Jellyfish: Caleidoscópio Musical Fora de Época

Grupo de São Francisco revisitava Powerpop e Psicodelia no início dos anos 1990

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Quando você olha para o início dos anos 1990, o que vem à sua mente em termos de música? Grunge? Britpop? Música Eletrônica? Lambada? Certamente não há muita lembrança palpável de algum artista produzindo música no cenário internacional que fuja dessas alternativas. Havia uma formação escocesa iniciante já em vias de conquistar seu lugar no coração dos ouvintes do mundo: Teenage Fanclub. Apesar de genial, a banda não abraçava o Powerpop com tanto afeto e desfaçatez quanto um pessoal de São Francisco, que já estava em atividade alguns anos antes dos habitantes de Glasgow: Jellyfish. E por que seria genial uma banda como essa em 1990? Primeiro, por estar totalmente na contramão da moda, tocando um estilo do Rock que sempre foi visto como ingênuo e desprovido de relevância. Segundo, por fazer isso bem, com conhecimento e noção, recheado de boas influências. Terceiro, pela aura de mistério que um grupo como esse poderia suscitar em meio a tantos outros brandindo guitarras pesadas ou bandeiras do Reino Unido. Jellyfish era a diferença, a voz dissonante, a ovelha que fugiu do rebanho.

Lembro-me de ligar na MTV Brasil em alguma tarde da primeira metade daquela década e dar de cara com um clipe de Jellyfish. O que era aquela gente? Que cenário colorido e psicodélico era aquele? Parecia uma sucessão de cenas deletadas da primeira versão de A Fantástica Fábrica de Chocolate, de alguma sala misteriosa nas instalações Wonka. O som parecia Queen, Supertramp, Badfinger, mas também lembrava os ingleses de XTC e guardava alguma semelhança guitarrística e fluida com a sonoridade que se praticava na época. Foi o suficiente para despertar minha curiosidade e partira na caça dos álbuns que aquela banda pudesse ter. Infelizmente, a primeira constatação sobre aquele pessoal colorido era triste. Jellyfish encerrava uma carreira curtíssima, materializada em dois registros em disco, Bellybutton (1990) e Spilt Milk (1993). Ambos passaram em branco no Brasil e nos Estados Unidos, onde ficaram restritos ao underground e ao conhecimento de pouquíssimos ouvintes. Péssimo timing.

A dupla central de Jellyfish se conheceu no fim dos anos 1980. O tecladista Roger Manning Jr. e o cantor/baterista Andy Sturmer faziam parte de outros projetos na Bay Area, em São Francisco. Por meio de um anúncio em jornal publicado pelo guitarrista e vocalista Jason Falkner, eles se conheceram formaram o trio. A ideia era ampliar o que já faziam em suas bandas, enaltecer a sonoridade do início dos anos 1970, mas deixar o revisionismo de lado, fazendo algo parecido com o que os ingleses de XTC estavam fazendo. O resultado das primeiras gravações mostrou um leque de influências maior do que o esperado. Kiss, Cheap Trick, Queen, todos grupos que também influenciaram gente como Weezer, estavam presentes, digamos, na massa elementar de Jellyfish. Os ingredientes mais nobres e coloridos, Beach Boys, The Beatles e Badfinger, vinham por cima, dando beleza e padrão às criações que a banda empreendia. Não tardou para que o trio mais o irmão de Roger, Chris (no baixo) saísse em turnê pelos buracos alternativos daquela América que parecia esperar ser conquistada por novos e interessantes bandas de Rock.

Alguns atritos comprometeram a sequência de shows. Falkner deixou o grupo descontente em ser apenas o guitarrista, logo ele, que imaginara todo o grupo e estabelecera alguns parâmetros em termos de influência. Chris Manning também deixou o barco, principalmente por não conseguir lidar com a vida na estrada. Mesmo assim, algumas canções se destacaram, sendo que Baby’s Coming Back ensaiou uma pequena ascenção nas paradas da Billboard, mas nada que fosse muito encorajador. Mesmo assim, com a ajuda de músicos de estúdio (entre eles o produtor Jon Brion, aqui como guitarrista), a dupla restante partiu para a gravação do sensacional segundo álbum, Spilt Milk, lançado em 1993. Enquanto Nirvana, Pearl Jam, Blur, Smashing Pumpkins, entre outras formações badaladas, brigavam pelos corações e mentes dos ouvintes, Jellyfish decidia afundar-se ainda mais no baú das influências psicodélicas e beachboyanas mais amalucadas. Na capa vinha a foto de uma menina ruiva e fantasiada de bailarina, com fisionomia tristonha, próxima a um cravo e um teclado.

As canções oscilavam entre híbridos sensacionais e criações novas sobre influências imaculadas, totalizando 12 faixas. A abertura com Hush já dava conta da intenção do grupo, uma canção de ninar nos moldes de Smile, disco então perdido e mítico de Beach Boys, fase 1967. Climas e crescendos vêm e vão em meio a vocalizações praianas e flutuantes, que eram novíssimas, inéditas e ousadas em 1993. Logo em seguida, em Joining A Fanclub, por dois segundos, surge uma introdução típica daquela época, imediatamente encampada pela psicodelia de parque da cidade no verão. Há guitarras aqui e ali, mas elas são domadas e colocadas a favor da construção do todo.

A canção seguinte, Sebrina, Paste and Plato é uma suposta homenagem à menina da capa do disco e consegue encapsular todas as influências possíveis de Jellyfish em pouco menos de três minutos. Está tudo ali, devidamente ordenado, cheio de brejeirice de estúdio, com várias camadas sobrepostas e mudanças de andamentos, acenos a tudo que era feliz e leve musicalmente, algo que soava como suicídio naquele tempo. Até uma oscilação para ritmo de valsa com participação de banda marcial surge no fim da faixa, que acaba com risos de criança. Como lidar com isso? New Mistake, a canção seguinte, é uma cruza impossível e improvável entre Red Hot Chili Peppers e Supertramp, com direito a pianos Fender Rhodes marcando o ritmo e tornando tudo mais deliciosamente anacrônico. O percurso segue esta montanha russa de emoções até a última faixa, Brighter Day, com banjos, teclados e clima de marcha blues pontuada por metais beatle.

Toda essa criatividade e esplendor não conferiram vida longa à banda como já vimos mais acima. Manning Jr e Sturmer construíram suas trajetórias solo em rumos distintos e algumas interseções ao longo do caminho mas, podemos cravar, jamais criaram algo tão legal. Ao fim deste mês de janeiro, ambos os discos do grupo serão relançados com quantidades absurdas de faixas bônus, incluindo sobras de estúdio, gravações ao vivo, covers e tudo mais, para converter o infiel ouvinte que não se apaixonou por este caleidoscópio musical efêmero. É bom lembrar que a busca por releituras do Powerpop ganhou mais força e notabilidade após o fim das atividades, adquirindo ar cool e descolado, sobretudo a partir da redescoberta de álbuns interessantes de Beach Boys na mesma década. Antes, repito, Powerpop era música “não engajada”, “sem mensagem”, “sem conteúdo”, “apenas” para cantar junto e dançar. Vamos corrigir essa injustiça histórica. Ouçamos e amemos Jellyfish.

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ARTISTA: Jellyfish

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.