Leonard Cohen, Cavaleiro Do Fim Do Mundo

Músico canadense segue sendo referência no cenário musical

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Eu não sei o que vou fazer no dia seguinte ao meu 80º aniversário mas Leonard Cohen já decidiu: lançará mais um álbum de canções inéditas. Sim, você leu corretamente, Cohen nasceu em 21 de setembro de 1934, em Montreal, no Canadá e ainda está na ativa, bem e criativo. Também parece disposto a sustentar sua posição no altíssimo panteão dos cantores, compositores, poetas e mestres mais influentes da música e literatura do século 20 e, por que não, destes primeiros catorze anos da nova centúria. Profético, apocalíptico, suicida, depressivo, cavalheiro, todos são adjetivos para este senhor, que cultiva desde cedo a impressão de ter muito mais idade do que sempre teve. Curiosamente, quando de fato tornou-se um homem velho, Cohen passou a exibir um frescor e uma marotice únicos, frutos de ter encontrado, por fim, uma audiência capaz de valorizar suas canções de forma justa.

Popular Problems é o nome do novo álbum do veterano trovador. Produzido por Patrick Stewart, que também toca teclados na banda de Cohen e assina as canções com ele, o álbum será assunto de resenha detalhada em breve. Por enquanto, a ideia aqui é te dar munição e ânimo para se aventurar no maravilhoso mundo que Leonard propõe em sua obra. Aliás, tal termo é uma licença poética, uma vez que a escrita dele sempre versou sobre a existência humana e suas agruras. Quase sempre falando sobre as espirais que sentimentos como amor e ódio podem criar em nós, Cohen habita sua narrativa sem qualquer cerimônia entre o lado claro e o escuro da alma, sendo capaz, quase sempre, de soar austero e cruel. Além disso, até determinado ponto em sua carreira, ele assumiu uma posição de porta-voz de um colapso social/sentimental em nossa sociedade, fato detectável em sua obra entre os álbuns Various Positions (1985) e The Future (1992). Até então, as narrativas de Cohen tinham o amor como figura central.

Um fato curioso e que traz a distinção necessária para este senhor: enquanto quase todos os futuros trovadores e estrelas do nascente Rock estavam ouvindo Blues, Country e pulando os muros das igrejas para celebrar a música negra dançante, Cohen estava publicando seus primeiros poemas em Montreal. Oriundo de família judia tradicional, ele viu o pai falecer por conta de ferimentos sofridos na Primeira Guerra Mundial e a mãe sofrer de depressão após sua comunidade na Rússia ser dizimada por conflitos variados. Nos anos 1950, o jovem já ensaiava seus primeiros versos e adentrou a faculdade de Direito, da qual logo saiu. Aprendeu a tocar violão nas reuniões estudantis e sindicais de esquerda, quando conheceu a necessidade de adotar posições políticas e pessoais diante do mundo. Em 1954 já tinha poemas publicados e conseguiu uma bolsa de estudos, a qual lhe permitiu conhecer cidades como Roma, Jerusalém e Atenas. Morou na Grécia no início dos anos 1960 e publicou seu livro The Favourite Game em 1963. Enquanto The Beatles conquistava a América, Leonard era aclamado como escritor promissor aos 29 anos. Em 1966 ele lançaria seu segundo romance, Beautiful Losers, até hoje seu maior êxito literário. Subitamente, Cohen decidiu parar de escrever poemas e romances para abraçar uma vida de cantor e compositor. Foi natural para ele, que cultivava a admiração por toda a geração de beatniks e seus intérpretes, principalmente Bob Dylan.

Seu primeiro disco, Songs Of Leonard Cohen foi lançado em 1967, totalmente inserido na estética dylanesca, apesar da poesia e estilo de cantar serem diametralmente opostas. Cohen sempre foi soturno, misterioso, noturno, enquanto Dylan viveu várias fases e transformações ao longo da carreira. Mesmo assim, contratado pela mesma gravadora do bardo de Duluth, Minessotta, Leonard deu início à sua própria trajetória musical. Lançou sete belos discos com regularidade até 1979, quando sofreu problemas emocionais sérios e submergiu no submundo da depressão. Ressurgiu seis anos depois, abraçando uma nova abordagem musical em Various Positions. Em pleno 1985, a música eletrônica já era uma realidade acessível e Cohen enxergou nela e em seu significado, a possibilidade de assumir a segunda fase de sua trajetória, quando resolver encarnar o pessimismo total e esclarecido daquele tempo de triunfo da dobradinha nefasta formada por Thatcher e Reagan. Não por acaso, dois dos seus maiores sucessos vêm desse disco, Dance Me To The End Of Love e a emblemática Hallelujah, que Jeff Buckley reinterpretou e apresentou a uma nova geração de pessoas, mais capazes de se afinar com a obra do velho poeta. Seu maior sucesso de público e crítica, no entanto, viria com o trabalho seguinte, I’m Your Man, lançado em 1988. Aqui as ambiências eletrônicas já estão mais assentadas e canções do calibre de First We Take Manhattan e Ain’t No Cure For Love já conseguem posicionar Cohen como um favorito entre a geração de cérebros por trás de bandas independentes americanas na época.

Quatro anos depois vem o sombrio The Future, cuja canção título assombra os créditos do sanguinolento filme de Oliver Stone, Assassinos Por Natureza, no qual Juliette Lewis e Woody Harrelson vivem um casal de serial killers numa matança on the road pela América caótica noventista. Quando tudo parecia abrir-se em possibilidades para Cohen, ele ingressa numa jornadade pessoal e sai de circulação por, pelo menos, cinco anos. Imerso na filosofia oriental, o trovador ressurgiria por volta da virada do milênio na persona de um renovado e esperançoso mestre budista. A volta ao disco não tardou a acontecer, com o aclamado e sensacional Ten New Songs, lançado em 2001. De lá pra cá, Leonard permaneceu em atividade (lançando o bom Dear Heather em 2004) e em clima de paz e amor, que foi abruptamente interrompido em 2005, quando descobriu que fora vítima de roubo por parte de seu contador e antigo empresário. Tal notícia fez com que redescobrisse novo ímpeto e se lançasse na estrada, como há muito não fazia. Ao todo, entre 2006 e 2010, Cohen tocou para mais de 700 mil pessoas e mais de 80 espetáculos em várias partes do mundo. Lançou dois aclamados álbuns ao vivo, Live In London (2009) e Songs From The Road (2010), além de encontrar novas experiências e razões para mais uma coleção de inéditas, sob a forma do sensacional New Ideas, de 2012.

O ano de 2014 é mais um desses mágicos agrupamentos de 365 dias, que contém as 24 horas escolhidas para a história lembrar como “dia do lançamento de um álbum de Leonard Cohen”. Tenho em mente que, no futuro, a humanidade, então meio carente de pessoas e personas de tal envergadura, lamente de forma irreversível os tempos sem eventos como este. Preparem-se, contemplem o homem e entendam o mito. E celebrem por viverem no mesmo tempo de gente assim, com tanta disposição, história e experiência para contar.

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ARTISTA: Leonard Cohen
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.