Preguiça e Genialidade: A Música de Hoje

Nossa geração tem menos gênios ou temos preguiça de procurar?

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O matemático e escritor francês George Buffon disse certa vez que “A genialidade não é outra coisa senão uma grande aptidão para a paciência” e, de fato, você precisa ter grande paciência para aguentar ser considerado um. Não estou me referindo à longa espera que alguns passam até ter sua obra reconhecida, fato que muitas vezes extrapola a vida terrena. Mas deve ser insuportável, principalmente para os ditos gênios da música, tanto vivos quantos mortos, ter sua obra extensamente analisada e o saco praticamente arrancado por puristas e fãs. Quantas vezes já não ouvimos sobre o incrível talento para letras que Bob Dylan nos mostrou em sua extensa obra, ou como o disco Dark Side Of The Moon é um poço de originalidade e inovação no que diz respeito principalmente à produção musical, ou o quão fundamental é a obra de The Beatles. Sinceramente, isto tudo é um tédio.

Não estamos querendo negar o talento e importância desses artistas supracitados e muito menos afirmar que somos pessoas super antenadas e prestamos total atenção nos possíveis gênios de hoje. Mas o correto não seria olhar para frente ao invés de ver as coisas incríveis produzidas no passado? Quantas vezes já não nos deparamos com aquele tipo de ouvinte que se recusa a escutar novas músicas usando o argumento inválido de que “hoje em dia, nada mais presta”, “o Rock morreu” ou “no meu tempo é que era bom”? Por que cada vez achamos menos gênios na produção musical atual? Será que nossa geração é um fracasso ou estaríamos glorificando demais o passado e não prestando a devida atenção no que ouvimos hoje?

Um monte de perguntas nos brotam à cabeça quando pensamos em como encaramos a genialidade nos dias de hoje, mas o que devemos considerar sempre é a questão do tempo. Muitas das obras para as quais babamos ovo hoje tiveram sua apreciação consolidada anos depois de seu lançamento, como é o caso do imortal disco Spiderland, de Slint. E mesmo aquelas que tiveram um sucesso imediato de público começaram a ser imortalizadas depois de certo tempo. Portanto, é compreensível que os grandes gênios realmente estejam situados em tempos mais distantes. Mas será que é tão errado falar em genialidade na época de seus lançamentos?

Discos como Lonerism ou Yeezus foram extremamente aceitos pelo público e crítica e muitas pessoas os consideram geniais. Mas e quando falamos de artistas um pouco menos conhecidos e independentes. Poderíamos considerar Bruno Berle e seu ótimo Arapiraca, Maceió, 2013 como um disco genial mesmo tendo sido lançado no fim do ano passado? Talvez a questão aqui não deva ser tão focada no tempo em que o registro foi lançado, mas em direcionar a mesma atenção que se dá aos discos do passado à produção atual. Subestimamos tanto que nossa geração é vazia e nunca chegará aos pés a Bob Dylan, Beatles ou Pink Floyd que aplicamos um preconceito inerente que tenta acobertar uma preguiça inata. É muito mais fácil ver artigos e mais artigos sobre a importância de Abbey Road para o Rock Moderno, do que parar para refletir sobre a importância de um disco como Whenever, If Ever, do grupo americano The World Is A Beautiful Place & I’m No Longer Afraid To Die. A percepção da genialidade realmente depende muito do tempo, e a falta dele na modernidade faz com que cada vez menos vejamos os gênios de nossa geração.

A tecnologia também influencia nesta questão. A quantidade de informações pelas quais somos bombardeados é imensa e tentar capturar a aura de um gênio e a análise é cada vez uma tarefa mais difícil. Surgem cada vez mais artigos e resenhas sobre como tal fulano é o novo Bob Dylan, ou como tal disco é o “Dark Side Of The Moon” desta geração, o que não é um problema. O ponto crítico é que, com informações sendo processadas e distribuídas mais vagarosamente no passado, era possível realmente dissertar sobre a genialidade de tal artista, seja em um artigo jornalístico ou em uma roda de amigos. Cada vez temos menos tempo para entender a totalidade de nossa produção cultural. Não que tenha sido possível fazer isso alguma vez, mas isto diminui cada vez mais.

No fim das contas, vemos que a preguiça à qual George Buffon fazia referência não é apenas dos gênios, mas de seus apreciadores. Em um universo cada vez mais rápido e confuso, faz sentido temos esta preguiça. Mas, se quisermos realmente analisar a fundo os gênios atuais e, principalmente, encontrá-los, devemos ter paciência tanto pela procura quanto pela audição. E calma. Muita calma.

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MARCADORES: Discussão

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique