“Spiderland”: Um Disco À Frente De Seu Tempo

Primeiro e único disco de Slint ganhou reconhecimento muito tempo depois de cair no esquecimento

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Slint – Spiderland (1991)

Quatro adolescentes se juntam para fazer música e, quase como uma brincadeira, acabam por criar um disco genial. Infelizmente, não recebem qualquer tipo de atenção por parte da crítica ou mesmo por parte do público. Por fim, a banda chega ao fim. A história desse jovem quarteto de Louisville, Kentuchy, poderia ter acabado por aí, não fosse alguns cineastas e músicos influenciados pelo grupo que se interessaram em resgatar esse som e mostra-lo às novas gerações. Se você ainda não foi apresentado, senhoras e senhores, com vocês, Slint.

Mas, primeiro, vamos contextualizar o lançamento: o ano era 1991 e, como vocês bem devem saber, a década anterior foi dominada por um Rock cabeludo, Glam, espalhafatoso e cheio dos floreios, pelo menos no meio mainstream. Enquanto isso, um Rock mais simplista, bruto e com foco em sua mensagem começava a pipocar em todos os cantos do mundo, mas em especial na cena Hardcore (ou Post-Hardcore, se preferir) dos Estados Unidos, onde bandas como Minor Threat, Fugazi e Big Black criavam suas músicas incorporando a postura DIY (“faça você mesmo”) e se libertavam de vez das amarras mercadológicas.

Brian McMahan, David Pajo, Britt Walford e Todd Brashear não só cresceram ouvindo o que surgia nessa cena, mas participaram ativamente dela. Ainda muito cedo, com integrantes que mal passavam dos 15 anos, as bandas de Punk e Hardcore que viriam a formar Slint já faziam turnês com Ian Mackaye e companhia e já se relacionavam com Steve Albini, que produziria o primeiro EP do grupo, Tweez, lançado em 1989, e que remasterizou Spiderland em 2014. Tão precoce quanto o talento desses jovens músicos foi o fim da banda, que apenas um ano após o lançamento de sua obra-prima se desfez.

O mais interessante é que durante sua curta vida (1986 a 1992) pouco se falava do grupo, pouca gente conhecia essa obra que mais tarde (dali a quatro ou cinco anos) influenciaria discos de Mogwai e Godspeed You! Black Emperor, bandas, hoje, gigantescas dentro do Post-Rock. Mesmo grupos do Math Rock, que se estabeleceriam a partir dali, parecem de alguma forma compelidas a emprestar algumas das tendências sonoras desse álbum. Quantas dessas bandas realmente ouviram e se inspiraram de fato em Spiderland eu não sei, mas é visível que quase meia década antes dessas bandas eclodirem, o quarteto já experimentava nesse caminho.

E experimentar define muito bem o grupo fazia. Nada do que estava sendo feito naquela época chegava nem perto do que esse quarteto do Kentucky criara no porão da casa de seus pais. Mesmo dentro dos mais diversos sub-estilos do Rock (Indie Rock, Grunge, Hard Rock, só para citar alguns), nada se parecia com aquilo. Com uma instrumentação desacelerada (porém às vezes muito agressiva), vocais quase declamados contando pequenas histórias, intrincadas harmonias, dinâmicas nada convencionais das guitarras e um vertiginoso clima pacífico, a música de Slint tem uma atmosfera muito própria. De certo, não era (e ainda não é) para qualquer um – por mais que nos dias de hoje essa musicalidade seja aceita mais facilmente, visto que diversas bandas trouxeram ecos dela em seus próprios trabalhos. Se ainda ficou tão claro, ouça Breadcrumb Trail e vai entender do que eu estou falando.

Vale a pena lembrar que, em 1991, Nirvana, Soundgarden, My Bloody Valentine lançaram seus discos, em que o alternativo começava a margear o mainstream. Não diria que Spiderland foi ofuscado por esses lançamentos pois em nenhum momento parecia ser a pretenção da banda tocar em rádios ou construir uma legião de fãs, a banda parecia viver em função de si mesma e de seu circulo de amizades. O que os levou a criar músicas que em média tem sete minutos (nada radiofônicas) e uma capa que mostra apenas quatro cabeças saindo de um lago em uma foto em preto e branco. Nada, a não ser a própria música, chamaria a atenção do público.

É difícil, impossível, eu diria, falar em fracasso, visto o resultado de Spiderland ou do legado que o grupo deixou, mas é impossível também ignorar que aqueles adolescentes não prosseguiram a carreira com a banda e caíram no esquecimento por algum tempo. Uma grande perda, com certeza. É inimaginável o que esse quarteto poderia ter criado após adquirir maior maturidade como músicos (e mesmo como pessoas). Mas tenho certeza também que a banda não seria o mito que é hoje, caso não tivesse se separado precocemente.

Seja por essa separação precoce ou pelo sucesso tardio, a banda começou ganhar cada vez mais atenção com o passar do tempo, conquistando cada vez mais fãs que se deparavam com a unicidade e grandeza Spiderland. 15 anos após o fim do grupo, o quarteto se reuniu para algumas apresentações e desde então tem voltado a tocar esporadicamente em shows especiais ou apresentações em grandes festivais. Não se anime, a banda não voltou de fato, ela só se reúne de vez em quando para mostrar ao vivo o que fazia quando seus membros eram apenas adolescentes.

Esse fenômeno foi documentado em um filme, Breadcrumb Trail, que segue o rastro da banda desde 1991 até os dias de hoje e disseca a vida do grupo e de seus integrantes. Muito da motivação que levou o quarteto criar o que ouvimos nesse disco é explicado nesse documentário. Já adianto que grande parte dela foi o tédio e o cansaço em ouvir e seguir os “ensinamentos” do Rock. De certa forma, esse disco trata sim de uma rebeldia juvenil, que acabou por gerar um dos registros mais potentes e geniais do Rock – um dos poucos que mereceria cinco bananas em nossa avaliação. Se quiser saber mais sobre a banda, recomendo fortemente que procure esse longa. Sobre o presente , há um pouco nesta pequena entrevista concedida ao Pitchfork, durante sua apresentação no NOS Primavera Sound, festival que aconteceu em Portugal neste ano.

Como disco, Spiderland é realmente incrível. Independente de toda a influência que teve ou da história que gerou, a obra em si é muito à frente de seu tempo e muito única. Suas seis músicas (apenas seis, mas que somam quase 40 minutos) criam uma dinâmica calma/agressiva (que ficou bem popular no meio Post-Rock), algumas letras obscuras (cantadas em grande parte seguindo essa mesma dinâmica, ora murmurando as letras, ora as gritando), encontros interessantes entre os timbres e as melodias das guitarras e, sobretudo, uma atmosfera única, que cria toda uma prepraração para o encerramento apoteótico em Good Morning, Captain.

Sua imprevisibilidade é também um dos pontos que mais chama a atenção no álbum, assim como toda a emoção vista na voz de Brian McMahan e as variações entre o peso de seus gritos e a leveza de seu spoken word. São seis músicas que constroem um caminho a ser trilhado pelo ouvinte de forma a fazê-lo se surprender a todo momento, captando nuances, sonoridades, notas e cores diferentes a cada audição. Um registro que propicia a sua execução na íntegra e instiga o replay. Um disco completo, eu diria. Se ainda não o ouviu, recomendo que o faça. Dê o play e mergulhe em Spiderland.

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ARTISTA: Slint
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts