce na cena, quem estoura, quem ganha espaço, quem vira um hit e sobe, tem a oportunidade que o resto do país não tem de estar tão próximo de artistas que outros estados não consomem com tanta facilidade. E não consomem justamente por essa cultura diferenciada, por ter aprendido desde cedo a escutar um gênero que o resto do Brasil, por si só, começou a escutar e assimilar mesmo há pouquíssimo tempo.

Green Valley veio no estado certo, na cidade certa, para as pessoas certas. O Green Valley já assinou grandes eventos como o Dream Valley Festival, que reuniu mais de 40 mil pessoas no Beto Carrero World, em Penha, Santa Catarina, em novembro de 2012 apresentando os maiores nomes brasileiros e estrangeiros da cena Eletrônica em dois palcos que receberam mais de 40 atrações. O lugar já abraçou Djs como Armin Van Buuren, David Guetta, Carl Cox, Steve Angello, Avicii, Afrojack, Calvin Harris, Axwell, Sebastian Ingrosso, Alesso, Tiesto, FatBoy Slim e até o atual melhor do mundo: Hardwell. Seja qual for o nível de estrelismo, causa surpresa em qual atração for – e é bem difícil não causar. O lugar foi projetado arquitetonicamente pra isso. As tendas foram construídas no meio da Mata Atlântica, misturando um projeto altamente moderno com a rusticidade e simplicidade do campo, tudo isso no meio de canhões de luz, ativações de marcas, bares, restaurantes, camarotes, patrocinadores e um lago incrível. Uma logística de dar medo, pensar que mais de 12 mil pessoas são comportadas de forma milimetricamente pensada, a maioria já vindo com óculos de sol com intenção de passar das 6 da manhã ali no clube. Ao pisar no Green Valley, qualquer um se sente importante e quem é VIP tem uma visão que a maioria gostaria de ter: todos se sentem DJ por uma noite, tem aquela visão do palco para o club.

Abrir uma boate é fácil, difícil é mantê-la. E manter uma estrutura dessas, trazendo atrações internacionais como o Green Valley há sete anos há de se respeitar. E isso foi conquistado através de muita ousadia. E no último sábado (6), foi um desses dias. O evento é amplamente conhecido e ícone na cultura EDM. No entanto, no feriado da Independência, resolveu dar um passo adiante misturando o underground com o comercial. Entre o curitibano Repow e o residente carioca Marcelo CIC, estavam as atrações internacionais Betoko e, pela segunda vez no club neste ano, Steve Aoki.

Tive a oportunidade de bater um papo com Marcelo CIC antes de ir pro GV. O cara, que vem abrindo todos os shows de Aoki na turnê brasileira, está numa ascensão absurda na carreira e faz parte do grupo de produtores brasileiros do Electrohouse em destaque. Apesar de residente da casa desde novembro, confessa sentir frio na barriga antes de entrar no palco até hoje. CIC tem seu próprio grupo de seguidores em Camboriú, principalmente depois de ter feito o tema do Dream Valley no ano passado. Mas a fama não é de hoje. Dono de 46 discos, já fez Rio Parade, já teve uma de suas produções no documentário de ninguém menos do que Carl Cox, além de ser assinado pela Spinnin Records. Isso tudo gerou muito barulho e o resultado disso foi turnês pela América e Europa, faixas gravadas com diversos artistas do roster e vários lançamentos por agora. O produtor (que prefere ser sempre lembrado como “DJ”) começou seus trabalhos aos treze anos e no Techno, mas hoje trilha seu caminho no EDM. Apesar disso, acha que a cena hoje precisa de uma mudança radical na forma como as pessoas enxergam a música e pretende reformular suas produções pra uma estrutura mais dançante. Com algumas cartas na manga (como prometi, não vou revelá-las), já adianto que vamos ouvir muito desse cara no ano que vem.

Mas agora, vamos pra dentro da tenda. Pra quem acompanhou a noite inteira, tem-se a impressão de que eram duas festas completamente diferentes. Conversando com Betoko no camarim, o próprio produtor confessou que nunca havia tocado numa festa em que o público do underground, que geralmente é bem crítico com EDM, tivesse se misturado tão bem com quem ouvisse Steve Aoki, por exemplo, respeitando e dançando da mesma forma. O mexicano entrou pontualmente 1 da manhã e foi bem recebido pelo público durante suas duas horas de set. Permeou bem durante seus maiores sucessos, desde Raining Again a U So Fine, sem esquecer do grande hit Wicked Game. Não deixou a timidez do horário contaminar o cub que não estava acostumado com o gênero. Soltou o que trouxe o produtor ao topo do Beatport no estilo com todo o Groove que enlouquece os amantes do House.

Devido aos outros dois eventos que também tiveram Aoki como headliner, o produtor só chegou na casa às 5h40 da manhã. O que em muitos lugares seria motivo de desistência, no Green Valley é motivo de persistência. Com o passar do tempo, o Sol ia aparecendo e o verde da mata ao redor da tenda ia aparecendo e tomando forma. Aí eu entendia todo o magicismo por trás do Vale Verde. Steve Aoki pesou a mão já de dia, depois de ter passado por São Paulo e Rio de Janeiro na mesma noite, sem fraquejar ou demonstrar cansaço, com fôlego de artista consagrado. O produtor, é claro, tocou (e cantou) Warp, Turbulence, Boneless, Beat Down, da Iggy Azalea, até as mais recentes A Light That Never Comes, do Linkin Park, Back to Earth, do Fall Out Boy e Free the Madness (Machine Gun Kelly). Algo que particularmente me impressionou bastante, e que distoou por completo da apresentação que vi no Lollapalooza do ano passado, é que agora Aoki mostrou as origens no Electrohouse que sempre teve, apesar dos inúmeros trabalhos comerciais recentes. Pesou no set sem dó, o que não tinha acontecido no evento de Perry em 2013, que foi permeado de um EDM bem morno. Não poderia deixar de lembrar que Aoki passou por todas as etapas que já conhecemos de seu “espetáculo”: os famosos bolos da Dim Mak, os famosos boats e os champagnes. Todo um aparato que comemora com maestria a importância do EDM para os milhares de presentes ali, até as 7 horas da manhã.

A noite é mais um indício que é possível sim agregar estilos e somar em um só evento. É possível também ousar e investir em EDM dentro do Brasil. Tem-se estrutura, tem público e tem quem consuma. O Green Valley comporta 12 mil pessoas em um sábado rotineiro. Traz consigo nomes consolidados todo mês para que o país tenha cada vez mais contato com uma das culturas que mais crescem em todo o mundo. E não só isso. É uma forma de apresentar, estimular e exportar artistas daqui. Assim como foi dito no início do texto, os sulistas têm um amor pela música Eletrônica consciente, palpável e até nacional. Conhecem e prestigiam os DJs e produtores brasileiros da cena, dão suporte e consomem suas produções, assim como já acontece com Marcelo CIC, Repow, FTampa, Alok, entre vários outros. Isso movimenta a economia musical, estimula a indústria brasileira e é uma forma de iniciar o trabalho de visibilidade aos nossos artistas. Afinal, o Brasil entrou no jogo pra ficar e a hora de estourar é agora.

Às vezes se dá muito valor aos grandes centros e se esquece que muita coisa acontece fora desses polos. O Sul do Brasil dá aula no tema EDM no resto do país, seja no quesito produtores ou consumidores, em quem fornece cultura ou em quem paga por essa cultura. Enquanto UMF veio em 2012, Lollapalooza faz eletrônico desde então, Sonár também, Tomorrowland entrará no circuito ano que vem, desde 2007 temos uma escola dando aula com os melhores professores. E o melhor, não só uma vez ao ano. Estar presente em uma noite dessas serve como um atestado de que é só o aquecimento. O Brasil hoje está sob os holofotes do mundo. O país entrou definitivamente na rota dos festivais mais importantes do planeta, os maiores produtores querem passar por aqui, investidores estão crescendo os olhos, projetos brasileiros estão começando a tomar espaço na cena, as oportunidades estão crescendo. Os outros quatro meses que nos separam do próximo ano servirão somente, na linguagem das gigs eletrônicas, como warm up de 2015. Ano que vem temos festivais confirmados que importam pessoas do mundo inteiro e trazem a visibilidade pra cá, além de outros enormes confirmados, porém que ainda não podem ser divulgados. Enquanto isso podemos simplesmente abrir um sorriso de gratidão. Temos conosco, em solo brasileiro, a oportunidade de fazer parte da construção da cena EDM dentro do nosso país em Santa Catarina e não é pouca coisa não: estamos falando da segunda melhor casa noturna do mundo, segundo a DJ Mag 2014. O reflexo da nova brasilidade a pouquíssimos quilômetros de nós.

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Publicitário que não sabe o que consome mais: música, jornalismo ou Burger King