Balaclava Records: “Do It Yourself” Levado Adiante

Selo paulistano leva o mote do movimento Punk a outro patamar

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Creio que o modus operandi “Do It Yourself” (ou “faça você mesmo”) gerou resultados espetaculares dentro da música, antes mesmo do termo sequer ser cunhado. A liberdade que esse tipo de produção dá aos artistas que o abraçam é algo que levou a arte (e não só a música) a patamares elevados e diria que é graças a ela que tivemos tantas revoluções no meio musical desde que esta indústria se estabeleceu. Acredito também que ele permite a quebra de paradigmas de um modelo arcaico de produção, veiculação e distribuição de música imposto pelo mercado, possibilitando que os próprios criadores tomem conta de suas decisões artísticas e mercadológicas ao invés de deixar isso a cargo de meia dúzia de grandes corporações.

O mercado como um todo já entendeu bem como funciona esse modus operandi e entende seus benefícios, assim como suas limitações. Por mais que o artista esteja em controle de tudo – e a Internet facilitou muito a expansão disso, estabelecendo uma via de contato mais direta entre o artista e seu público -, este acaba arcando com todo o trabalho, uma fraqueza que veio a ser detectada, talvez a duras penas, por muitas bandas que se jogaram nesse tipo de produção. Isso vem sido sentido aos poucos ao redor do mundo, mas, acho que os artistas independentes também estão começando a entender que não se consegue fazer tudo sozinho. E é aí que entra a Balaclava Records. Diferente de outros tantos selos sobre os quais já escrevi, ele parece levar o conceito do “DIY” um passo adiante, criando o que podemos chamar de “DIT” (“Do It Togheter” – em uma tradução livre, “Façamos juntos”).

E esta me parece ser a ideia de Fernando Dotta e Rafael Farah desde os primórdios. Já em seu início, o duo demonstrou um interesse em criar um senso coletivo que pouco se vê em outras gravadoras e se na maior parte das independentes isso ainda não é uma realidade consumada, nas grandes corporações, acontecer isso me parece no mínimo utópico. A dupla não só vislumbrou um novo modo de operação, como investiu em sua implementação e deu um passo importante que pode servir de exemplo para outros tantos empreendimentos nacionais no futuro. Tudo começou como pretexto para lançar seu próprio trabalho, Unrest, disco de estreia da banda Single Parents, na qual Dotta assume a guitarra e os vocais enquanto Farah, as baquetas, mas que já servia como centelha para o que viria adiante.

“Quando Unrest estava próximo de sair, nós começamos a procurar alguns selos, porque tínhamos a ideia de que seria bom lançar por um que tivesse uma curadoria legal, fazer parte de algo maior que simplesmente colocar o disco na Internet”, nos contou Dotta. “Quando começamos a ouvir as propostas, vimos que essa era um trabalho que nós mesmos poderíamos fazer e que já vínhamos fazendo desde o lançamento do EP (Could You Explain?, de 2010), que rodou bem”, continua o músico. “Eu e o Rafael viemos de uma formação de Marketing e Administração de Empresas, então já havia a ideia de criar, seja uma produtora ou uma gravadora, alguma coisa em que conseguíssemos juntar amigos, só não sabíamos ainda que seria nesse formato”.

Unrest e a Balaclava são gêmeos, por assim dizer. Tem a mesma data de nascimento e surgiram em uma simbiose, um casamento de interesses, que vem ditando os rumos que a empresa tomou nesses dois anos de existência. Com um selo próprio e motivação de fomentar a cena que estava inserida, a dupla começou a olhar para os lados e buscar novas bandas que compactuassem com os interesses e seus ideais, muito mais do que simplesmente estar alinhando com a sonoridade de seu primeiro lançamento. Se desde antes da ideia de criar a empresa a preocupação em se envolver com projetos que desenvolvessem uma boa curadoria já era visível, com seu próprio projeto esse crivo e olhar minucioso seria maior ainda.

“No começo, só lançávamos bandas que eram muito próximas, por exemplo o Medialunas, Cabana Café e Shed”, diz Dotta. “Mas, desde o começo já tínhamos essa ideia de que não seriamos um selo de um som só, até por isso, quis lançar o Cabana Café logo de cara, para mostrar que a Balaclava não teria só de Noise ou Rock Alternativo, por exemplo. Logo depois, lançamos o projeto do Roberto, que tocava no Team.Radio, chamado RØKR, que pende bem mais pro Eletrônico. Então, tentamos pegar um apanhado geral desses amigos que estavam lançando coisas diferentes” explica o músico sobre a evolução do catálogo em seus primeiros meses de existência. O co-criador ainda nos contou que a amizade não era o único ponto para que um projeto fosse lançado, a qualidade dessas produções e mesmo um aval de ambos os sócios era necessário, assim como um esforço do próprio artista na divulgação e adequação aos com seus ideais.

Hoje, dois anos após o lançamento de Unrest, 16 nomes compõem o catálogo, entre eles, destaques de 2014, como Câmera, Holger, Séculos Apaixonados, Luziluzia The Soundscapes e Terno Rei. “A medida que o tempo foi passando, começamos a incorporar o casting. A gente sempre teve esse contato, pelos próprios shows do Single Parents ou por viajar para ver festival, aí acabamos por ter contato com bookers e com as próprias bandas”. “Foi uma das primeiras vezes que um selo me procurou interessado em lançar um disco, e não o contrário, o que me deixou bastante contente”, nos contou Pedro Bonifrate, nome por trás do projeto Bonifrate, que já lançou um disco e um EP pela Balaclava, em 2013 e 2014, respectivamente.

“Para mim qualquer coisa que possa me direcionar nesse caminho escuro e totalmente desconfortável que é a música, é excelente. Então nesse ponto de vista, ter uma empresa séria, como a Balaclava, me faz pelo menos crer que eu tenho ligações formais sérias com a minha música – pois a conexão espiritual já é algo que eu carrego há muito tempo. Toda essa consciência tem a ver com a prática sim, pois finalmente tudo que é feito passa por um crivo organizacional e isso pode ser bem simples, como uma bela conversa de Facebook, mas a ideia de que existe um terceiro não para julgar, mas para endireitar as coisas caso esteja errado, já é ótimo”, diz Gabriel Guerra, da banda Séculos Apaixonados.

Bruno Rodrigues (Terno Rei) diz que “A banda acaba ganhando força, porque são mais pessoas jogando a seu favor. E quando se trata de um selo isso melhora bastante, porque dá um gás para alguns projetos internos que estavam adormecidos, justamente pela falta dessa força”. “E também os inputs da própria Balaclava, como esse projeto independente que estão realizando em parceria com o SESC”, iniciativa que acontece durante o mês de novembro no SESC Vila Mariana, em São Paulo, e leva alguns de seus artistas aos palcos do projeto – inclusive o próprio Single Parents, com o show de encerramento da turnê de Unrest.

“A maioria dos discos que temos lançado são primeiros discos e achamos isso legal pra caramba, porque é um negócio que vemos acontecer bastante lá fora e que a banda fica atrelada a imagem do selo, o que acaba criando uma identidade maior para o público”, diz Dotta. “Agora, no caso do Holger, que é o terceiro disco deles e foi legal porque eles sentiram que a curadoria que vínhamos fazendo tinha sentido para esse momento deles, então topamos lançar junto, mesmo não sendo o primeiro disco”. Resultado disso é o ótimo Holger, lançado neste mês pelo quarteto paulistano e que agradou bastante a redação do Monkeybuzz.

“Inicialmente, nem é o nosso foco se envolver em todo o processo de produção e gravação. Queremos dar total liberdade criativa para as bandas”, modelo que a Captured Tracks também adota e que serve em parte como inspiração para a Balaclava. “A gente tem muito essa visão do que o pessoal faz lá fora e tem dado certo e mesmo do que rola aqui dentro, com outros selos”.

Sobre os nomes gringos que compõem o casting, Dotta diz que “Até para projeção internacional, decidimos investir e licenciar o som dessas bandas que lá fora tinham já uma projeção, mas que aqui ainda eram pequenas. Até mesmo para o público daqui saber que nossa curadoria não está só aqui no país, mas também no que tá rolando lá fora”. “E até mesmo nosso próximo passo, quando viramos também uma produtora de shows, dependia disso. Quando apostamos nisso, em trazer nosso primeiro show, com Mac DeMarco, muita gente do meio ainda não o conhecia, não sabia que ele tinha uma base de fãs aqui e que esgotaria duas noites de SESC, além de Porto Alegre e Rio. Foi sim uma aposta, mas também uma realização pessoal”, afirma Dotta, que trouxe ainda nomes como Sebadoh e, neste mês, traz uma apresentação do quarteto Real Estate, no Rio de Janeiro e São Paulo.

Esse é um mercado que está em plena expansão (vista a quantidade de shows internacionais por aqui nos últimos anos), mas que ainda dá seus primeiros passos rumo à profissionalização, panorama esse que a Balaclava pode ajudar a construir com sua postura contemporânea e que analisa o mercado de maneira diferente.

“Estamos começando agora a entrar no físico, apostando em vinil também” diz Dotta, que vê nesses formatos meios de disseminar ainda mais o material das bandas da Balaclava. E esse parece ser o futuro do selo, dar continuidade nesse trabalho que já vem sendo feito e expandi-lo em alguns pontos, como o lançamento físico dos discos e mais shows. Fora isso, o músico diz que tem novidade para o próximo ano, mas que ainda não pode nos contar. Só nos resta agora esperar para saber o que essa atitude “DIT” pode trazer ao grupo nos próximos anos.

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Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts