Black Rebel Motorcycle Club Folclórico e Acústico

“Howl” marca mudança de sonoridade, mas se transformou em um dos maiores discos da década passada

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Howl

Alguns discos permanecem no nosso inconsciente durante muito tempo e, quando são revisitados, mostram que o nosso amor inicial permanece intacto. Entre os diversos CDs da minha biblioteca musical, um permanece perfeito a cada audição enquanto a minha percepção a respeito do seu conteúdo lírico é expandida constantemente. Lançado há dez anos, Howl é provavelmente um dos grandes discos “desconhecidos” da década passada e nem de longe é o mais famoso do importante grupo de Rock Alternativo Black Rebel Motorcycle Club, no entanto se assemelha a outras obras icônicas de artistas que procuraram mudar um pouco a sua sonoridade – nem que por uma vez somente – e por isso sua audição amadurece e cresce a cada novo encontro.

A banda americana – conhecida anteriormente por seus dois discos que revisitaram o Hard Rock de Led Zeppelin com uma aura negra e psicodélica que acompanhou a identidade visual da banda (a cor preta é predonominante nas capas de seus quatros primeiros discos assim como nas vestimentas de seus membro) – criou uma espécie de som característico seu: Shoegaze, Garage ou Alternativo, o Rock aqui é sempre carregado de distorção. Foi por isso que, quando sua terceira obra foi lançada, muitos queriam entender como o som elétrico havia se tornado predominante acústico como obscuro se tornou espiritual. Howl é um disco de Blues, Folk, Bluegrass e Gospel feito como um revisão do folclore musical dos EUA e tem provavelmente as músicas mais confessionais, sinceras e transcendentais de BRMC.

Obviamente, a leveza não coincide com a atitude roqueira da banda que se tornava diminuto neste disco após o desligamento temporário de seu baterista, Nick Jago. Logo, mesmo “desplugado”, o trabalho possui um vigor invejável. A abertura Shuffle Your Feet é quase a comunhão com o pecado no Gospel feito a maneira da banda: “time won’t save our soul” canta Robert Levon enquanto somos jogados a um ambiente com gaitas, uma bateria mais simples e violões. Este clima regional é sentido em faixas que nos levam a uma igreja interiorana, como na faixa título que termina na confissão “I don’t wanna be saved” ou no respiro de um despertar sofrido em Devil’s Waitin’. Pela primeira vez estamos mais próximos do grupo e isso se deve a arquitetura sonora que troca seu Noise característico por assobios, orgãos sacros ou faixas perfeitas para viagens infinitas na estrada.

Ain’t Easy Way é uma que pede uma road trip sem volta na música mais explosiva de um disco que procura falar manso na maioria das vezes. A emoção aflorece na magnética e inspirada, Still Suspicion Hold You Tight, perfeita para baixa autoestima que acomete muitos – “you’re everything you need but still suspicion hold you tight” – enquanto a melancolia que havia acompanhado BRMC durante sua carreira se materializa perfeitamente em Weight of The World. É impressionante como as diversas referências que são percebidas no disco coincidem com tudo que já haviamos ouvido do grupo, mas são ao mesmo tempo paradoxais.

Quase acústico, Howl tem catorze canções que carregam uma intensidade e uma emoção que jamais havia sido sentida no barulho. Nu e desfeito de artíficios, o trabalho é sincero apesar de sua debandada sonora para outro lado. A guitarra aqui ainda existe em diversas canções, mas é coadjuvante, mixada como uma ambiências ou inserida para um desfecho necessário, logo, o acústico é o ator principial de sua composição. Suas virtudes se tornam vícios e chega a ser normal trocar sua canção favorita de acordo com o humor do momento: Complicated Situation, Sympathetic Noose ou Promise podem ser bons pontos de partida para quem está realizando um contato primário.

Quando Bob Dylan se tornou elétrico em Highway 61 Revisted, ou quando David Bowie se tornou “negro” em Young Americans, fãs torceram o nariz por causa de rupturas sonoras alheias a sons que os haviam atraído anteriormente. Possessivo, muitas vezes o fã se denomina dono de uma inspiração e um ofício que não é seu e por isso que sempre existirá o conflito entre o novo e o velho na música. No entanto, não podemos nos esquecer do processo que uma arte leva para se desenvolver – aonde se quer chegar tem passos que podem ser ordenados ou não, mas que nos fazem caminhar ao nosso objetivo. Em Howl, considerado pela própria banda um disco com uma sonoridade almejada desde a sua formação, temos a clara noção de que estamos diante de objeto pessoal feito minuciosamente, seja através de suas referências à história da música americana ou em suas letras atemporais que transpiram espiritualidade. Por essas e por outras que este é um clássico perdido em uma década de transição musical.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.