A Nova Indústria Musical: Grátis ou Paga?

Como o século 21 mudou a sobrevivência de artistas e nosso consumo de música

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Nas últimas semanas, uma polêmica envolvendo a cantora Taylor Swift fez revitalizar uma questão cada vez mais pertinente em 2014: a música deve ser gratuita ou não? Quando a jovem cantora resolveu retirar o seu catálogo do serviço de streaming Spotify por discordar de sua política de fornecer o mesmo conteúdo para seus assinantes premium e normais, muitas pessoas iniciaram um debate que havia sido retomado junto ao igualmente polêmico lançamento do novo disco da banda U2, Songs of Innocence. Tudo isso nos leva a debater a situação da Indústria Musical nesta década.

Há um mês, entrávamos na discussão de que, pela primeira vez em quase 40 anos, 2014 seria o primeiro ano na história a não ter um disco de platina ou seja, que não teríamos um álbum alcançando um milhão de cópias vendidas. Mas isso mostra uma decadência da indústria como um todo? Com certeza não, e por alguns motivos. A mudança de acessibilidade a músicas e as novas formas de divulgação são motivos para comemoração, não decepção, pois nunca tivemos a chance de conhecer tantos artistas do passado e do presente como hoje em dia. Rdio, Spotify, Deezer, Pandora, iTunes e Google Play estão ao alcance de um simples toque, ao mesmo tempo em que oferecerem um catálogo robusto e cada vez mais crescente.

Os pagamentos questionáveis de tais serviços, mais notoriamente do Spotify (por ser o maior de todos em número de usuários), chama atenção: a cada 1 play no serviço, o artista recebe o equivalente a U$ 0,007 o que em uma simples conta mostra que, para cada um 1 milhão de ouvidas, o artista recebe cerca de U$7.000. Muito pouco? Certamente, mas, em um ambiente em que a música é cada vez mais gratuita e em uma indústria que nunca se mostrou aberta à divulgação de como os seus lucros eram divididos, temos com certeza uma distribuição mais direta aos artistas – dos seus fãs, para quem criou a música. O serviço – que de 2008 até 2013 havia distribuído cerca de 1 bilhão de dólares – conseguiu neste ano distribuir a mesma quantidade de royalties aos artistas, crescimento chocante e um fato que se associa ao crescimento de sua base de usuários: 25% no total, incluindo pagos (o serviço possui cerca de 50 milhões de assinantes, entre eles 12,5 milhões são premium).

O fato é que uma pessoa de qualquer lugar do mundo que queira descobrir artistas do Brasil agora tem muito mais chance de fazê-lo, aumentando aos poucos e de forma pulverizada o número de fãs de uma banda e consequentemente elevando as suas chances de poder realizar uma turnê, o que nos leva ao segundo ponto da discussão: discos não são mais a principal forma de se ganhar dinheiro com música. O formato da década de 1960, em que tínhamos grupos como The Beatles (que se davam ao luxo de quase só gravar discos e realizar poucos concertos), se mostra irreal em 2014 da mesma forma em que era na mesma época. Você não via dentro do Rock, por exemplo, nomes como Led Zeppelin, The Doors ou The Rolling Stones deixando de tocar por aí porque viviam somente de seus discos vendidos, o que hoje em dia é literalmente impossível de se realizar. Das bandas independentes ao grandes nomes, a forma de se sobreviver na música é tocar, crescer e mostrar seu som por aí. Ganhar um dinheiro suado e pequeno para almejar em algum momento aumentar os seus crescimentos enquanto se trabalha em lugares flexíveis, como restaurantes, bares e estúdios para que se possa literalmente pagar o seu aluguel. Logo, para estes pequenos sonhadores e os que já tem um certo reconhecimento, ter a sua música disponível na Internet é uma forma de aumentar sua visibilidade.

Enquanto até o advento da Internet e a popularização do consumo de música – downloads e quebras de copyrights com o Napster – os artistas eram descobertos de forma direta (rádios, programas de TV, clipes ou festas), agora eles são apresentados através de sites e blogs que, na verdade, servem como um filtro para o que pode ser relevante ou não. Na verdade, existe a liberdade para que cada fã de música possa conhecer coisas sozinhos ao simplesmente “flanar” na Web. Ao mesmo tempo, dada a diminuição dos custos de produção de música, mixar e masterizar um disco hoje pode ser feito do seu computador pessoal com softwares como Logic, Pro Tools ou Ableton. Logo, bandas, artistas e produtores podem surgir em qualquer canto do planeta e podem disponibilizar as suas músicas no Soundcloud ou em alguma nuvem de música “gratuita” qualquer. Brigar com este novo status da indústria é não vislumbrar as possibilidades e o futuro que nos aguarda.

A indústria musical não está morrendo, mas simplesmente está mais pulverizada e com menos intermediários para fazer um artista explodir. A cultura independente que permeia esta década no Brasil – principalmente pelo aumento do número de pessoas com acesso a Internet e aos meios de produção musical – só faz crescer a quantidade de shows, eventos e festivais que abraçam estes artistas. Ao mesmo tempo, velhos dinossauros e acostumados a uma velha metodologia de trabalho e que acreditam que a rede mundial de computadores é prejudicial tendem a sumir do mapa, pois todos devem se adaptar a esta nova realidade. O sonho, no entanto, do CEO do Spotify, Daniel Ek, de que “os músicos pudessem voltar a ficar cinco anos sem se preocupar com os seus aluguéis”, parece um pouco utópico, pois tal cenário não existe sem realizar shows e sem estar presente na cena de alguma maneira.

No entanto, voltamos à discussão inicial sobre Taylor Swift e a retirada de seu catálogo, consequentemente tirando a possibilidade de seu recente disco, 1989, ser escutado no dia de seu lançamento. O que isso ocasionou? A venda de 1 milhão de discos em uma semana e um novo recorde para um artista, o de te ter lançado três discos seguidos que se tornassem platina em uma semana. Nos faz questionar por que talvez a indústria enfrente cada vez mais dificuldade na venda de discos – ao simplesmente se tornar disponível no seu celular no dia do lançamento, cada vez mais pessoas irão comprar menos discos, mas, ao mesmo tempo, continuarão a escutá-lo, irão aos seus shows, comprarão vinis (mesmo que só pra decoração) e darão royalties ao artista.

Pensar que a venda física de discos é uma única forma de se ganhar dinheiro é esquecer o papel, por exemplo, de um iTunes dentro da música. Enquanto não tivermos um disco platinado até Novembro, tivermos cerca de 20 singles que alcançaram a façanha – é a indústria retornando ao seu ciclo inicial, em que tinha na venda de compactos o ganha pão dos músicos entre 1940 e o início da década de 1960, momento em que shows e concertos eram igualmente importantes (algo que nunca mudou). A grande diferença consiste na liberdade que o fã de música tem atualmente – ele não quer simplesmente ter um CD apenas ao seu alcance, quer uma biblioteca imensa, pois está acostumado com o que a Internet pode lhe oferecer. Ele não quer que U2 lhe dê um disco de graça, mas quer conhecer a banda melhor, como prova os números de venda dos outros trabalhos dos irlandeses – sua discografia entrou quase que completa no top 200 do iTunes. Ele quer baixar de graça e ter a chance de pagar por isso se quiser, como o último disco de Thom Yorke demonstra, com cerca de 4.4 milhões de downloads em 2 meses.

Enquanto vivemos um momento de grande mudança na indústria como um todo, já podemos observar um ecossistema tão democrático e indepedente como o do século 21. Nele, apesar das dificuldades, o artista e o público ganham muito com a liberdade que tem para seguirem as suas escolhas. Se poucos ainda vivem de discos e como “lordes” na indústria, grande parte dela está batalhando e encontrando formas de viver de seus sonhos, e o público consumidor entende isso, ao prestigiar a banda de alguma forma – shows, discos, financiamentos coletivos ou venda de camisetas – e, como os ouvintes estão livres, tem a chance de incentivar os artistas que realmente gostam e apreciam. Logo, música paga ou não, os fãs querem apenas poder escolher.

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MARCADORES: Discussão

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.