Ash em Eterna Adolescência

Banda irlandesa sempre foi jovem e retorna com álbum inédito após nove anos

Loading

O trio norte-irlandês Ash é um caso raro dentro da topografia de bandas dos anos 1990. Em meio ao Britpop e ao boom do Rock Alternativo americano, os rapazes de Downpatrick preferiam olhar com carinho para os anos 1970 e suas bandas Punk, sobretudo Buzzcocks e Sex Pistols. É claro que não dá pra dizer que Tim Wheeler (guitarras e vocais), Mark Hamilton (baixo) e Rick McMurray (bateria) não estavam de olhos e ouvidos pregados nos canais de informação musical daquele tempo, ou seja, rádio, MTV e revistas especializadas. Em 1992, ano de formação da banda, com seus integrantes literalmente na adolescência, Ash surgiu como um elemento adoravelmente estranho dentro da lógica da época. Depois de uma carreira simpática, com alguns belos álbuns e singles, o grupo prepara-se para lançar seu primeiro álbum de inéditas desde 2007, quando soltou Twilight Of The Innocents. A música de Ash nunca foi facilmente classificável. Não é inteiramente Punk, é bastante Pop e não guarda qualquer semelhança com Grunge. É adolescente, arejada, barulhenta e melódica ao mesmo tempo. E tem personalidade.

Lembro-me perfeitamente de ver um clipe dos sujeitos lá por 1995 na MTV; Jack Names The Planets, completamente maluca e sensacional. Mesmo que não fosse, o título da música já valeria uma boa investigação sobre o grupo. Incluída no primeiro EP de Ash, Trailer, a canção chamou a atenção da imprensa e foi conquistando o público aos poucos. As poucas informações que chegavam aqui não mencionavam a banda mas, num sábado qualquer de 1996, ao fazer uma das incursões na pequena notável Spider, lojinha de discos que vendia e alugava CDs em Ipanema, Rio de Janeiro, dei de cara com Trailer e um disco, intitulado 1977. Tudo indicava que era a estreia dos caras, além do EP, claro, ambos importados. Convém uma pequena digressão sobre a Spider: foi lá que topei com boa parte dos grandes lançamentos britânicos de música dos anos 1990. Tudo de Oasis, tudo de Blur, tudo de Suede, além de singles de Björk, novidades de Ocean Colour Scene, Cast, Ride, Teenage Fanclub, a estreia de Ben Folds Five, sem falar nos letrônicos sensacionais, todos trazidos lá de fora e, claro, raríssimos por aqui. Ash era só mais um neste enorme manancial de música fora dos eixos. Como os valores eram elevados e a renda não acompanhava a oscilação de preços daqueles tempos sombrios, era necessário critério nas aquisições. Mesmo assim, os dois lançamentos dos irlandeses foram adquiridos sem piedade e ao mesmo tempo.

Voltando ao som dos jovens irlandeses do norte: 1977 tem início com o adorável ruído de um Tie Fighter. Se você não sabe o que significa, apenas digo que os sujeitos são fanáticos por Guerra Nas Estrelas, motivo pelo qual escolheram o ano de lançamento do filme para dar nome ao disco de estreia. Após a passagem da pequena nave de combate imperial, tem início a pancadaria sorridente de Lose Control, com impressionante aerodinâmica e capacidade de aliar distorção e melodia nas mesmas guitarras. A partir daí, a festa se estabelece no disco, principalmente em faixas como Kung Fu, Goldfinger, Angel Interceptor e na emblemática e bem sucedida Girl From Mars, que serviu para levar Ash ao mercado norte-americano. A canção fez tanto sucesso que chegou a fazer parte da trilha sonora do seriado Gilmore Girls. Com 1977, a banda estabeleceu suas bases, excursionou com Weezer e recrutou mais uma guitarrista, a simpática Charlotte Hatherley, e preparou-se para o segundo álbum, Nu-Clear Sounds. Antes disso, lançou um single que deu nome ao filme A Life Less Ordinary, estrelado por Ewan McGregor e Cameron Diaz. Foi a primeira participação de Charlotte com a banda, um sucesso absoluto.

Apesar do cenário favorável, algo saiu errado com o álbum. Uma péssima – e, até certo ponto, injusta – recepção da crítica fez com que o disco fracassasse retumbantemente e a banda viu a quantidade de shows reduzir drasticamente à medida que o ano de 1998 chegava ao fim. Canções boas, como Folk Song ou Wildsurf, passaram quase em branco. No ano seguinte, Tim Wheeler já estava afundado em drogas e chegou a estar desaparecido por algum tempo. A consequência imediata disso foi que a ascenção que Ash havia ensaiado a partir de 1977 precisou ser abortada e a banda se viu voltando para sua Downpatrick natal que, como toda cidade de 10 mil habitantes, havia entrado no mapa justamente por causa do sucesso do trio, mais precisamente para a casa da mãe de Tim Wheeler, onde passaram a ensaiar. Ali, de volta à mesma garagem onde haviam começado alguns anos antes, o quarteto encontrou forças para driblar o mau momento fazendo shows em pequenas casas noturnas locais e retomando a rotina de composições.

O desempenho do disco seguinte, Free All Angels, já foi bem melhor. Lançado em abril de 2001, o álbum recolocou a banda nos primeiros lugares das paradas independentes britânicas, impulsionado pelo primeiro single, Shining Light e pela curiosidade dos fãs em torno da própria situação da banda, uma vez que vários rumores davam conta do fim de suas atividades desde que voltara para a Irlanda do Norte. O bom desempenho nas listas de mais vendidos e tocados deu novo fôlego ao grupo que retomou a rotina de shows, porém com o cuidado de não se desgastar ou tentar algum passo maior que as pernas. Wheeler e seus asseclas não deixaram o hábito de compor e gravar canções de lado, caso de Envy, que foi parar na primeira compilação de singles lançada por Ash, Intergalactic Sonic 7″s, que foi para as lojas em 2002, reunindo, além dela, outras dezoito canções, celebrando o décimo aniversário da banda e reafirmando o talento dos rapazes (e da garota) no artesanato Pop. Também foi lançada uma versão em CD duplo, contendo outras 22 músicas, dando um panorama ainda mais preciso.

Os dois álbuns seguintes, Meltdown (2004) e Twilight Of The Innocents (2007) não conseguiram reeditar as boas performances da banda, ainda que guardassem belos momentos. O primeiro veio com uma pegada sonora bem mais pesada que o normal, com letras falando sobre satanismo e temas mais sérios, mas sua afinidade com Guerra Nas Estrelas aliviou a pressão, quando a canção Clones foi parar na trilha sonora de Republic Commando, um game da Lucasarts, inspirado na nova trilogia de filmes da saga imaginada por George Lucas. Ao fim 2006, Charlotte Hatherley deixaria a banda amigavelmente, fazendo com que Ash retornasse à sua forma original de power trio. Twilight… foi o gravado em Nova York e veio marcado por uma declação do grupo dizendo que era seu último álbum. Ao contrário do que pode parecer, Ash não estava encerrando suas atividades, mas declarando não mais acreditar no formado de CD/LP, preferindo, a partir dali, lançar singles. De fato, o trio cumpriu sua promessa a partir de 2009, quando começou a lançar um total de 26 novas composições, numa série batizada de A To Z Singles Series, que a manteve na estrada durante todo o tempo.

Essa lógica de lançar composições em vez de álbuns foi quebrada em fevereiro deste ano, quando o trio anunciou seu sexto disco, Kablammo!. O título é uma piada interna do grupo, uma palavra secreta que só existe na mente – ainda adolescente – de Wheeler, Hamilton e McMurray. A chegada do novo trabalho é um pequeno choque pois marca impressionantes 21 anos desde o lançamento de Trailer, o primeiro EP, mencionado lá no início desse texto, gravado quando os sujeitos tinham 17 anos de idade. Hoje, depois de lançar seis discos, duas compilações, enfrentar uma quase falência, drogas pesadas, desilusões e perder uma integrante, Ash ainda exibe contornos adolescentes em seu som. Sua assinatura sonora permanece intacta, unindo vigor e sensibilidade, totalmente ancorada na lógica barulhenta das guitarras e, com seus integrantes ainda abaixo dos quarenta anos de idade, se mostra como uma bela opção nestes tempos. Que venha Kablammo!!

Loading

ARTISTA: Ash

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.