Entrevista: Stromae

Em passagem por São Paulo, artista belga comenta pluralidade na sua música e seu próximo disco

Loading

“Você só toca aquilo que você consegue cantar” – a máxima de Miles Davis aplica-se a Paul Van Haver (ou melhor, Stromae), um dos maiores astros da música Pop da Europa atualmente.

Sua origem como percussionista fica evidente quando ele reproduz com a boca e todo o corpo os ritmos e tempos musicais sobre os quais comentou ao Monkeybuzz durante sua passagem pelo Brasil, onde se apresentou em São Paulo e no Rio de Janeiro, demonstrando que tem bagagem e espírito suficientes para se tornar uma estrela cada vez mais conhecida por todo o mundo.

Muito simpático, ele nos recebeu no hotel para contar sobre seu interesse variado na música dos mais diversos lugares, o que ele levará da música brasileira consigo e o que podemos esperar de seu próximo disco, além de algumas curiosidades a respeito da pessoa por trás do artista e seu processo criativo.

Monkeybuzz: A sua origem musical como baterista e o gosto por elementos musicais do mundo todo sempre me fizeram acreditar que o seu som combinava com o Brasil. Como tem sido a sua recepção por aqui? A sua festa (Ta Fête) funcionou nos seus concertos?

Stromae: Eu fiquei surpreso como as pessoas cantaram as letras das músicas por aqui. É realmente impressionante ir para um país em que as pessoas não falam francês e ver elas cantando o tempo todo, muito mais que em um país francofalante. Eu me choquei positivamente com esta recepcão, que foi ainda maior no Rio de Janeiro que aqui (São Paulo). Foi magnífico e me faz lembrar quando eu fui pra Milão, Itália, em que aconteceu a mesma coisa. Eu acho melhor ir para um país que não fala francês, porque as pessoas ficam mais contidas quando estou em algum lugar francofalante, querem absorver as letras, enquanto, em um país com outra língua, as pessoas querem na verdade cantar comigo e eu acho isso super bonito. Eu penso que a música é universal e que a percussão tem algo ainda mais forte que a música, eu não sei como dizer isso. (pausa por alguns segundos) Por exemplo, quando eu estava no Rio de Janeiro, eu estava discutindo algumas coisas com um trombonista. Enquanto falávamos, nós não nos entendíamos, mas, a partir do momento que começamos a falar de ritmo, estávamos falando na mesma língua: melodia, ritmo e estrutura (Stromae reproduz os sons que estava discutindo com o músico), e nós nos entendemos na hora! É incrível, a música é uma outra língua, além do português, do francês e do inglês.

Monkeybuzz: Você conhecia algo de música brasileira antes de vir ao Brasil?

Stromae: Ah, sim, eu conhecia o Criolo porque ele veio a um concerto meu na França. E eu fiquei super honrado em saber a sua história, que ele é de São Paulo e que logo em seguida eu viria pra cá, e por isso nos identificamos muito. Eu também conheço Beijinho no Ombro de Valeska Popozuda e gostei de tudo que eu já ouvi daqui, achei tudo super bem produzido e com muito groove. Enquanto língua musical, me agradou muito. E existem as coisas mais clássicas daqui, como Chico Buarque, que eu não conheço a obra toda, mas sim a sua linguagem como artista, o seu ritmo.

MB: Podemos esperar alguns samples de música brasileira em seus próximos discos?

Stromae: Por que não? Talvez não um sample especificamente, mas realizar um trabalho com algum percussionista brasileiro ou algo assim. O Sango (produtor canadense), por exemplo, ele [grava] voz na raiz, no beatbox do baile Funk Carioca e a coloca dentro de sua música e produz dessa maneira. Eu, particularmente, adoro Sango e o seu estilo de misturar música canadense com Trap, música brasileira com Trap e Funk. É dessa maneira que eu penso em trabalhar com música brasileira, ele já fez isso do jeito dele, eu vou pensar agora no meu jeito de fazer isso (risos).

MB: Em Cheese (2010) encontramos uma sonoridade muito próxima da música Eletrônica e da Eurodance, no entanto, em Racine Carrée (2013), a sua origem no Rap e o gosto pela música étnica o fez encontrar um som característico seu, que podemos chamar de Stromae. Esta mudança entre os dois discos se deve ao que?

Stromae: Acho que essa mudança faz parte de como eu construo os meus discos: cada vez eu tento absorver a música de algum lugar do mundo e tento reproduzi-la a minha maneira. Eu não gosto de pensar ou cair em uma fórmula do tipo “copia e cola” e sim de influência em sonoridade de uma Bossa Nova, Cumbia, mas nunca totalmente focado em um estilo. Eu acredito que tudo é um bom equilíbrio entre como e o que descobrimos em nosso universo e ao mesmo tempo em pensar no inverso: por que não incorporar tais elementos no que já criamos e tentar melhorá-lo? É sempre um trabalho de constante evolução entre um álbum e outro.

MB: E o que podemos esperar de seu terceiro disco?

Stromae: Eu não sei, quem sabe não chamo alguns músicos japoneses para tocar um Samba? (risos) Isso é só um exemplo, talvez usar algo da música boliviana porque eu amo muito o groove deles e esta sobreposição de elementos sobre o tempo da música (imita o tempo musical) é algo que eu gostaria de pensar pro próximo disco.

MB: Você comprou algum disco no Brasil?

Stromae: Não, infelizmente não. Mas eu recebi de presente um pacote cheio de músicas, uma espécie de Best Of do Brasil e acredito que eu vou descobrir coisas muito interessantes ali. Talvez algo mais clássico e inesperado para poder misturar o tradicional com o contempôraneo, quem sabe? Eu realmente não sei. Mas eu acho que vou me inspirar mesmo na música boliviana pra esse disco, música dos Andes. Pegar o grosso de sua percussão (imita o grave do som da percussão boliviana), seus elementos super graves e étnicos que, se colocados dentro da música Pop, podem dar certo.

Monkeybuzz: Existe um gênero bastante popular no Nordeste brasileiro que se chama Maracatu, talvez você possa se inspirar nele também. Existem estes mesmos elementos percussivos e artistas como Chico Science e Nação Zumbi podem ser boas referências.

Stromae: Hmmm, eu realmente não conhecia, mas me parece bastante interessante. Existe uma qualidade que eu sempre gosto de encontrar nas coisas: a dignidade. Para mim, todo mundo possui dignidade, assim como a música… a vida, na verdade, pode ser bastante dura, podemos cair, mas sempre estamos dispostos a dançar sobre isso e encontrar valor nas coisas. É algo que eu sempre procuro buscar na música que me influencia, sua dignidade, e eu sinto bastante disso aqui no Brasil e eu acredito que posso encontrar na suas referências também. Com certeza, é o ponto comum em todas as minhas abordagens musicais, encontrar seu valor, sua dignidade.

Monkeybuzz: Você canta em francês e consegue capturar a essência de um continente europeu fragmentado por questões sociais e econômicas. No entanto, você pôs a Europa para dançar com suas batidas e músicas características. Você esperava se tornar um Pop Star com tanta sinceridade em suas letras?

Stromae: Talvez (risos).

MB: Porque os franceses e os belgas conseguem entender as suas letras, mas o resto do continente provavelmente não.

Stromae: Eu não tenho tanta certeza que os franceses e os belgas conseguem entender as minhas letras (risos). Existem muitos francofalantes que cantam as letras de Alors on Danse e realmente não entendem o que estou querendo dizer. Por exemplo, o meu diretor artístico me contou uma história de um amigo dele que trabalha numa boate noturna na Europa, assim como ele. Eles estavam discutindo a respeito da letra de Alors on Danse e ele disse ao seu amigo: “Mas você sabe que o personagem da música está super triste, ou talvez não triste, mas fala sobre várias coisas negativas”. E obteve a resposta: “Não, não, ele conhece alguém (na história da música) que diz pra ele “qui dit étude dit travail” (“quem diz estudo, diz trabalho”), não tem nada a ver com tristeza”. E isso me marcou muito, eu nunca tinha pensado nisso, cada um canta e interpreta do jeito que quiser. Eu adoro isso, você não é obrigado a intelectualizar as coisas para apreciá-las, você aprecia ou você aprecia e ponto final. Às vezes, seu cérebro faz uma relação indireta com um sentimento e, mesmo sem entendê-lo, você consegue sentir algo e se conectar.

MB: Você estudou cinema, mas acabou se formando como engenheiro de som. Podemos considerar o seu cuidado estético em seus vídeos, roupas e direção de arte de seus concertos como a vontade de Paul Van Haver em ser um cineasta?

Stromae: Eu acredito que existe algo que eu aprendi na escola de cinema e na minha maneira de trabalhar que me revela essa vontade (de ser cineasta). Mas o que eu realmente aprendi com o cinema é que existe mais de uma maneira de se expressar artisticamente. Outra coisa que me acompanhou muito forte na minha música é a crise (econômica de 2008). A crise nos alertou a uma nova realidade e ao mesmo tempo, a tecnologia nos alertou de uma nova realidade também. Atualmente, com os avanços tecnológicos, todo mundo é músico, diretor de cinema, produtor, fotógrafo e compositor. Você pode, se quiser compor música no seu iPhone. Acho que são todas essas coisas que me fizeram criar uma espécie de obrigação em querer fazer de tudo, na verdade. E eu penso que é nesse sentido que a minha criatividade aflorou. Eu aprendi na escola que a técnica e o empenho que levam à criatividade. Eu penso, no entanto, que são nos períodos mais difíceis, nas condições mais adversas, que nós criamos as coisas mais belas. Quando me levam para um estúdio de gravação magnífico com piscina e um milhão de benefícios, eu tenho medo, porque sei que esses lugares acabarão, na verdade, em festa. Quando eu tenho fome e e fico sem comer por dez, quinze horas que as coisas aparecem para mim. Talvez seja porque eu tenha essa necessidade que algo me faça mal para eu criar. Acho que eu fugi um pouco da sua questão, mas voilá, creio que seja isso (risos).

Loading

ARTISTA: Stromae
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.