Atrás Do Muro Com Pink Floyd

Há 35 Anos, banda lançava obra-prima “The Wall”

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Vocês não sabem, mas quando a gente começava a ouvir música, lá no distante século 20, alguns discos já nos chegavam clássicos. Nós nem sabíamos o motivo, eram clássicos, digamos, indiscutíveis. Machine Head, de Deep Purple era clássico. Praticamente toda a discografia de Led Zeppelin, com ênfase em IV e em Houses Of The Holy, clássica. O primeiro de The Doors, indiscutível, Selling England By The Pound e Lamb Lies Down On Broadway, ambos de Genesis, obras-primas. Entre estes e tantos outros, dois álbuns do quarteto inglês Pink Floyd gozavam deste status: Dark Side Of The Moon e The Wall. Este escriba tinha meros nove anos de idade quando Roger Waters, o baixista e temperamental líder do grupo, viu realizado seu tratado sobre a opressão do ensino, do pós-guerra, das perdas e da frustração que tudo isso pode causar a um ser humano razoavelmente normal. Eram outros tempos, o Rock se arvorava a falar de assuntos sérios e pessoais em escala planetária, num movimento de ultraexposição íntima. Era estranho, mas inegavelmente…clássico. O sucesso e a importância foram tamanhos que o roteiro do álbum foi transformado em filme pelo diretor Alan Parker em 1982.

The Wall quase levou a banda ao encerramento de suas atividades. De fato, podemos dizer que o custo emocional em sua realização, execução e divulgação levaram Floyd quase à ruína, uma vez que o grupo acabaria como quarteto após o lançamento do álbum seguinte, o sofrível Final Cut, uma espécie de apêndice emocional barra pesada de The Wall, em 1983. Waters deixaria o grupo com a ideia de levar consigo o nome e a marca. Não conseguiu e deu continuidade a uma carreira solo que já se insinuara anos antes. O trio de músicos restantes, David Gilmour (guitarra e voz), Ricky Wright e Nick Mason, voltaria ao disco em 1987, lançando o mediano A Momentary Lapse Of Reason e levantando a dúvida que permanece até hoje em termos de Pink Floyd: a “verdadeira” banda é que tinha o mítico guitarrista Syd Barrett? Ou o quarteto que foi adiante, anos 1970 adentro, usando a liberdade criativa que o formato Rock Progressivo proporcionava? Ou, por fim, o trio remanescente, que encerraria as atividades em 1994, lançando The Division Bell?

O que podemos afirmar é que o Rock gozava de prestígio e poder nos anos 1970. Esta foi a década em que houve mais possibilidades criativas e dinheiro (proporcionalmente falando) para tornar realidade todos os conceitos e ideias das mentes roqueiras ao redor do planeta. Roger Waters era uma dessas pessoas pensantes. Com três álbuns conceituais e bem sucedidos nas costas (Dark Side Of The Moon, Wish You Were Here e Animals) e liderando Pink Floyd, o baixista e vocalista achou que era um bom negócio embarcar numa turnê monstruosa em 1977, a In The Flesh Tour, na qual a banda se apresentava em estádios, com parafernálias visuais impressionantes para a época. Por um lado, tocar em ambientes enormes proporcionou dimensões nunca sonhadas à música do grupo, além de turbinar sua base de fãs e cravando em seus corações a noção de que a música produzida pelo quarteto era “para pensar”, além de mera trilha sonora para viagens de ácido. Por outro lado, como Floyd pisava em terreno desconhecido, tocar em estádios era estressante para músicos habilidosos e perfeccionistas. Há relatos de perda de noção por parte de Waters, que, irritado pela aparente alienação dos fãs em relação ao que a banda executava no palco, desatou a cuspir nas primeiras fileiras num show na Inglaterra.

Esgotados, irritados e ansiosos por um descanso, os quatro integrantes chegaram ao fim de 1977 querendo ver qualquer coisa, menos uns aos outros. Férias coletivas foram dadas, discos solo e projetos paralelos vieram para a ordem do dia, nada de Pink Floyd. Mesmo assim, Waters não descansava e começou a formular as ideias que dariam contorno definitivo a The Wall, cujo nome surgiu da vontade de Waters ter um muro que isolasse a banda da plateia, tamanha sua irritação com a atitude das pessoas nos shows da turnê. Ele criou uma história na qual o elemento que faltava – a alienação da juventude – veio por conta das experiências vivenciadas na estrada. The Wall seria então, um épico sobre abandono, isolamento e alienação, tudo centrado na figura de um certo Pink, personagem autobiográfico de Waters, que tem o pai morto durante a Segunda Guerra Mundial. Não bastasse isso, Pink ainda é reprimido por sua mãe, seus colegas e professores da escola e, por fim, sua própria esposa, num casamento que mais parece uma prisão. No meio do caminho há drogas, violência e infidelidade.

Este roteiro barra pesadíssima foi aprovado por todos os integrantes da banda, além do produtor Bob Ezrin, que reassumia seu posto após uma tentativa frustrada de Ricky Wright acumular as funções de tecladista e produtor. O stress com Wright foi tanto que Waters simplesmente o demitiria mais tarde, vindo ele a participar da turnê de divulgação do álbum como músico contratado. Não fosse bastante, problemas fiscais chegavam para infernizar a vida dos quatro integrantes de Pink Floyd, que se viram obrigados a mudar da Inglaterra para outros países europeus, algo que não deve ter sido tão ruim, uma vez que Gilmour e Wright já tinham casas na Grécia, indo Waters morar na Suíça e Nick na França. Mesmo no exterior, os músicos finalizaram as gravações do disco em estúdios franceses, Nova York e Los Angeles, com o máximo de tecnologia disponível em 1979. Em meio a tudo isso, mesmo com horários diferentes no estúdio, justo para evitar qualquer tipo de discussão, vários atritos entre Waters e os outros envolvidos no disco tiveram lugar.

Mesmo com todos os episódios negativos, The Wall, décimo primeiro álbum da carreira da banda, foi um sucesso. Ao longo do tempo, recebeu 23 certificados de Disco de Platina, tornou-se o terceiro disco mais vendido de todos os tempos nos Estados Unidos, atingindo o primeiro lugar da parada da revista Billboard em 1980, desbancando todos os artistas oriundos da Disco Music, algo que não era nada fácil para uma banda de Rock naqueles tempos estranhos. A turnê que divulgou o álbum esteve apenas em quatro cidades: Londres, Nova York, Dortmund e Los Angeles. Além dos filmes, marionetes enormes, projeções e demais parafernálias, ao longo do show era construído um muro gigante entre o palco e a plateia, que seria destruído mais para o fim do show. Toda logística envolvida nas apresentações, inclusive guindastes para erguer as estruturas, custaram tanto dinheiro que é possível dizer que o grupo perdeu capital nesta época, apesar do sucesso do disco nas paradas e de sua grande vendagem. Nada, no entanto, que o tempo e a década de 1980 não permitissem recuperar mais tarde.

Dois anos depois, em 1982, o diretor inglês Alan Parker foi exibido em circuito mundial. A produção trazia o cantor [Bob Geldof] (ex-Boomtown Rats, que, três anos depois, criaria o Live Aid) no papel de Pink, numa reedição do conceito do álbum, no qual o personagem, após todas as adversidades possíveis, torna-se um vazio astro do Rock, completando seu caráter totalmente autobiográfico em relação a Roger Waters. A produção trazia pouquíssimos diálogos, limitando-se a fornecer molduras visuais para as canções do álbum, sendo que, nem sempre há um grande acerto ao longo do filme, exceto no trecho em que Parker mostra a punição desferida pelo professor maligno a um Pink pré-adolescente, servindo como introdução para o grande hit do disco, Another Brick In The Wall pt.2, que tocou em todas as emissoras de rádio do planeta na primeira metade da década de 1980. Além dela, foram sucesso Comfortably Numb, Run Like Hell, Mother e Is There Anybody Out There?, configurando o álbum como um grande, estrondoso e duradouro sucesso na carreira da banda.

Trinta e cinco anos depois do lançamento, em pleno 2014, parece que o Rock não comporta tantos questionamentos. Teria sido The Wall o último (até agora) grande momento de enxergar o estilo como um veículo capaz de suportar e conduzir tantas questões a um público tão grande? A história está em movimento, é preciso atenção, olhos e ouvidos abertos, evitando assim qualquer muro que nos impeça de perceber o que vem por aí. Se você for se aventurar na carreira de Pink Floyd, The Wall é parada obrigatória.

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ARTISTA: Pink Floyd
MARCADORES: Aniversário

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.