O Desabrochar de Erlend Øye

As principais fases do músico, contadas em três temperaturas

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Do extenso inverno norueguês, Erlend Øye trabalha suas primaveras, verões e outonos pessoais em cada um de seus projetos. Seja qual for a temperatura, o músico sempre escolhe o clima certo.

Kings of Convenience

O som delicado das cordas dedilhadas de um violão amanhece o dia e mescla sua discrição à nevoa atmosférica das paigens geladas da Noruega. O verde escuro rochoso, interposto pela massa acinzentada de água salgada dos fiordes, contrapõe o céu braco e muito claro, embora nublado, da região de clima ártico. A imensidão de sensações geográficas corresponde à essência de Kings Of Convenience: um amor macio, compartilhado por duas vozes em uníssono, flutua como a espuma branca de uma melancolia. O único peso que existe aqui é o temático, que reserva sua dor à nostalgia do passado, ao arrependimento e à mágoa, mas que sucede com louvor em sublimar a tristeza em beleza poética, irradiada em ondas sonoras discretas. Aqui, um violoncelo, um piano e uma bateria servem apenas como pano de fundo, um requinte que encobre camadas quase imperceptíveis das faixas. A sutileza impera: o quieto, o silêncio, a rua vazia e a dependência do amor são os reinos em que a dupla habita, e que dita o clima de seus três trabalhos: Quiet Is The New Loud, Riot On An Empty Street e Declaration of Dependence.

The Whitest Boy Alive

Vimos a quietude e a discrição protagonizarem a primeira fase significativa de Erlend Øye. A busca inesgotável pela tranquilidade e a presença perene de uma melancolia suave denotam um traço de personalidade claro: a introversão. The Whitest Boy Alive denuncia em seu nome – aquele garoto pálido e esquisito do colegial – e em suas capas, essa inclinação solipsista. A primeira, Rules, mostra uma fila desordenada, uma multidão que se espreme na tentativa de se encaixar nas normas e padrões sociais. Na segunda, portas abrem-se em subcompartimentos e revelam uma pessoa (tímida, provavelmente) que sai de seu casulo mais íntimo e escondido para se expor. Conflitos entre desistir de seus projetos e a vontade de continuar, enfrentar a sociedade e a necessidade de lidar com terceiros marcam a abertura de Erlend Øye à sua segunda fase. O que antes era uma tristeza vaga, suave e confortável agora transmuta-se em conflitos fora de sua camada exclusivamente pessoal. Sua sonoridade também sai do teor acústico e intimista do violão e explora uma guitarra, um teclado e o suíngue do contrabaixo somado à bateria num formato que favorece as apresentações ao vivo, os acontecimentos que se dão frente-a-frente com seu público.

Erlend Øye

A inspiração do calor tropical em tons rosados do fim do dia traz a aura litorânea de nova fase solo de Øye, concretizada em Legao. O sol se põe enfraquecido, tingindo o mundo seu redor, refletido nas ondulações parcimoniosas do mar esverdeado. O ato de amar, aqui, é como esperar a chuva, que vem nutrir as flores primaveris, e que evapora fugidia em rastros esfumaçadas saído da rochas do interior da Itália. Os ritmos e títulos fazem menção ao Reggae e à Bossa Nova, sem soar estereotipado. A apropriação vocabular de seu título, que transmuta sua escrita benfazeja da maneira como lhe apraz, sem se ater à normas cultas não poderiam traduzir melhor o espírito livre desta etapa. “Espírito”, aliás, resume bem esse período, iniciada ainda no single La Prima Estate (anterior ao álbum em si), na qual o bom humor e o otimismo parecem finalmente aquecer o coração de Øye.

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Autor:

é músico e escreve sobre arte