Underworld: 20 Anos Da Revolução “Dubnobasswithmyheadman”

Terceiro álbum do trio inglês é relançado em grande estilo

Loading

Os anos 1990 trouxeram as últimas revoluções estéticas para a música Pop, dentro de seu formato mais tradicional. Quando uso esta expressão, me refiro ao atrelamento da produção cultural à lógica das gravadoras e do mecanismo tradicional de divulgação, num tempo em que não havia a Internet. Por mais independente que fosse um artista, não havia como escapar da obrigação de lançar álbuns, singles, coletâneas e fazer shows continuamente, caso quisesse atingir um público maior. Neste cenário, havia o que entendemos por Mainstream, o paradão de sucessos Pop normal e as listas de artistas independentes, no sentido de não ter vínculo com uma gravadora multinacional. Havia distorções nisso, caso clássico de R.E.M., grupo americano com quase uma década vinculado à gravadora IRS, que assinou contrato com a Warner a partir de 1989. Mesmo com a estrutura e a grana do compromisso, e de lançar um álbum eminentemente Pop em 1991, Out Of Time, a banda de Athens, Georgia, seguiu capaz de inclusão no segmento dos independentes.

Havia duas vertentes musicais emergentes naquele início de década. O Rock independente anglo-americano condensava bandas em fase de gestação, num espectro que abrangia formações oriundas da interseção Dance/Acid Rock, como Stone Roses e Primal Scream, no caso inglês e grupos que burilavam uma fusão de Punk e Heavy Metal, no caso americano. Nesta onda, vinham grupos como Pixies, Nirvana e alguns que já militavam há mais tempo, caso de Sonic Youth(http://wordpress-214585-650819.cloudwaysapps.com//artistas/397/sonic-youth) e do já mencionado R.E.M. Estes dois caminhos forneceriam o material criativo da próxima década, uma vez que já estavam em atividade desde meados dos anos 1980. Corriam por fora o Hip Hop urbano e a cena estritamente dançante, principalmente na Inglaterra, apesar do surgimento da House Music em Chicago, Estados Unidos, ali por 1986/87. Se usássemos um alinhamento esquerda/direita para definir o posicionamento destes novos estilos musicais, levando em conta a inovação e a possibilidade de assimilação pelo senso comum, seria possível afirmar que o maior potencial vinha, justamente, da ala dançante, renovada pelo avanço da tecnologia e a possibilidade da democratização do ato de fazer música. Era mais fácil manusear teclados, samplers e a parafernália eletrônica a ponto da possibilidade de gravar um álbum inteiro sem sair de casa. Vejam, era 1988/89, era, de fato, o futuro que havia chegado.

Quem se engajaria nessa aventura de ser uma banda de homem só ou poucos integrantes sem face, já sabia que era preciso trafegar pelos subeterrâneos de clubes e boates das metrópoles. No caso de Londres, era possível perceber a quantidade enorme de futuros astros sem face que chegavam para apresentações em pequenos ou grandes espaços. Em meio a esta transumância musical, o trio Underworld parecia promissor. Formado por Karl Hyde e Rick Smith, além do recém-incorporado DJ Darren Emerson, Underworld tinha um dilema em suas mãos: fazer música dançante e nova. Era um desafio bem complexo, uma vez que a fusão do aspecto Dance com alguma outra forma, fosse, Rock, Soul, Funk, estava esgotada. Os novíssimos subestilos dançantes já davam conta disso e procuravam reinventá-los, eram o Jungle, o Trance, o Drum’n’Bass e o Big Beat. A Underworld não restou escolha, a não ser, dar papel principal aos blips e tóins e deixá-los seguir o caminho natural, pegando toques aqui e ali de paisagens sonoras urbanas, manifestadas nos efeitos de conversas, sirenes, buzinas, os tais sons da cidade, que entrariam no bolo como parte coadjuvante. Hyde e Smith vinham de um passado na música Pop, como integrantes de um duo chamado Freur, dono de notoriedade mínima na região de Cardiff, País de Gales. Ao fim dos anos 1980, ambos já tinham gravado dois álbuns sob o nome Underworld, sem qualquer sucesso. Ao fim de uma turnê pelos Estados Unidos, na qual abriram os shows do duo Eurythmics, veio a certeza que a fórmula estava esgotada.

Hyde atuou como guitarrista no Paisley Park Studios, de propriedade de Prince por algum tempo e regressou para a Inglaterra, onde Smith já havia contactado Emerson. Ao ver a performance do DJ, Hyde não hesitou e, a partir dali, a redefinição teve lugar. Eles registraram vários singles entre 1992 e 1993, usando, além do arsenal eletrônico, guitarras e vocais, numa busca incessante de obter uma sonoridade genuiamente nova. Logo no início de 1994, veio o lançamento de Dubnobasswithmyheadman, primeiro trabalho com Emerson, terceiro da carreira de Hyde e Smith. É um destes trabalhos inovadores e que marcam a mudança de fase no videogame das artes em geral. Desde a capa, produzida pelos próprios Hyde e Smith (em seu combo criativo/visual Tomato), Dubnobasswithmyheadman é o álbum que encapsulaessa busca pela nova sonoridade dançante por excelência, mas aquela que não pretende ficar restrita aos clubes e boates. É música sem cara e com a cara de todos ao mesmo tempo, capaz de ser admirada e entendida pelo fã de Rock ou de Pop, passível de interpretações variadas, mas dotada de um espírito irresistível de acessibilidade e modernidade.

Não é exagero dizer que este disco contribuiu para o surgimento de toda uma cena eletrônica inglesa, que influenciou toda a música da década. E havia muita gente na mesma busca, de Fatboy Slim a Goldie, passando por Massive Attack e veteranos dos anos 1980, como Björk. Artistas com carreiras construídas nos subeterrâneos da metrópole mundial, a partir do compartilhamento de informações variadas, num tempo pré-Internet. É quase um milagre. Dubnobasswithmyheadman foi logo para as listas de melhores do ano, fornecendo alguns sucessos para a parada de singles, caso de Dark & Long, MMM Skyscraper/I Love You, Dirty Epic, Cowgirl e Rez, esta última, lançada em single. Este terceiro álbum posicionou Underworld na vanguarda da música Eletrônica da época e tornou quase inevitável seu estouro mundial dois anos depois, com o novo álbum Second Toughest Of The Infants, antecipado pelo single Born Slippy, famoso por constrar da trilha sonora de Trainspotting, um dos filmes emblemáticos daquela década.

O grupo está lançando uma versão de 20º aniversário para Dubnobasswithmyheadman. Há a alternativa do CD remasterizado, contendo um disco bônus com versões alternativas e singles. Também há uma versão quíntupla, trazendo o álbum original remasterizado, o disco bônus, dois outros discos com todos os singles lançados em 1992 e 1993, além de uma apresentação ao vivo inédita, além de novo material visual para a arte da capa do álbum, criada pela Tomato. Pode parecer oportunismo comercial, mas a música Eletrônica dos anos 1990 foi um dos últimos bastiões de inventividade e um raro momento em que o sistema da indústria musical foi usado por artistas em ego, pretensões de fama ou algo no gênero, gente que só queria se expressar artísticamente. Sua influência se diluiu com o tempo mas suas realizações permanecem. Esta é uma oportunidade de ouro para conhecer o trabalho ainda moderno e aguçado de Underworld.

Loading

ARTISTA: Underworld
MARCADORES: Aniversário

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.