Video Games: Trilhas Sonoras Para A Vida

Você pode não ter percebido, mas os jogos contribuíram para formação de seu gosto musical

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O que é chamado de Cultura Pop nos últimos 30/40 anos vem absorvendo diversas novas referências, elementos que nem mesmo existiam quando o termo foi cunhado. É bem verdade que a expressão na época assumia uma conotação bem diferente, recebendo o papel de diferenciar o que era a “cultura oficial” (vinda de uma elite pensadora) da “cultura popular” (que emanava das massas, algo ordinário, vulgar). O efeito pós-traumático vindo com o fim da Segunda Guerra Mundial trouxe novo sentido a isso, ainda mais em uma época em que a globalização começava a se tornar realidade, e gradativamente o termo foi ganhando o sentido do que era popular na mídia mainstream baseada na cultura ocidental. Não é à toa que a “música Pop” como a conhecemos hoje em dia nasceu na década de 50, pouco mais de 5 anos após o ponto final no embate entre o Eixo e os Aliados.

Trazendo essa discussão aos dias de hoje, vemos o quão importante e abrangente ela se tornou. A cultura Pop impacta nossas vidas das mais variadas formas e não consumi-la é algo quase impossível em nossa sociedade. Filmes, livros, música, pintura, jogos e as mais variadas formas de arte podem fazer parte disso, portanto, somos bombardeados por suas referências o tempo todo, seja assistindo TV, ligando nossos computadores ou mesmo indo ao supermercado.

Os Video Games se tornaram um dos pilares dela, um dos instrumentos mais poderosos de integrar as mais diversas formas de mídias e artes. E é deles que vamos falar hoje. Não só da apropriação do Cinema e da Música pelos jogos, mas, principalmente, do seu papel de formador de gostos musicais, de instrumento de disseminação dos mais diversos estilos aos públicos mais variados.

O mais interessante é que essa é uma mão de via dupla. Se cinema e música cada vez mais influenciam os video games (e se você acompanha mesmo que de longe os últimos lançamentos de games, já deu pra notar que cada vez mais eles assumem estruturas cinematográficas, seja em suas narrativas ou mesmo no visual), o contrário também é verdade. Não estou só falando de filmes inspirados em games ou mesmo estilos musicais oriundos dos chips usados em antigos jogos, como o 8-bit, por exemplo, estou me referindo a pessoas, sejam músicos ou cineastas, que formaram grande parte de suas referências artísticas, sua bagagem cultural e, principalmente, seus gostos musicais a partir dos jogos de video games. Mas isso não se resumo só aos artistas, e creio que, assim como aconteceu comigo, grande parte do seu contato musical na infância veio a partir dos games, mesmo que você nem tenha notado.

Caso você tenha menos de 20 anos, há grande chances que tenha crescido jogando games com que usavam músicas de artistas famosos em suas trilhas, como aconteceu, por exemplo, em Tony Hawk’s Pro Skater, Guitar Hero, FIFA, GTA, Just Dance, Need For Speed e até mesmo The Sims com suas versões, digamos, peculiares. Tenho certeza que essas músicas cunharam seu gosto musical de alguma forma, seja fazendo você buscar mais de algum de uma banda ou te fazendo se cansar daquilo e nunca mais querer ouvir (e creio que se você pegou uma fase difícil em algum Guitar Hero sabe do que eu estou falando). Mas, não é exatamente disso que quero tratar aqui – até porque já tratamos destas trilhas anteriormente. Meu intuito é mostrar que não só músicas do mainstream são capazes de formar seus gostos musicais.

Se você está nos seus 20 poucos, provavelmente ainda pegou ainda a geração de games (seja a de 8 ou 16 bits) em que a trilha sonora sobrepujava os efeitos sonoros, em que grande parte do clima do jogo era criado pelas músicas tocadas e não somente pela interação entre personagem e cenário. Por mais limitado que fossem esses sons, eles eram os responsáveis por ambientar o jogador dentro daquele universo cheio de pixels e, é claro, entretê-lo, afinal, ele passaria horas a fio jogando aquilo. Basta pensar em jogos como Super Mario World (se você tinha o SNES) ou Sonic the Hedgehog (do Mega Drive) e vai notar isso. Talvez, o que venha a sua cabeça logo de cara sejam suas músicas e não necessariamente a imagem desses personagens.

Outra coisa interessante é notar que você provavelmente sabe a mudança entre a dificuldade ou pelo menos a ambientação dessas fases somente com a música de cada uma delas. Voltando ao exemplo dos jogos do Mario, os desenvolvedores do game foram capazes de criar variações em torno de um tema principal que diferenciava os padrões de cada estágio, sejam fases aquáticas, casas fantasmas, castelos, o mundo subterrâneo e por aí vai (inclusive, um grupo de estudantes de Cinema em Pernambuco fez um trabalho bem legal sobre o jogo e sua trilha. Você pode assisti-lo aqui). Essas trilhas ajudavam a criar toda a ambientação do jogo (além, é claro, de seus efeitos sonoros) e permitia que o jogador se sentisse mais imerso, se sentisse de fato dentro daquele mundo.

Agora, voltando ao tema central do artigo, creio que seu gosto musical não foi para os lados do Ragtime (uma fusão entre Jazz e Bluegrass) só por ter ouvido o tema de Super Mario World quando criança, não é? Mas, então, como os jogos influenciaram toda uma geração de músicos (e ouvintes)? Bom, primeiramente, a trilha de Mario foi inspirada em um estilo surgido no começo do século 20 e que já há algum tempo não dava as caras como uma tendência da Cultura Pop, então, deve ser por isso que nomes como Scott Joplin e John Philip Sousa não estão entre os seus artistas mais escutados. Além disso, somasse a ambientação lúdica e fantasiosa do game, que “impossibilitava” uma trilha mais séria. Ainda assim, o jogo foi responsável por revolucionar as trilhas sonoras dos games que viriam em seguida, além de se tornar uma marca registradas nas obras da Nintendo.

Ao pegarmos outros exemplos, como Street Fighter 2 (1991) ou Streets of Rage 2 (1992), essas interferências nos gostos musicais de seus jogadores podem ficar mais evidentes. As trilhas destes jogos refletem diretamente o que era o panorama da música naquela época, a virada entre as décadas de 80 e 90. Então, muito do Techno, House, Dance, Hip Hop e Jazz estavam presentes nessas músicas e, o mais interessante, tudo isso estava sendo apresentado para crianças que não tinham a menor ideia do que significavam esses nomes de estilos ou mesmo os artistas que criavam dentro desses gêneros fora dos video games. Ainda assim, indiretamente, elas absorviam toda aquela informação, o que refletiria em uma futura predileção por esses estilos. É claro que diversos outros fatores contribuiriam para a formação do gosto musical daquele indivíduo, mas essas exposição a música tão cedo e de uma forma tão empolgante certamente seria importante em sua formação.

Essas trilhas absorviam os mais diversos estilos e note, se você jogava alguns desses jogos, que muito cedo foi apresentado a gêneros que, provavelmente, você gosta hoje em dia. Repare na trilha de Space Harrier para notar a influência do Hip Hop, Sonic nas fases da Spring Yard Zone e sua massiva influência do Funk ou ainda uma das faixas de OutRun em que pode se encontrar a presença do Free Jazz. Sim, Free Jazz em uma música de video game!

O mais interessante é que esses compositores das músicas dos games influenciavam seus jogadores a ouvir as músicas que os influenciaram a compor aquelas trilhas. De certa forma, isso formava um ciclo, que, por fim, estimulava o jogador a ouvir música também fora do video game. E não me espantaria saber de algum fã de Final Fantasy que começou a mergulhar na música erudita depois de ouvir a trilha do game sendo recriada pela por alguma orquestra ou alguém que começou desenvolveu uma predileção pelo Dream Pop depois de ouvir Large Green Meadow enquanto jogava Master of Monsters. Possivelmente tenha surgido de forma inconsciente, mas ouvir aquele estilo que lembra a música de um game desperta naquele ouvinte uma nostalgia da época em que jogava, lhe trazendo as boas memórias que viveu não só ao video game, mas da sua vida naquela época.

Poderíamos gastar mais algum tempo relacionando os avanços dos games e o maior aproveitamento deles como difusor musical, mas esse assunto fica para outro dia. E se você quiser entender um pouco mais sobre essa linha temporal dos video games, de sua criação até os dias de hoje, recomendo que assista o documentário Video Games: The Movie. Outro documentário muito interessante é o que relaciona os jogos japoneses influenciaram a Cultura Pop. Nomeada como Diggin’ In The Carts, esta série de vídeos produzida pela Red Bull explora o tema do ponto de vista dos compositores destas trilhas e dos músicos (nomes como Flying Lotus, Thundercat, Anamanaguchie Ladyhawke) que foram influenciados por esses jogos.

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MARCADORES: Discussão

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Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts