“Don’t Believe the Truth”: A Hora Da Verdade Com Oasis

Um dos melhores álbuns do grupo inglês faz dez anos

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Em maio de 2005, Oasis era tudo, menos uma banda iniciante. Já eram quatorze anos de uma conturbada carreira e onze desde sua brilhante estreia em disco, Definitely Maybe. Mesmo que não conservasse seu aspecto de grupo de Rock moleque, malandro, de várzea, a banda dos irmãos Noel e Liam Gallagher mantinha intacto seu senso melódico, sua devoção aos grandes nomes do estilo e uma constante vontade de aperfeiçoar-se. Quando não estavam decidindo questões na base do xingamento ou da agressão, Liam e Noel compunham suas canções, com destaque para a evolução do vocalista no ofício de criar melodias e letras interessantes. Os outros integrantes do grupo, Gem Archer (guitarra), Andy Bell (baixo) e o baterista Alan White, presentes desde 1998 na banda, também vinham em franca afirmação como compositores, especialmente Bell, que é dono de um passado glorioso à frente de Ride, banda da cidade universitária de Oxford, pioneira na fusão de Shoegaze com algo que viria a se chamar Britpop, lá no início dos anos 1990. Apesar disso, nem tudo corria às mil maravilhas para o Oasis.

Apesar de existir a partir da tensão entre os irmãos Gallagher, Oasis sempre foi capaz de entregar belos álbuns. Não há registro de disco ruim em sua carreira, sempre é possível encontrar, pelo menos, três ou quatro canções sensacionais em todos os trabalhos lançados pelo grupo. A julgar pelo material contido em Don’t Believe The Truth, que veria as prateleiras das lojas mundiais em pouco tempo a partir do primeiro parágrafo, as condições de trabalho dos integrantes da banda pareceriam ideais. Mas não era exatamente assim, pelo menos para Alan White, que pedira as contas e boné em 2004, alegando tratamento ditatorial por conta de Noel Gallagher e pouquíssimo tempo para descansar ou fazer algo que não tivesse qualquer relação com os afazeres da banda. Noel, que já vinha num clima paz e amor de permitir que os outros integrantes compusessem e sugerissem canções, não se enervou. Pensou em quem poderia assumir as funções e as baquetas da banda e considerou seriamente o nome de Zak Starkey, filho de Ringo Starr. Oasis já tinha compromisso no Festival de Glastonbury, no qual faria um show comemorativo dos dez anos de sua estreia em disco. Starkey ainda estava aprendendo as canções do grupo e o grupo não parecia muito animado para tocar ao vivo. Como resultado, resenhas devastadoras surgiram no dia seguinte na imprensa britânica, acusando os integrantes de absoluta preguiça e falta de entusiasmo.

De fato, o negócio dos Gallagher e seus músicos estava muito mais voltado para o estúdio que para o palco. Por mais força e apelo que os clássicos do passado tivessem, era preciso dar vazão à novíssima safra de composições que vinham surgindo. Duas canções inéditas foram tocadas na fatídica apresentação em Glastonbury, A Bell Will Ring, de Gem Archer e The Meaning Of Soul, de Liam mas não chegaram a dar alguma pista mais concreta do que viria a seguir. Na verdade, as gravações do novo trabalho haviam começado com a produção da dupla eletrônica Death In Vegas, mas os resultados não foram interessantes. Agora, com a presença do produtor americano David Sardy, que assumia a função pela primeira vez num álbum da banda (Noel sempre ocupara o posto), as sessões ocorreram no Capitol Studios, em Los Angeles e o resultado pegou todos de surpresa. Quem mediu as forças de Oasis a partir das apresentações ao vivo recentes ou mesmo pela desavença que resultou na partida de Alan White, jamais imaginaria que um álbum sensacional estava a caminho. Um trabalho com foco, diversidade, reverência e melodia, tudo dentro do contexto mais clássico do grupo, assim é Don’t Believe The Truth.

Claro, Noel ainda é o cérebro pensante das canções e arranjos, mas sua participação é praticamente dimensionada como a de mais um integrante do grupo, algo que faz muita diferença, sobretudo com a presença de outros bons músicos e compositores. A primeira canção a chegar às rádios foi Lyla, um Rock espaçoso e feito para estádios, mas sem qualquer artifício para levantar a plateia além das linhas melódicas típicas. Apesar do sucesso, a canção era quase um Frankenstein, uma vez que provinha de uma fita demo de Noel, gravada no ano anterior e arquivada. Sardy mixou a voz, incluiu instrumental novo e vocais de apoio de Liam, dando novo colorido à música, que estourou mundialmente, chegando ao primeiro lugar na Inglaterra e ao Top 20 americano. Turn Up The Sun, faixa composta por Bell, também teve bom desempenho nas paradas de sucesso e tornou-se preferida dos fãs, assim como as duas composições de Liam, The Meaning Of Soul e Guess God Thinks I’m Abel. Seguindo a tradição da banda, há uma balada perfeita no álbum, Let There Be Love, erguida por Noel na melhor tradição emocional de John Lennon, algo bem bonito e com sua marca registrada.

Se há uma canção emblemática em Don’t Believe The Truth, ela se chama The Importance Of Being Idle, composta e cantada por Noel e confirmando a boa forma da banda, chegando ao primeiro posto na Inglaterra, sendo a última música do grupo a chegar lá. Seu arranjo e concepção são totalmente seguidores da estética de bandas sessentistas como The Kinks e Small Faces, uma fonte de inspiração que Blur já havia visitado em álbuns como Modern Life Is Rubbish (1992) e Parklife (1994). A letra fala sobre um período letárgico experimental pelo próprio Noel antes de iniciar o trabalho de escolha e composição das canções do novo álbum. Tudo funciona nela.

Mantendo a declaração de que todo álbum de Oasis traz umas três ou quatro canções muito acima da média, não dá pra desprezar o lançamento seguinte do grupo, Dig Out Your Soul (2009), que marcou o fim das atividades da banda e o surgimento de Noel Gallagher’s High Flying Birds (com o Gallagher mais velho à frente) e Beady Eye (formado por Archer, Bell e Liam), que, apesar de legais e interessantes na maioria do tempo, jamais alcançaram uma fração do sucesso e da emoção presentes em Oasis. Fica a torcida para um reencontro e consequente retomada do Rock grandioso, controvertido e generoso de outrora.

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ARTISTA: Oasis
MARCADORES: Aniversário

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.