O Clube Da Luta De Natalia Kills

Afirmações da cantora nos fazem repensar a importância que ser original tem hoje em dia

Loading

Na semana passada, a cantora e compositora inglesa Natalia Kills resolveu dar uma “lição” sobre originalidade na cultura musical, durante sua participação na edição neozelandesa do programa X Factor. Após a apresentação de um canditado, a cantora começou a falar sobre a importância da dita integridade e propriedade intelectual, chegando até a desabafar que ela se sentia enojada de ter que dar sua opinião para uma pessoa que havia, segundo ela, copiado seu marido, e também jurado do programa, Willy Moon. As acusações não pararam por aí, quando o proprio Willy também resolveu opinar, afirmando que tudo naquela situação era “brega e absurdo”.

No fim das contas, uma petição foi assinada, ambos os membros da bancada foram expulsos alguns dias depois e o assunto deu-se como praticamente esquecido. Porém, o fato é algo extremamente relevante para debater uma das questões mais ambíguas da música universal: a originalidade e sua importância.

Debater originalidade nunca foi um assunto amplamente consensual. Na verdade, essas questões são debatidas muito antes que a música viesse tomar sua forma como está “estabelecida” hoje (no que diz respeito à produção e ao consumo). O filósofo e sociólogo Adorno, embora seu estudo foque mais em uma questão de reprodução técnica da arte, chegou a criticar diretamente os processos de multiplicação de obras e como isso afetava no senso crítico do consumidor. Já o economista inglês John Stuart Mill simplificou seu fascínio pela originalidade ao afirmar que “todas as coisas boas que existem são fruto da originalidade”.

Trazendo para uma perspectiva mais moderna, principalmente no âmbito de trabalho aqui mesmo do Monkeybuzz, vemos o quanto isto é levado em conta quando analisamos os discos que são lançados. Trazer algo novo é de fato algo muito importante quando pensamos em um disco bom e ter esta concepção fresca na mente de um compositor é o que o torna, muitas vezes, um nome de destaque entre os demais. Entretanto, o quanto isto é realmente relevante? Devemos descartar totalmente elogios e recomendações daqueles álbuns que usam formatos pré-estabelecidos e clichês? Ou ainda, até que ponto nosso radicalismo (ou preconceito) sobre originalidade nos impede de nos aprofundar mais em um disco? Mas, no fim das contas, tudo se resume a: existe algo 100% original hoje em dia?

Como o personagem de Edward Norton nos diz, no chocante filme Clube Da Luta (1999), “Com a insônia, nada é real. Tudo se está longe. Tudo é uma cópia de uma cópia”. É possível ler esta frase enxergando as cópias como uma ilusão, sendo que sua propagação nos afastaria da realidade, produzindo um mundo falso. É o que, na maioria das vezes, ouvimos sendo disseminado como um ideal e algo que Natalia Kills e Willy Moon certamente são adeptos. Entretanto, se tudo é cópia de uma cópia, vale a pena insistir nesse ideal de pureza e total originalidade da música? Não seria mais prudente adimitir esta nova realidade vigente de cópias de cópias?

A grande problemática aqui está no preconceito e no peso que ser taxado de não-original tem em uma indústria tão polissêmica quanto a musical. Se pararmos para analisar além dos clichês Pop, veremos que grandes discos desta década são frutos de uma espécie de não-originalidade. Lonerism, de Tame Impala, foi um dos discos que mais apreciamos em 2012, mas, se pararmos para analisar se o gênero reproduzido nesse registro é original, veremos que não estaremos diante de uma obra tão pura e única. O psicodelismo e a lisergia aqui vão de muito antes dos integrantes nascerem, tendo os anos 1960 como início dessa experimentação. Alguns dirão que existe uma diferença crônica entre originalidade e inspiração e que a segunda seria o correto de se perpetuar, porém toda forma de inspiração é uma cópia em sua forma mais básica. A partir do momento em que algo chama sua atenção e gosto, o caminho mais óbvio a se seguir (no campo do comportamento, principalmente) é o desse ídolo.

Outro fato importante de ser discutido é que, no sentido mais formal da filosofia e semântica, uma banda que copia outra nunca será 100% fiel ao original (mesmo porque isto seria considerado plágio). Quando Tame Impala, em linhas gerais, “copia” Os Mutantes, vemos que a Psicodelia é transferida de eixo espaço-tempo, e assim, temos um novo paradigma criado em cima de algo prévio. Ou seja, a cópia torna-se algo quase que dissociável da “original”. As novas produções criam novos contextos em que são inseridos e as coisas parecem se tornar cada vez mais diferentes. É por isso que não vemos descendentes de Cleópatra reivindicar seus direitos de seu cabelo sobre Natalia Kills, ou Orlando Silva se afirmar como o pai do Emo Brasileiro com suas interpretações sofríveis e letras depressivas, ou Norman Bates processar Willy Moon pelo uso de seu terno. No fim das contas, a lição que fica é: nada disso (questão da originalidade) deveria importar.

Todo esse raciocínio é algo que demanda muita boa vontade de pesquisa dos ouvintes, e dizer que todas as pessoas deveriam pensar assim é muita ingenuidade. É muito mais cômodo dizer que o competidor do programa X-Factor imitou Willy Moon do que conhecer 2 mil anos de história da moda para se chegar em um consenso de quem foi a primeira pessoa a inventar o terno. Nós mesmo do Monkeybuzz não temos essa precisão e pretensão de dizer quem são as pessoas que criaram gêneros. A questão que vale ser pensada aqui é relevar tudo isso e, em certas ocasiões, parar para pensar um pouco mais na mensagem que está sendo transmitida do que na forma como ela é apresentada e, por sua vez, se ela é de fato totalmente original.

Loading

ARTISTA: Natalia Kills
MARCADORES: Discussão

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique