Weezer: 20 Anos Na Garagem

Banda completa duas décadas com humildade, talento e nerdice

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Não havia nada minimamente parecido com Weezer em 1994. Ainda lembro nitidamente de ver o clipe de Buddy Holly na MTV Brasil pela primeira vez e fazer uma conexão imediata com toda uma memorabilia afetiva de larga escala. Através do visual retrô do filminho, que emulava aquelas séries americanas do início dos anos 1970, a sonoridade era muito diferente das duas vertentes rockeiras em atividade na época, a saber Grunge e Britpop. Weezer vinha numa gloriosa terceira via, misturando desavergonhadamente o melhor de bandas como Van Halen e Kiss com a noção de Rock recentemente posta em vigência por Pixies e seus seguidores, principalmente Nirvana: o resultado era um Punk/Rock Powerpop de primeiríssima grandeza, misturado, bem projetado e irresistível. Não era apenas a parte musical presente neste pacote de informação que contava: pela imagem, pela letra da música e pelo burburinho que viria a partir dali, não restava dúvida. Weezer era uma banda de nerds, marcando, talvez, pela primeira vez na história da música popular, a vitória dos sujeitos mais sacaneados e sofredores de bullying no universo.

“Por que isso é importante? Não dá pra curtir apenas o som da banda e deixar de lado todo o resto?”, perguntaria o ouvinte descomprometido de música do século 21. Claro que não dá. Weezer é uma banda adorada até hoje, seguiu carreira ao longo de duas décadas e mantém-se relevante, ainda que tenha perdido muito deste quinhão novidadeiro que exibia há 20 anos. Na verdade, ouso dizer que o grande charme do grupo esteja nesta interseção projetada pela atitude dos sujeitos e a mistura sonora que vem dessa vida de classe média americana na Era Reagan, de gente que cresceu ouvindo música em casa, no rádio, absorvendo o conteúdo informativo presente no ato de apreciar aquela produção musical movida exclusivamente pela conquista de grana, mas que guardava – e muito – um rigor estético e uma engrenagem industrial que assegurava qualidade e eficácia ao produto final. Rivers Cuomo, o vocalista e guitarrista, nasceu em 13 de junho de 1970. Permito-me dizer que nasci menos de um mês depois dele, e entendo totalmente seu comportamento diante do mundo e como isso se reflete em forma de música. Quando surgiu, na Los Angeles de 1992, Weezer era uma banda tocando sua versão própria de Rock, já na fórmula que descrevemos acima. Em seu primeiro disco, homônimo (mas apelidado pelos fãs de Blue Album), lançado em 1994, puxado por três singles luminosos, a saber, Undone (The Sweater Song), Say It Ain’t So e Buddy Holly, há uma pérola escondida que serve como uma declaração de intenções do grupo. Chama-se In The Garage.

Nesta canção, Rivers Cuomo e o baixista Matt Sharp, delineiam seu habitat natural, encerrando nele toda a gênese da nerdice. A ideia reflete aquele tipo de sujeito que tem sua banda, amigos e tal, mas que não deixaria de estudar para uma prova ou cairia na estrada para uma jornada rumo ao desconhecido e/ou à bebedeira/chapação total. Está muito mais para gente que adentra a garagem, devidamente transformada num prolongamento do quarto e se depara com bonecos X-Men (a letra fala expeficamente de Kitty Pryde e Nightcrawler) e sua coleção de discos e posters da banda predileta, no caso, Kiss (com menções aos álbuns solo que os integrantes lançaram em 1978, cada um com a capa estampando as figuraças maquiadas. A letra cita o baterista Peter Criss e o guitarrista solo Ace Frehley). Estas duas credenciais e a própria relação do personagem da letra com as canções que compõe e canta na garagem, acompanhado da guitarra elétrica, sugere que toda essa coisa de exposição na mídia, clipes, shows, concertos e tal, é fruto de uma espécie de delírio solitário. O certo e mais aceitável seria que as tais canções permanecessem como elementos da própria “garagem”.

Claro que Weezer deixou a garagem nos 20 anos que se seguiram. Quase sempre lançou discos sensacionais. O segundo álbum, Pinkerton, iniciou uma “série paralela” na discografia da banda, em oposição à “linhagem oficial”, nada mais que uma abordagem da conspiração que gosto de pensar como real. Weezer intercala discos com capas coloridas e homônimos, lançados em 1994, 2001 e 2008, com colorações azul, verde e vermelha, respectivamente, com outros que ostentam capas “normais”, com fotos ou algum outro elemento que não seja apenas a foto da banda num fundo colorido qualquer. Pinkerton (1996), Maladroid (2003), Make Believe (2005), Raditude (2009) e Hurley (2010) estão nesta segunda categoria. Entre as duas categorias de disco não há nenhuma diferença aparente, todos têm, ao menos, duas ou três canções acima da média, quase sempre versando sobre algum sentimento não correspondido, memória afetiva ou doideira genérica.

Em 2008, por conta do lançamento do chamado Red Album, a banda cravou mais uma canção-DNA, provavelmente fruto da chegada de Rivers aos 37 anos de idade, com a tal crise da meia-idade batendo em sua porta sem dó. Heart Songs surge linda e brejeira, falando sobre o início de carreira, enumerando artistas que Cuomo ouviu em casa, no rádio ou numa casinha de sapê, que fizeram sua formação musical adquirir essa ambivalência de ter um pé no Rock e outro nas paradas de sucesso dos anos 1980. Nela está, assim como em In The Garage, o mapa do DNA da banda, devidamente explicitado. Detalhe: em Heart Songs há uma emocionante alusão à audição de Nevermind, segundo disco de Nirvana, que teria sido o catalisador da carreira de Cuomo e seus amigos. Ele até assume algo do vocal de Kurt Cobain quando menciona a importância do álbum.

Talvez essa humildade, aliada à timidez de Rivers, à sinceridade das canções e todo a assinatura Weezer de qualidade, componha essa mistura que se mantém equilibrada após tanto tempo. Nesses 20 anos, Cuomo interrompeu gravação de disco para cursar Literatura em Harvard, o baixista-fundador Matt Sharp largou e processou o grupo, tornou-se independente em 2010 após fim de contrato com a Universal, o baixista Mikey Welsh faleceu em 2012, certamente eventos que “tirariam” a nerdice de qualquer um. Mesmo assim, a formação atual da banda segue firme, com novo trabalho agendado para lançamento no início de outubro próximo, com o singelo título de Everything Will Alright In The End. É mais um daqueles álbuns sem a foto da banda sobre um fundo colorido e a expectativa de ver as tais duas ou três canções sensacionais (no mínimo) que virão aí. Falta pouco.

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ARTISTA: Weezer
MARCADORES: Redescobertas

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.