Giancarlo Rufatto – Mais “Low Profile” Que “Lo-Fi”

Cantor e compositor paranaense inspira-se em suas raízes “da roça”

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É bem provável que você nunca tenha ouvido falar de Giancarlo Rufatto. O sujeito é um cantor e compositor (ou, como está na moda, na troca do português pelo espanhol, um “Cantautor”) paranaense que está em atividade há cerca de dez anos. O caminho que ele escolheu para expressar suas canções foi o das sonoridades Lo-Fi, ou seja, gravações quase sempre caseiras, descomplicadas, “descuidadas”, nas quais a “música verdadeira” surge, devidamente desprovida de qualquer adereço conferido por produção, efeitos ou algo que não seja o instrumento e a própria gravação. Tudo é bonito na teoria, mas sabemos que, sob o rótulo de Lo-Fi, muito de horroroso já foi feito, numa proporção desigual em relação que já surgiu de bom. Felizmente, Rufatto está neste setor e, pra sermos francos, sua música se impõe facilmente e, sem que percebamos, não há qualquer traço que indique que o sujeito usou efeitos de aplicativos no iPad, microfone, violão e guitarra para gravar as canções. E, creia, não há mais nada além. Como ele mesmo diz: “Minhas inspirações sempre foram acidentais. Calhou de um dia precisar vender a guitarra pra pagar o aluguel e só ficar com um violão, daí vieram os discos ‘mais Folk’. Nunca quis ser Lo-Fi ou Folk ou Indie, era o que havia disponível e no menor custo possível pra se fazer”.

Giancarlo está lançando seu quarto álbum, Cancioneiro. Como em seus outros discos, vários EPs, singles e participações em projetos coletivos (que fazem do rapaz um discreto workaholic da produção musical independente) Rufatto surge com uma evidente predileção por questões pequenas ou que passam despercebidas no cotidiano urbano de hoje. Seja de sua Coronel Vivida natal (interior do Paraná), seja na São Bernardo do Campo atual, onde mora com a esposa e a filha do casal, Cecília. Foi para ela, hoje com pouco mais de um ano, que ele fez um tumblr chamado 50 Discos Para Cecília, no qual recomendava álbuns para a menina mesmo antes dela nascer, com sugestões que iam de Os Mutantes a Elton John, passando por Guns’n’Roses. Não é preciso dizer que as produções, gravações e lançamentos de Rufatto são totalmente independentes. Como ele faz questão de frisar, isso é uma necessidade que vai muito além de uma escolha estética ou ideológica em 2014: “todo mundo é independente, mas dependente de alguma coisa pra seguir em frente. Você não está na Som Livre, ok? Mas está no Soundcloud, está no Deezer, no Spotify, você tem de estar em algum lugar, ter uma produtora, estar sempre dependente de alguém pra continuar existindo. A carreira de um artista Indie tem de compreender seu nicho e seu espírito de época. Veja, por exemplo, a quantidade de artista dos anos 2000 que sumiram do mapa apenas porque deixaram de atualizar seus perfis na internet”.

Mesmo com a aura da baixa fidelidade pairando, há um conjunto fixo de influências na obra de Giancarlo, que escapam dessa estética: podemos citar Bruce Springsteen, Wilco, Bob Dylan, Ryan Adams, Engenheiros do Havaí e Belchior, além de música sertaneja de raiz, a qual ele abraçou recentemente, como uma forma de assumir suas raízes “da roça”, deixando de lado um conjunto ineficiente de maneirismos supostamente descolados para pertencer a uma coletividade, no caso, a uma cena musical curitibana. “Acho que as pessoas só passaram a prestar atenção na minha música no momento que eu enfiei o cara do interior no meio das minhas músicas e escancarei as influencias consideradas bregas. Eu encaro essas influencias como desafios do tipo “como seria se eu fizesse uma música de fulano?” e nessa brincadeira acho que desenvolvi um jeito meu de estragar músicas alheias”.

Quem segue essa rotina duríssima de fazer música de forma autônoma e sem grandes apoios, sabe que tal ação dificilmente será capaz de gerar algum dinheiro. Mesmo assim, algo continua movendo esse pessoal para seus instrumentos e não os deixa abandonar a música. Rufatto pensou em dar um tempo por conta do nascimento de Cecília, mas conta que, pouco depois da menina nascer, se viu envolto por uma onda de nostalgia, talvez motivada pelo bem querer pela filha, pela saudade de si mesmo ou por qualquer outro motivo, que foi responsável direta pela criação de Cancioneiro. “No momento em que minha filha nasceu me vi preenchido por uma esperança que me livrou do peso de “dar certo” como artista, bastava ser um bom pai, um homem bom. Inconscientemente foi com este espírito que eu amarrei Cancioneiro – ao mesmo tempo que o considero meu disco mais Pop, cheio de refrãos. Outra coisa que o nascimento da minha filha ensinou foi lidar com o prazo longo, isso e gravar nos intervalos em que o bebê dorme. Levei meses pra gravar coisas que normalmente fazia em poucas horas e isso influenciou diretamente na qualidade sonora e nos arranjos mais decentes”.

Se Rufatto admite que seu novo álbum é seu trabalho mais acessível, talvez não nos seja possível discordar. Mas é interessante ver como há coragem de assumir Gospel para título da canção que fecha o álbum. Se ele aceita sua condição de pequeno cronista do pequeno cotidiano, não poderia esquecer a religião, tão importante para tanta gente. Só que, acostumado com sutilezas, ele subverte o sentido atual da palavra e a enquadra em seu formato original, no qual se vale nos versos: “Não se engane com o tempo transformando meninos em homens de respeito, feito um Jesus eternamente preso num lindo uniforme de escoteiro. No fim, só é preciso ser bom”. “Há várias passagens religiosas no disco, mas quase todas soam como blasfêmias, eu queria que fosse sobre o medo da sombra de Deus. Tinha essa idéia desde que comecei gravar minhas músicas e em todos os discos há uma ou outra música sobre a crença do homem comum, mas nunca conseguia o timing, tipo “a verdade libertará”, tinha medo que soasse messiânico ou que entendessem como música Gospel”.

Desapegado e interessado na divulgação de seus trabalhos, Giancarlo Rufatto tem praticamente tudo que produziu disponível para download gratuito em seu blog/. Coisa fina.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.