B.B. King Eterno

Legendário bluesman morre aos 89 anos

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Confesso, eu gosto menos de Blues do que acharia ideal. Algo no estilo me entedia um pouco, apesar dele ser um dos maiores provedores do que se entende por Rock a partir de meados dos anos 1950. Há uma relação entre ele e o nosso Samba, algo que vem do passado e vai até o destino. É canto de luta, de trabalho, de ajuste à vida dos outros, de tentar se inserir num meio ambiente hostil e sonhar fazer dele seu lugar de origem ou de pouso. E, como o nome já diz, é triste. Mas a vida é feita de tristezas, ainda que o Blues não seja, necessariamente, sinônimo de ausência de alegria o tempo todo. Esteve mais para “relato do cotidiano que não é alegre para nós”, diriam os grandes artesãos do estilo. E, dentre estes heróis, talvez o último tenha partido hoje, aos 89 anos de idade. Foi-se Riley Ben King, o B.B. King.

Duvido que você não tenha, ao menos, ouvido falar dele. Parece que B.B. esteve presente desde sempre em nossas vidas. Era sinônimo de Blues para 90% da população do planeta, alvo da admiração de outros heróis da música, de Eric Clapton a U2, de Van Morrison a The Rolling Stones, entre tantos outros. Esteve presente nesta bolota azul e branca desde 1925, data que só está viva nos livros de história. Era a época do tenentismo no Brasil. Era o momento que antecedia a crise de 1929. B.B. King, no entanto, nunca foi apenas um representante de um passado obscuro teimando em estar presente. Foi capaz de grandes criações ao longo de uma carreira que teve início em 1949. Três anos depois, 3 O’Clock Blues, single gravado por ele, estava no primeiro lugar da parada de Blues e R&B da Billboard. Não foi um dos grandes arquitetos do Blues, mas integrou com brio a banda mais eletrificada do estilo, o chamado “Blues de Chicago”, apesar de se estabelecer na Califórnia.

B.B. era conhecido por sua capacidade de tornar o Blues algo mais Pop e por seu exuberante talento com a guitarra, ostentando um belo sexto lugar na lista de melhores com o instrumento publicada pela revista Rolling Stone em 2011. Seu instrumento tinha nome: Lucille e o acompanhou por todo o tempo em que esteve no palco. A notoriedade fora do circuito blueseiro veio quando The Rolling Stones o convidou para abrir os shows de sua turnê americana em 1969. No ano seguinte, viria o Grammy por The Thrill Is Gone, talvez sua mais conhecida canção, lançada como single, antecipando seu sensacional Indianola Mississipi Seeds, lançado em outubro de 1970 e do qual participam Leon Russell, Carole King e integrantes de sua banda regular. A esta altura, King já era um artista com público consolidado, em vias de arrebatar gente que gostava de Pop e Rock, mas que se mantinha fiel às tradições de entrar em contato com o homem comum que o admirava, como, por exemplo, presidiários. É antológica a apresentação de King na prisão do Condado de Cook, em Chicago, gravada em 10 de setembro de 1970, que seria lançada em disco no ano seguinte. Live At Cook County Jail é, sem exageros, um dos melhores álbuns ao vivo de todos os tempos.

O grande mérito da vida de B.B. foi ter conseguido manter-se interessante ao longo do tempo. Em termos de importância, não há como compará-lo a gente como Howlin’ Wolf, Muddy Waters ou Willie Dixon, verdadeiros mestres-fundadores do Blues. Seríamos também igualmente injustos se reduzíssemos a importância de King para o estilo alegando que ele “apenas viveu”. Dono de simpatia inegável, ele tornou-se uma espécie de “representante do Blues” quando a MTV e as novas noções de consumo de música popular começaram a dar as caras nos anos 1980. Foi se tornando um símbolo da América mitológica, participou da jornada de U2 pelo país adentro, insinuada no álbum Joshua Tree (1987) e registrada ao vivo no disco seguinte, Rattle And Hum (1988), com direito a bate-papo com Bono e seus amigos e uma faixa gravada em conjunto: When Love Comes To Town. Essa canção revitalizou a base de admiradores de B.B., tornando-o ainda mais “a cara do Blues” para um monte de gente.

Ele manteve-se na ativa ao longo de todos esses anos. Chegou a fazer 300 shows em um ano. Lançou discos com frequência, entre eles colaborações com Eric Clapton no belo Riding With The King, de 2000. Desde 2006, B.B. estava numa turnê de despedida, a qual o levou para palcos mundais como o Crossroads Festival (2007 e 2010), Bonnaroo (2008), Glastonbury e Royal Albert Hall (2011). Gravou, tocou, sorriu para todo mundo que se interessou em vê-lo. Em fins do ano passado ainda estava fazendo shows, mesmo enfrentando o peso da idade e um inimigo feroz, o diabetes. Fica o planeta menos simpático e, a esta altura do campeonato da humanidade, cada desfalque no time da leveza, do talento e da relevância é duramente sentido pelos partidários de que a existência é pra ser a maior possível. B.B King agora entra para a história e terá seu rosto, sua voz, sua guitarra como marcas indissociáveis do nosso tempo. Quem viver – como ele -, verá. King nasceu em Berclair, Mississippi em 16 de setembro de 1925 e faleceu ontem em Las Vegas, Nevada.

Aqui segue uma listinha simpática de grandes momentos da carreira do homem. São provas da inovação, do talento e do jogo de cintura que B.B tinha.

O Primeiro Sucesso

O Maior Clássico

O Melhor Disco

Tocando Na Cadeia em 1971

Ao Vivo No Zaire Em 1974

O Hit dos Anos 1980

Com U2 em 1988

Entrando No Século 21

Com Eric Clapton em 2000

No Crossroads Festival de 2010

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ARTISTA: B.B. King
MARCADORES: Falecimento

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.