A Trilha Sonora Perdida de David Bowie

“Low” permanece como um dos discos mais experimentais e importantes do camaleão da música

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Low

David Bowie permanece como uma das figuras mais enigmáticas e orgânicas que a música contemporânea já se deparou. Sua adaptação a diferentes ecossistemas sonoros, assim como a sua constante mudança estética visual o fizeram transitar pelos mais variados gêneros e estilos. A linha cronológica de seus lançamentos é facilmente compreendida em imagens do cantor e talvez, somente com a passagem do tempo possamos entender a importância de cada trabalho individual de sua carreira.

Low é mais uma das rupturas, normais e esperadas, de Bowie e representa o primeiro estágio de “trilogia de Berlim” que compreende também as obras ”Heroes” e Lodger, todos com pelo menos alguma relação com a capital alemã dividida até 1989. Essa trinca de obras compreende estágios de flerte e vanguarda sonora influênciados pela Música Eletrônica que em 1977 já caminhava como “som do futuro” pelos seus sintetizadores, como diz Giorgio Moroder em Giorgio by Moroder, faixa do Daft Punk. Representa também o primeiro estado da residência de David na cidade alemã (o disco foi gravado em Paris e mixado em Berlim Ocidental), fuga necessária para escapar dos vícios em cocaína acumulados na pecadora Los Angeles, marcante em seu disco anterior, Station To Station.

A primeira vista Low parece um disco usual do camaleão. Seu lado A compreende faixas que abraçam a voz icônica do cantor e um dos grandes sucessos de sua carreira, Sound and Vision, faz parte dessa metade da bolacha. Ao mesmo tempo, a faixa de abertura Speed of Life nos coloca em um filme espacial cheio de sintetizadores que nos remete aos momentos do extraterrestre Ziggy Stardust. O aspecto instrumental da faixa revelaria a direção como disco caminharia: instrumental e que deixa a voz de Bowie muitas vezes em segundo plano. Como Breaking Glass, composição cantada que dura menos de dois minutos ou What in The World, faixa inovadora com o uso de sintetizadores ao estilo chip-tune – que viriam a ser na década seguinte a escolha certeira para trilha-sonoras de jogos de fliperama.

As composições mais usuais passam pelo hit certeiro de Sound and Vision, dançante faixa que pede sempre uma pista ou a melancólica e linda Always Crashing In The Same Car, balada com o DNA de Bowie. Be Wife está entre as melhores músicas da carreira do cantor e parece acabar uma fase de sua carreira porque a faixa seguinte, A New Career in A New Town, último momento do lado A já nos coloca na rota instrumental novamente. A nova carreira na cidade nova é a solução dos problemas com drogas de Bowie e o abre para novas possibilidades. Não é a toa que o lado B do disco foi extremamente contestado na época de seu lançamento.

Com composições feitas para o primeiro filme de Bowie no papel de ator principal, O Homem que Caiu na Terra, a segunda metade do disco é a trilha-sonora perdida da película. Acabou sendo ignorada pelo seu diretor e não foi esquecida por David. Introspectiva, subjetiva e desconexa em relação a carreira do cantor é o início de uns dos momentos mais experimentais de sua carreira. Críticos da época torceram o nariz para Warszawa, música que poderia estar em Blade Runner alguns anos depois, ou à minimalista Art Decade, outra que Vangelis parece ter se influenciado bastante em suas composições cinematográficas posteriores.

A verdade é que poucos poderiam imaginar a importância que a escolha pelo experimentalismo artístico de Bowie causaria. Ao mesmo tempo, é em faixas como Weeping Wall e Subterraneans que podemos perceber como o trabalho era a frente de seu tempo – surgia em um momento da música que outros estilos pipocavam e efervesciam pelo mundo, como o Punk, Disco, New Wave, ou Hard Rock. A música Eletrônica e o uso de sintetizadores para confecção de camadas, texturas e até baterias parecia algo ainda robótico e distante, pertencente a Kraftwerk e Neu!. David escolheu desbravar essas fronteiras inesperadas criando uma trilha sonora à sua maneira e acabou influenciando uma geraçâo de músicos e bandas instrumentais. Joy Division, por exemplo, se chamava Warszawa por causa da famosa faixa de Bowie. Sua sensibilidade lhe abriu portas e composições feitas com Brian Eno (que não produziu essse trabalho) mostrariam o caminho de uma futura e certeira parceria com ex-tecladista de Roxy Music. Low mostrou novos caminhos em uma nova carreira na nova cidade para o cantor e permanece como um dos discos mais importantes de sua carreira.

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ARTISTA: David Bowie
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.