Radiografando A Arte de Paul McCartney

Tributo “The Art of McCartney” é sua melhor homenagem até hoje

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Ninguém discute a importância da obra de Sir Paul McCartney para a música do século 20. Daqui a algumas centenas de anos, caso não façamos explodir nossa bolota azul e branca, nossos descendentes olharão para The Beatles como uma figura histórica tão ou mais importante que os compositores eruditos. Por incrível que pareça, Paul McCartney ainda não havia recebido uma homenagem tão interessante quanto o projeto The Art Of McCartney, bolado pelo produtor musical Ralph Sall, que trabalhou com Macca no início dos anos 2000, quando escolheu uma canção antiga do homem (mais precisamente A Love For You, sobra das gravações do belo álbum Ram, de 1971) para figurar na trilha sonora do filme Até Que Os Parentes Nos Separem, conhecido lá fora como The In-Laws. Essa comédia qualquer nota serviu para que Sall confidenciasse a Paul sobre a vontade de juntar uma constelação de artistas para gravar versões de canções da lavra do ex-Beatle. Como credencial, Sall apresentava um outro tributo: Common Tread – The Songs Of The Eagles, lançado em 1993 e que fizera o grupo americano retomar a carreira após mais de uma década de inatividade.

Paul concordou mas logo viu que demoraria tempo. De fato, onze anos após o ponta-pé inicial, The Art Of McCartney chega às lojas do mundo. Sall usou a banda atual de Macca, composta pelos sensacionais Abe Laboriel Jr. (bateria), Brian Ray (baixo, guitarra, vocais), Paul “Wix” Wickens (teclados) e Rusty Anderson (guitarra), com a intenção de prover aos artistas um grupo de músicos que fosse capaz de revisitar o catálogo de composições de Macca desde os Beatles até hoje em dia, passando pelos trabalhos com Wings e solo. Dito e feito. Com o passar do tempo, artistas de todas procedências vieram participar, dando origem a um painel de 34 canções (na versão usual, com mais oito na versão de luxo) capaz de representar satisfatoriamente a obra de Paul McCartney.

Maybe I’m Amazed (1970)
(Billy Joel) – É um clássico da aurora do Paul solo, com fome de bola por liberdade criativa e a fim de ver os três ex-Beatles pelas costas. A interpretação original é quase perfeita, sendo que The Faces fez uma cover arrebatadora da canção por volta de 1972, restando a esta leitura de Billy Joel, um cara legal e cheio de conexões com a ourivesaria Pop de Macca num terceiro lugar. BBBaa

Things We Said Today (1964)
(Bob Dylan) – Imagine a honra de ter uma canção sua receber uma interpretação de alguém como Dylan, talvez a única figura viva com potencial mitológico para rivalizar com The Beatles. Ele escolheu uma das mais interessantes composições da primeira fase do grupo, na verdade, a primeira que mostra a influência do próprio Dylan na obra do quarteto. Um pedaço imaculado de A Hard Day’s Night. Ficou bonita e interessante com o registro roufenho do velho bardo de Minessotta. BBBba

Band On The Run (1973)
(Heart) – Clássica faixa-título do álbum de 1973, de Wings, a maravilhosa banda setentista de Paul. É dessas versões que só seria interessante se alguém tivesse coragem de mudá-la totalmente, do contrário, o original ainda é o melhor disponível. As irmãs Wilson se esforçam, mas nada acrescentam. BBBaa

Junior’s Farm (1974)
(Steve Miller) – Canção lançada em single, na mesma época em que Macca pensava no sucessor de Band On The Run, que seria o sensacional Venus And Mars, lançado em 1975. A versão de Steve Miller (famoso em algum lugar do início dos anos 1980 com o hit Abracadabra) é apenas correta. BBBaa

The Long And Winding Road (1969)
(Yusuf/Cat Stevens) – Um dos clássicos da obra de McCartney surge devidamente honrado pela interpretação intensa de Yusuf/Cat Stevens. O que é beleza e crescendo ganha um novo parâmetro com seus vocais imaculados e instrumental ideal. Belezura. BBBBa

My Love (1971) (Harry Connick, Jr) – Balada clássica que Paul escreveu para sua primeira esposa Linda e que até hoje é dedicada a ela nos shows. Harry Connick talvez não tenha estofo como artista para estar num tributo como este, mas é um pianista talentoso e confere certa malandragem americana para a canção. BBBba

Wanderlust (1982) (Brian Wilson) – Como fã de longa data de McCartney, o grande Brian Wilson escolhe uma canção personalíssima, de um dos mais interessantes e subestimados álbuns de Paul, Tug Of War, de 1982. Como era de se esperar, Brian se apropria da canção mas mantém-se respeitoso com arranjos e concepção original. Se ele tivesse beachboyanizado a canção, talvez levasse a medalha de ouro neste tributo. BBBBa

Bluebird (1973)
(Corinne Bailey Rae) – Esta pertence à categoria “tesouros dourados” da obra de Macca. Faixa brejeira e cheia de climas “Mares do Sul” incrustada em Band On The Run, Bluebird caiu bem na interpretação ora exagerada, ora bacana da sumida Corinne. Mandou bem. BBBaa

Yesterday (1965)
(Willie Nelson) – O que dizer desta canção? Que é um dos maiores clássicos da canção Pop desde sempre? Que é um pequeno milagre harmônico? Que era dureza para um velho bandoleiro musical como o interminável Willie Nelson acrescentar algo à sua interpretação, justo num terreno em que já pisaram Frank Sinatra e Ray Charles, só para ficar em dois artistas que coverizaram Yesterday ao longo de suas carreiras? Pois bem, Nelson não fez feio, trouxe um pouco de pó da estrada para o romance e isso é sempre bem vindo. BBBba

Junk (1970) (Jeff Lynne) – Outro fã confesso de Paul, Jeff Lynne (o gênio criativo por trás da gloriosa Electric Light Orchestra) relê uma delicada e maravilhosa balada do primeiro álbum solo de Macca, McCartney, lançado em 1970. Ainda que o arranjo abra mão da delicadeza original, Lynne faz de Junk uma canção da ELO e isso é ter coragem e admiração pelo homenageado. BBBBa

When I’m Sixty Four (1967)
(Barry Gibb) – A auto-ironia com a velhice e a maturidade inclusa em Sgt. Peppers recebe uma releitura respeitosa pelo único sobrevivente dos [Bee Gees]. O resultado fica no meio do caminho entre o arranjo original e algo meio sem identidade. BBBaa

Every Night (1970)
(Jamie Cullum) – Cullum é um cantor/pianista subestimado e merecia melhor sorte no cenário da música Pop atual. Ele escolhe uma das mais belas canções do início da carreira solo de Macca, presente no primeiro disco solo, e não faz feio. BBBba

Venus And Mars/ Rock Show (1975)
(Kiss) – Ter uma banda como Kiss fazendo versão de uma canção sua deve ser algo absolutamente sensacional. Paul Stanley e Gene Simmons foram certeiros na escolha, pegando em cheio a apoteose Glam de Wings, na faixa título de Venus And Mars e conectando com as influências recebidas por eles mesmos quando começavam sua carreira, precisamente na mesma época. BBBBa

Let Me Roll It (1973)
(Paul Rodgers) – Vocalista laureado, ex-líder de grupos como Free e Bad Company, parceiro de Jimmy Page e Queen, Paul Rodgers é o que podemos chamar de “sujeito cascudo”. Escolheu um Blues raro na obra de Macca (pequena eminência parda no badalado Band On The Run) e mandou uma das melhor covers de todo o tributo. E tudo na maior discrição. BBBBb

Helter Skelter (1968)
(Roger Daltrey) – Mais uma figura mitológica vem demonstrar humildade no tributo. O vocalista de The Who e bad boy máximo do Rock empresta toda a sua sabedoria das ruas e rodagem em lambretas mod para este clássico beatlemaníaco tardio, uma das mais poderosas canções que McCartney já escreveu, com lugar de destaque garantido no White Album. BBBba

Helen Wheels (1973)
(Def Leppard) – Mais uma canção de Band On The Run a receber uma releitura, dessa vez por parte dos veteranos “hair rockers” ingleses dos anos 1980. Apesar da competência nos arranjos e da aparente garra da banda na interpretação, a versão é apenas correta. BBBaa

Hello Goodbye (1967)
(The Cure com James McCartney) – Ora vejam só, The Cure com participação especial do filho do homem relendo uma das cançonetas psicodélicas dos Beatles. Mesmo com status suficiente para ser a primeira versão anunciada quando o projeto já estava próximo do lançamento, a interpretação de Bob Smith fica devendo em meio à banalidade do arranjo. BBBaa

Live And Let Die (1973)
(Billy Joel) – E volta Billy Joel para mais uma releitura de clássico da carreira de Paul McCartney, dessa vez, o tema para o filme homônimo de James Bond. Novamente temos um excesso na interpretação de Billy, que é um talentoso compositor mas que parece totalmente over neste tributo. A força da canção e o arranjo “seguro” o salvam. BBBaa

Let It Be (1969)
(Chrissie Hynde) – Ela escolheu a música certa para interpretar. Sua voz rouca e sua persona forte caem como uma luva nesta que talvez seja a mais Gospel criação de Macca, feita em homenagem à sua mãe e que deu título ao último álbum lançado pelos Beatles. BBBBa

Jet (1973)
(Robin Zander & Rick Nielsen) – Mais fãs da obra de Macca, a saber, coração e mente do saudoso grupo americano Cheap Trick, que ultrapassou a linha que dividia o gramado entre a doçura das melodias beatles e o pesinho do Rock de guitarra nos anos 1970. Jet, canção razoável da lavra de Band On The Run, recebe tratamento entusiasmado. BBBba

Hi Hi Hi (1972)
(Joe Elliott )- O vocalista de Def Leppard reaparece – agora solo – para dar mais uma bicada na obra de Paul, desta vez no obscuro e simpático compacto lançado por Wings em 1972. Novamente, apesar do entusiasmo, Elliott não acrescenta muito à canção, que é sensacional. BBBaa

Letting Go (1975)
(Heart) – As Irmãs Wilson retornam para outra interpretação de canção roqueira de Paul, no caso, faixa do maravilhoso Venus And Mars. A falta de ousadia no arranjo e vocais frustra qualquer expectativa de mudança na versão, acrescentado pouco. BBBaa

Hey Jude (1968)
(Steve Miller) – Rapaz, que responsabilidade para o veterano Steve Miller esta releitura de uma das mais emblemáticas criações de Macca, no caso, o compacto Hey Jude, lançado em 1968. Se eu fosse ele, também me mantinha numa “zona de segurança” e não arriscaria nada. Foi o que ele fez e não comprometeu o resultado. BBBba

Listen To What The Man Said (1975)
(Owl City) – A banda de um homem só, no caso, Adam Young, é um dos mais jovens participantes do tributo, escolhe essa graciosa canção de 1975, mas não arrisca absolutamente nada no arranjo. Não faz feio porque a música é um pedaço de perfeição. BBBaa

**Got To Get You Into My Life*** (1966)
(Perry Farrell) – Veja, o criador do Lollapalooza, ex-vocalista de Jane’s Addiction e doidão de plantão aparece por aqui com uma canção que a mitologia Beatle diz ser sobre maconha. E o que Perry faz? Nada. Fica na zona de segurança, fazendo um arranjo humilde demais para essa belezura. BBBaa

Drive My Car (1965)
(Dion])- O venerável Dion DiMucci, veterano roqueiro da Nova York dos carrões rabo de peixe, influência na própria formação de TheBeatles, surge para emprestar seu carisma oriundi a um dos mais simpáticos e enguitarrados clássicos do quarteto de Liverpool. Não faz feio. BBBaa

Lady Madonna (1967)
(Allen Toussaint) – Um dos mais importantes e influentes pianistas de Nova Orleans aparece humilde e discreto em meio a tantas estrelas de magnitudes diferentes. Sua Bossa no piano e energia dão uma boa turbinada em Lady Madonna. BBBba

Let ‘Em In (1976) (Dr. John) – Um pequeno clássico do subestimado Wings At The Speed Of Sound surge devidamente repaginado pela abordagem pianística e voduzeira de Mac Rebeneck, o Dr. John. Malandragem e maluquice são acrescentadas à marcial baladinha original. BBBBa

So Bad (1983)
(Smokey Robinson) – Se The Beatles fez cover de You’ve Really Got A Hold On Me em seu primeiro álbum, lançado em 1962, Smokey Robinson retribui a homenagem de forma brilhante. Ele sempre foi uma das maiores influência do grupo e nas carreiras solo dos integrantes. A releitura de So Bad, outra sublime pérola perdida na discografia de Paul, em outro subestimadíssimo álbum, Pipes Of Peace, de 1983, é brilhante. BBBBb

No More Lonely Nights (1984)
(The Airborne Toxic Event) – A banda angelena andava sumida há algum tempo e reaparece numa versão bastante ousada para uma das canções mais conhecidas de Paul, presente no controverso álbum Give My Regards To Broad Street. O que antes era elegância no arranjo, foi preenchido por uma interessante abordagem acústica. Paul deve ter gostado. BBBBa

Eleanor Rigby (1966)
(Alice Cooper) – Um dos sujeitos mais legais do mundo da música comparece com uma interessante cover para um clássico da obra dos Beatles. Tia Alice já deu declarações sobre a importância do quarteto de Liverpool na sua formação musical e deve ter realizado um discreto sonho de jovem. BBBba

Come and Get It (1969)
(Toots Hibbert com Sly & Robbie) – A mais famosa cozinha da Jamaica, junto a um de seus grandes representantes, diz “presente” ao tributo, com uma original e ousada releitura da canção Pop que Macca nunca registrou oficialmente, mas que fez a delícia na interpretação do essencial grupo Badfinger. Surpreendente sua inclusão no tributo e bela abordagem dançante e leve da canção. BBBba

On The Way (1980)
(B.B. King) – Outra aparição surpreendente e emocionante é a deste jovem de 89 anos e sua guitarra, Lucille. O original, que é uma canção coadjuvante no simpático álbum McCartney II, de 1980, surge devidamente submetida ao efeito bluesificador do velho Riley B. King. BBBba

Birthday (1969)
(Sammy Hagar) – O ex-Montrose e ex-Van Halen empresa sua voz Hard Rocker a esta canção festeira de The Beatles, presente no White Album, com resultado simpático. BBBba

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.