Lauryn Hill: Sobre Eu, Você e Ela

Segundo lançamento solo da cantora foge de todo o esperado e surpreende em forma e conteúdo

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Lauryn Hill – Unplugged 2.0 (2002)

Segundo Lauryn Hill, todo seu Unplugged 2.0 é sobre “problema, causa e solução”. Não é apenas apontar um dos três itens, mas trazer a continuidade de um até o outro no processo que leva à solução. Se antes ela falava de conflitos sociais e interpessoais, a crítica agora vem em um plano espiritual sobre si mesma. Ela fala de sua própria experiência para compartilhar com todos nós o que ela aprendia na época.

É bem provável que quem não prestar lá tanta atenção no que a cantora diz comentará que o disco é religioso. Aqueles que escutarem seus versos e dizeres, no entanto, saberão que trata-se de um trabalho sobre . “Liberte sua mente. Nós pensamos que o Evangelho significa entrar pra uma igreja, e isso é um engano. O Evangelho verdadeiro é arrependimento, é ‘larga toda essa bosta que tá te matando’. A vida foi feita pra ser uma experiência prazerosa, não esse tormento” – ou seja o oposto de um conjunto de regras a serem seguidas, como uma leitura ordinária do termo “religião” traria.

Ambas as aspas que menciono nos parágrafos anteriores foram tirados de Interlude 5, a faixa 14 do álbum duplo, um dos tantos discursos de Lauryn ao longo da obra. Sim, Unplugged 2.0 é um trabalho no qual aquilo que é dito é tão importante quanto aquilo que é cantado, e nove das 22 faixas são conversas da artista com o público. Ela fala com calma e bom humor, com uma sensibilidade muito perceptível. Ela fala com e sobre tudo aquilo que mais faz dela humana.

Essa não é a única curiosidade sobre a obra. Como um Acústico produzido pela MTV, este foge totalmente do comum ao trazer praticamente apenas músicas inéditas, com exeção de uma cover de So Much Things to Say, de seu finado sogro (Bob Marley) e o hino tradicional The Conquering Lion. Dentre as novas, está Mystery of Iniquity, música que rendeu (mais) uma indicação da cantora ao Grammy (por Melhor Performance de Rap Solo) e que foi sampleada por Kanye West em All Falls Down.

Outro aspecto curioso do disco é que ele deixou de lado grande parte do que Lauryn construiu sonoramente em The Miseducation of Lauryn Hill, seu álbum de estreia, apenas quatro anos antes e trazê-la apenas acompanhada de seu violão – “a Hip Hop Folk singer”, como ela brinca. Uma de suas melhores características, contudo, foi mantida: A capacidade de alternar entre o melódico e o Rap e fazer as duas coisas como poucos conseguem.

Preciso deixar claro o conteúdo das letras, de uma profundidade ímpar em discos no geral, muito mais em lançamentos que chegam ao segundo lugar da Billboard (não é preconceito, qualquer amostragem mostraria essa raridade). São versos como “Failing to connect ‘cause I’m morally defect by reason of the god inside my head, causing me to see only what pertains to me, believing I’m alive when I’m still dead” (Oh Jerusalem) e “The only help I need to live is unprofessional, the only wealth I have to give is not material, and if you need much more than that – I’m not available” (Mr. Intentional).

E isso tudo constituiu cerca de 10% dos motivos para você redescobrir Unplugged 2.0. Sendo este meu último Fora de Época do ano, e aproveitando o cunho “em primeira pessoa” da seção, conto que passei pelo processo de voltar a ouvi-lo no ano passado, após muitos anos sem dar muita bola pra ele (afinal, eu era muito novinho pra entender tudo isso quando ele saiu). Hoje em dia, preciso parar e escutá-lo ao menos uma vez por mês para ter esses ensinamentos sobre liberdade e aceitação sempre em mente – verdadeiras dádivas de sabedoria, como “se Deus fez cada um de um jeito, por que você está tentando se enquadrar?”. Isso sim é muito amor.

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ARTISTA: Lauryn Hill
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.