Bananada 2015 – Música que Goiânia Respira

Fim de semana do festival revela sua diversidade musical e unidade dentro da nova música brasileira

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Fotos: Pedro Margherito e Claudio Cologni

Quando um forasteiro chega a uma terra desconhecida e cheia de histórias e personagens interessantes, a jornada se torna muito mais rica. Em Goiânia, no Festival Bananada 2015, pudermos ter a chance de acompanhar de perto o epicentro de um movimento que transpira a nova música brasileira e que também serve de inspiração para diversos cantos do país ao saber unir diferentes cenas musicais – conseguindo dialogar com seu público que não existe uma cena somente, mas diversos novos artistas dispostos a mudar o cenário como um todo.

Durante a última semana na capital de Goiás, o evento tomou diferentes partes da cidade – bares, restaurantes e centros culturais – para pulsar a música e conectar protagonistas a coadjuvantes em um intercâmbio musical riquíssimo e valioso. Chegamos na sexta-feira em Goiânia e até então já haviam rolado shows muito elogiados de nomes gigantes – como Caetano Veloso e Maurício Pereira – e de “novatos” – como Luziluzia, Terno Rei, P A R A T I, Bruna Mendes, BIKE, The Abdalas e Omulu, entre outros. Cada evento era realizado em uma casa distinta, movendo o público presente para se infiltrar em locais tipicos da cidade.

O meu primeiro contato se deu no Centro Cultural Oscar Niemeyer, onde o festival “usual”, com três dias e dois palcos, traria outros nomes em diferentes escalas de projeção nacional. O espaço, planejado pelo histórico arquiteto, tinha as proporções ideais para um evento no porte diário do Bananada (10 mil pessoas presentes no último dia) e trazia o benefício de ser todo de cimento, perfeito para skatistas que circulavam pelo local com uma tremenda facilidade e que mostravam uma conexão grande entre o esporte e a música – uma pista montada no local permanecia em sincronia com o que rolou musicalmente naquele fim de semana. Fora a distância mínima perfeita entre os dois palcos e a sincronia entre horários, o que permitia andar alguns poucos metros pro lado logo ao final de um concerto para já estar diante de um novo show.

Começando pela sexta-feira, 15 de Maio, tivemos o dia mais diverso e aberto a novas possibilidades na música com artistas que bebem de diferentes fontes e que alteraram sonoridades enquanto o público permaneceu receptivo. Começando por Scalene, que faz um show com uma linguagem televisiva e bastante acessível ao público mais jovem, mesmo através de um som pesado, Metalcore. No entanto, tal relação explica muito sobre a popularidade que o grupo vem alcançando recentemente, principalmente com a participação no programa da TV Globo, Superstar.

Logo em seguida, um artista diferente e que transpira mais originalidade, o parense Jaloo faria a sua primeira apresentação ao vivo, com sua banda formada por Irina Neblina (Garotas Suecas) nos teclados e Naná Rizinni na bateria eletrônica. Apesar das dificuldades iniciais, o cantor mostrou o seu som carregado de elementos culturais do Norte misturado a música Eletrônica em uma apresentação divertida e que fez o público da noite dançar, de forma inusitada, a atração menos “Rock” da noite. A impressão que fica é que o produtor tem ótimas referências na mão e que uma apresentação em um ambiente menor – talvez uma balada ou um inferninho – o deixará muito mais a vontade para extravasar a sua música e se soltar ainda mais com o público.

Logo em seguida, Francisco, El Hombre fez uma das mais cativantes e envolventes apresentações do Bananada e certamente trará muito aprendizado para a continuidade de sua turnê. É impressionante como existe uma diferença gigante entre a banda gravada e o seu show. Animada e regional, a Pachanga Folk do quinteto parece ser o tipo de ritmo inteligível para todos por suas diversas referências latinas – tudo isso se materializa em uma presença de palco empolgante, músicas que emocionam muito mais pelo nível de comprometimento em um ideal de seus integrantes e também por criar algo a mais, uma impressão distinta sobre o seu som. Dentro da celebrada apresentação, ainda tivemos espaço para uma performance de dança e um público sedento por um experiência como aquela no festival. Esqueça tudo que você já ouviu sobre Francisco, El Hombre se você ainda não viu os músicos em carne e osso.

Francisco, el Hombre

Wannabe Jalva, por sua vez, caminha para uma sonoridade nada folclórica e bebe muito de sons de fora para criar a sua concepção de Indie Rock. Dançante, frenético e também cheio de baladas em seus trabalhos gravados, como no ótimo EP Collecture, o grupo gaúcho faz ao vivo um som muito mais pesado e encaixado entre si. Existe espaço para as guitarras gritarem e as composições como um todo soarem menos Pop e mais altas, dando a impressão inevitável de que os brasileiros sabem recriar um modelo estrangeiro com perfeição. Em seguida, uma banda gringa que vinha fazendo shows elogiados pelo Brasil, a californiana Allah-las mostrou que a Surf Music e a música para se curtir na praia dos anos 1960 ainda faz muito sentido hoje dia em um apresentação com um bom gosto nostálgico e muitas homenagens à música brasileira – faixas como Ela Navega e De Vida Voz mostram que a boa interação com o público não foi à toa e que o Sol brasileiro inspira muito seus músicos.

A sequência colocaria em choque duas gerações distintas do Rock Nacional, uma Psicodélica e a outra Indie Rock com toques de Pop. Boogarins é certamente a referência atual do grande público em relação a essa tal “cena de Goiânia” e abre espaço para que outras bandas vejam o espaço e o sucesso que vem alcançado para pensar: “sim, é possível”. Pratas da casa, os goianos fizeram um dos melhores shows que eu já vi deles (dez e contando) e mostram que a ansiedade para o lançamento do seu esperado segundo disco é muito grande – o show foi uma verdadeira lição de improviso e jam session para os presentes ao mostrar todos focados e conectados em mantras instrumentais psicodélicos que estendiam e expandiam suas canções famosas, como Doce e Hoje eu Aprendi de Verdade. Ainda com a luz na cara o show todo, foi diíficil vê-los e não ficar mais uma vez de boca aberta com a liberdade e criatividade do grupo, principalmente com o baterista Ynainã finalmente à vontade para fritar com seus companheiros de banda.

Boogarins

Pato Fu já está em outro ponto da curva e não é mais uma promessa há muito tempo. A maturidade do grupo se mostra nítida em uma produção cenográfica distinta com projetores sobre os amplificadores e na parte de trás do palco, assim como a sua forma de construção da música Pop. O apelo da banda, que está na turnê do seu mais recente disco, Não Pare Para Pensar, se mostrava evidente quando faixas radiofônicas eram tocadas para um público que sabia de cor as letras de Antes que Seja Tarde, Eu, Depois e o cover de Os Mutantes para Ando Meio Desligado. Fernanda Takai é uma das vozes mais reconhecidas de sua geração e o seu timbre grudento deixa algumas melodias guardadas na memória pra sempre. Divertido e eficiente, foi o término ideal para o primeiro dia de um fim de semana extremamente puxado.

Pato Fu

No sábado, 16 de Maio, antes de ligarem os amplificadores no Centro Cultural Niemeyer, mais um intercâmbio cultural aconteceria pela cidade de Goiânia com shows e jam sessions de músicos do festival no Old Studio, no centro da capital. A prova de que a cidade continua a beber música fora das demarcações do evento era só um aperitivo para o dia mais consistente do Bananada. Começando pela energética apresentação dos potiguares Camarones Orquestra Guitarrística, que provaram porque se consideram uma “banda de palco”. O Surf Rock de Natal vem em camadas muito mais roqueiras do que suingadas e transformam seus membros em incansáveis performers, despejando riffs atrás de riffs nas mais variadas formas. Instrumental, a banda proporciona uma festa roqueira sem igual e conseguiu manter o público animado até o fim, mostrando que sua música se expressa muito bem sem palavras.

Em seguida, uma banda com outra pegada, mas presente de forma igual dentro do Indie Rock Brasileiro, Carne Doce fez uma emocionante apresentação em sua casa com todos os presentes interagindo e cantando com a banda como em poucos momentos foi visto nos outros dias. O apelo do grupo é fácil de se entender se ouvido gravado, como em seu excelente disco, mas crava mais raízes no público ao vivo, que permanece muitas vezes hipnotizado com a cantora Salma, – ao final do show, ela se jogaria no público como forma de se mostrar, sobretudo, uma parte dele. Se a apresentação chama sempre atenção, provavelmente só tempo de estrada fará o já encaixado grupo se soltar mais no palco de forma coletiva e orgânica, porque, em termos de composição e instrumentação, os goianos são uma realidade empolgante do novo cenário musical do país como um todo.

Carne Doce

Em seguida, um dos grandes representantes do Noise no Brasil, Lê Almeida, faria uma apresentação para empolgar os presentes no dia que se animavam com um dos pais da Rock Alternativo, J Mascis, tocando mais tarde. Com timbres gritantes, sujos e distorcidos conciliados com um vocal sereno e melódico e uma banda que faria com que tudo isso ganhasse ainda mais pressão e groove, o show focado em seu novo disco, Paraleloplasmos, foi um prato cheio para quem queria sentir um pouco da pegada de Dinosaur Jr. É dificil encontrar por aí um músico que saiba unir tantas boas qualidades e que ainda o faça como um verdadeiro artista independente através do seu próprio selo, Transfusão Noise Records. Lê e seu grupo correspondem a toda esta identidade com um Noise Rock garageiro poderoso com riffs que são melodias prontas e o livre arbítrio para tocar as coisas realmente do seu jeito. Logo, não perca essa barca quando ela passar pela sua cidade.

Em seguida, os mineiros do grupo Câmera, com um show já resenhado e um grande disco lançado no ano passado, Mountain Tops, faria uma apresentação à altura da beleza de seu som. Com músicas em inglês e melodias que nos fazem viajar ao Rock Alternativo dos anos 1990, a banda estava com som cristalino e encaixado para chamar a atenção do público diverso que se encontrava no Centro Cultural. Com um Noise mais calmo e sereno que o anterior, os mineiros souberam mostrar a riqueza de suas composições em um palco grande, os deixando ainda mais preparados para suas futuras aventuras no Primavera Sound de Barcelona. A conexão que cada banda parecia passar à seguinte não era nada tênue e respirava o mesmo sentimento de autenticidade.

Em seguida, a banda norte-americana King Tuff faria o tipo de apresentação divertida para mover todos em sua direção.O power trio tem todos os elementos cinematográficos que chamaram a atenção em filmes como Tenacious D – membros carimásticos e icônicos, muito bom humor e a sujeira típica do Rock. No entanto, longe do Metal de Jack Black e mais próximo do público, o grupo soube tocar alto como poucos fizeram no festival e deu um dos shows mais divertidos do fim de semana. É o verdadeiro Rock & Roll cru, para não se levar a sério e ser extremamente feliz em faixas como Black Moon Spell e Evergreen.

Apanhador Só

Apanhador Só fez um dos shows mais espetaculares do fim de semana e mostrou a sua real importância dentro do cenário brasileiro como um todo. Poucas bandas tem a visão de como lidar com o mercado independente como essa, não só nas campanhas bacanas que faz (crowdfunding e pequenos concertos na casa de fãs), mas também na sua sonoridade. As comparações a Los Hermanos terminam no primeiro momento que a banda sobe no palco e que reconstrói ao vivo os pequenos detalhes de seus discos de uma forma repaginada. Despirocar vira um mantra calmo, enquanto Paraquedas permanece entre umas das mais bonitas canções feitas nos últimos anos. Se existe uma banda que represente o Indie Rock no país, ela é Apanhador Só e o seu show é mesmo imenso, denso e hipnotizante – colocando-se em um patamar alto para poder ser alcançado.

Um dos nomes mais esperados do festival era do icônico guitarrista do grupo Dinosaur Jr., J Mascis. Seu show, concentrado no seu trabalho acústico solo, poderia ser a quebra de expectativas dos presentes ao abraçar um aparato sonoro menos alto que os demais. no entanto, J é um guitarrista tocando violão e isso resume muito a sua apresentação. Existem o dedilhado e os solos, mas também acordes palhetados com a raiva e o ímpeto de um guitarrista e, enquanto canções bonitas (como Listen to Me e Every Morning) mostram um lado mais sereno dele, as coisas ficam mesmo impressionantes quando covers de sua banda principal surgem acompanhados de pedais chocantes. Não nos deixa pensar outra coisa se não que Mascis é um dos maiores guitarrisas vivos de sua geração e um verdadeiro símbolo. Mesmo “calma”, a apresentação foi inesperada em seus efeitos e perfeita para quem podia ouvi-lo andando de skate.

J Mascis

Karol Conka foi ao lado de Criolo o grande fênomeno do festival, provando que o Hip Hop é uma das linguagens musicais mais inteligíveis e conectadas com pessoas de todos os tipos. Em um dos concertos mais impressionante do fim de semana, a curitibana soube dominar o público com suas rimas e sequência matadora de hits, como Boa Noite, Olhem-Se e Gandaia, entre outros – em nenhum momento houve o acomodamento dos presentes que permaneceram concentrados e dançando do começo ao fim. O empoderamento que ela passa através de suas composições é algo muito emocionante de se ver ao vivo, e a MC tem esmo de tudo para se transformar em uma das musas da música brasileira em breve. Mostrou também que o estigma de um setup rapper + DJ, funciona muito bem se bem executado, alto e bem mixado. Não perca nunca essa festa.

Falando em festa, a sequência final com Bonde do Rolê e Tropkillaz foi tudo o que o público esperava para continuar a noite sem muita hora para acabar. O primeiro soube mantê-la com seu Funk Farofa, cenografia polêmica com Jesus como boneco de posto e muita presença de palco diante dos presentes, enquanto o duo de produtores mostrou porque é uma referência no exterior com seu Trap pronto e feito para baladas e clubes ao redor do mundo. Mostrando diversas vertentes do Indie Rock para depois chegar no Hip Hop e na Música Eletrônica, o lineup do sábado soube costurar bem diferentes estilos de música que foram muito bem aceitos por todos.

Karol Conká

O domingo, 17 de Maio, de longe o dia mais lotado de todo evento tinha um motivo: Criolo. O rapper paulistano era a atração mais disputada da noite de encerramento, mas nem por isso fez com que as bandas que se apresentariam antes, todas com os pés no Rock, se sentissem menos à vontade. Nomes como Garage Fuzz (com seu Hardcore Melódico e seu longo tempo de estrada) tinham um público fiel ali, cantando e relembrando momentos passados da adolescência – seu novo disco colocará com certeza a banda mais perto dos jovens que podiam até desconhecer seu som e apreciá-lo mesmo assim. Os baianos do conjunto Vivendo do Ócio já partem para um Indie Rock no estilo de Arctic Monkeys para justamente se comunicar com os mais novos e trouxeram peso às suas composições que, apesar de muito bem executadas, ainda carecem de maior identidade, algo que sobra em seu grande sucesso, Nostalgia.

As pratas da casa de Goiânia se resumiram a alguns ótimos exemplos do que pode surgir do cerrado, e nada melhor do que Hellbenders para mostrar isso. Os goianos, que fazem um Stoner Rock bastante garageiro e muito frenético, tem um público extremamente fiel na capital e fez de longe a apresentação mais explosiva de todo o evento com bate-cabeças, muitos riffs quebrados e energia quase infinita. Chamaram atenção para as faixas de seu novo disco (que está para sair) com ótimas influências de Faith More, nos fazendo aguardar para essa transição – enquanto isso, os meninos mostram que, em termos de Rock mais pesado, ninguém anda fazendo um show tão brutal quanto o deles.

Caddywhompus

A dupla norte-americana Caddywhompus foi umas das maiores surpresas de todo o festival. De Nova Orleans e em extensa turnê pelo Brasil junto a nomes como Lisabi e E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante, a banda já tem um relação de palco distinta – guitarrisa e baterista ficam um de frente ao outro, como se quisessem extrapolar os seus limites e se impor em composições que mostram o melhor do Math Rock atual. Chega a ser dificil definir o tempo musical de ambos, dada a complexidade quase acadêmica de seu som e as inúmeras transições e trechos entre cada música, fazendo de sua apresentação algo bastante singular. Por sorte, eles ainda estão no país até o final do mês. Não deixe de ver um de seus shows – São Paulo e Rio de Janeiro, estão na lista.

E o que se tornou Criolo? Já o havia visto várias vezes na sua gigantesca e quase infinita turnê de Nó na Orelha e percebido que as suas palavras se mostram compreensíveis para todos. Somava-se isso a uma reconstrução de todas as suas faixas, saindo do conceito de Hip Hop puro (batida e MC) para se tornar Música Brasileira contemporânea de verdade – incorporando história e linguagens diversos ritmos no nosso país. Posso dizer que não só o messianismo ao redor de sua antecipada apresentação chamou atenção, mas também como ele conseguiu fazer tudo isso de novo. Hits do passado e as novas faixas de Convoque seu Buda fundem-se no mesmo principio de reconstrução musical e soam ainda mais reais ao vivo através das letras e do nível de dedicação do músico em relação aos presentes. Suas letras fazem ainda mais sentido em momentos de crise e seus comentários sociais ácidos reverberaram com muita intensidade pelo Centro. Ao final, palavras de unidade e respeito mútuo encerravam muito bem um festival que se propõe a trazer o que existe de novo, histórico e diverso para um povo musicado de goiânia (e do resto do país) que aceita muito bem essa mistura no final das contas.

Criolo

Quando pousei em Goiânia na última sexta-feira, o Festival Bananada já acontecia há cinco dias. Antes da minha primeira memória musical, o festival já acontecia na capital de Goiás no longíquo ano de 1997 e tanto tempo de realização mostra o porquê do termo “cena de Goiânia” fazer muito sentido. Obviamente, não existe uma cena somente na cidade, mas uma receptividade muito grande de um público jovem e aberto a novidades na música. Por isso, tantos nomes surgem e irão continuar a surgir por ali, pois essa forma de arte respira a plenos pulmões no cerrado, seja você um amante do Rock, Eletrônico, Alternativo ou Sertanejo – a música é de grande importância em Goiânia. O evento é um marco no calendário brasileiro e serve de referência para que iniciativas bem executadas como esta possam ser reproduzidas no país afora, mostrando que um festival não se constroe em gêneros e sim em como ele se comunica com quem gosta de música e como ele ocupa uma cidade a partir do ideal de diversidade.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.