Venha Para A Luz, Chelsea Wolfe

Novo álbum da cantora norteamericana está prestes a ser lançado

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Confessem: quando pensamos em algum artista ou banda que se arvore a gravar canções soturnas, contemplativas, voltadas para o Lado Negro da existência, da noite etc. e tal, pensamos que sua origem seja alguma cidade nórdica ou alguma floresta na Bretanha, certo? Pois Chelsea Wolfe é norteamericana, e, quem diria, da Califórnia, terra do sol comportamental dos Estados Unidos, lar de várias pessoas alegres e saltitantes, que vivem na praia, ao sabor das ondas e dos ventos. É claro que estamos exagerando, mas, sinceramente, o extremo oeste americano é o último lugar no qual procuraríamos uma artista como Chelsea. Como isso aconteceu?

Chelsea tem 31 anos, nasceu em Sacramento, capital da Califórnia, e teve sua formação musical na própria família, uma vez que seu pai tinha uma banda Country. Mesmo que ela não tivesse qualquer interesse pelo estilo, foi beneficiada com a construção de um estúdio caseiro, no qual o grupo ensaiava e rabiscava algumas fitas-demo. Ali, aos nove anos, influenciada pela literatura gótica e pelo Pós-Punk inglês, Chelsea começou a fazer algumas gravações amadoras. Enquanto crianças da idade dela sonhavam em ser integrantes do Clube do Mickey, a menina começava a enveredar por outros caminhos, bem mais sombrios.

A carreira de Chelsea começaria, de fato, bem mais tarde. Em 2010, mais precisamente, quando lançou seu primeiro álbum oficial, The Grime And The Glow. O grande atrativo desse disco é a sua, digamos, portabilidade na hora de gravá-lo. Chelsea registrou as canções num gravador de oito canais, o que conferiu um espírito estradeiro às faixas, algo raro em se tratando de uma artista que tem influências que vão de PJ Harvey e Cocteau Twins, passando por Lacuna Coil, chegando a bandas nórdicas de Black Metal como Burzum , gente que não parece muito afeita a sair por aí registrando canções. De fato, reduzir a obra da cantora ao termo “gótico” é errado. Seu jeito peculiar de tocar guitarra, explorando possibilidades no instrumento e o alcance espectro sonoro a leva muito além de alguém que se veste de preto e murmura algo no microfone. Há uma estética poderosa e a maior malandragem de Chelsea é saber conectar tal pessimismo musical com um universo de sonho, lirismo e aventura Folk imemorial, mas também perceber que há parentesco suficiente entre tudo isso e o pessimismo industrial de gente como Nine Inch Nails, por exemplo.

Antes mesmo de registrar as canções de The Grime…, Chelsea Wolfe já gravara um álbum inteiro em 2006, o qual renega, chamado Mistake In Parting. O resultado foi tão contrário às expectativas, que gerou um hiato criativo de quatro anos até o lançamento de sua estreia oficial. Reza a lenda que essas músicas foram vendidas apenas na turnê de 2010, sendo um item raríssimo até hoje. A sequência veio com a chegada de Apokalypsis, realizado em 2011, responsável por iniciar um fiel culto de fãs e que, além de receber tratamento formal num estúdio, documenta uma mudança importante em sua vida, a mudança para Los Angeles. Considerado mais focado e capaz de oferecer mais contraste entre sombra, escuro e alguma luz enevoada, o álbum rompeu o preconceito underground e fez com que o nome da cantora fosse conhecido por muito mais gente. Mesmo conhecida por sua habilidade na guitarra elétrica, Chelsea lançaria, em outubro do ano seguinte, Unknown Rooms – A Collection Of Acoustic Songs, um disco low profile e acústico em seguida, na verdade, um tributo a canções Folk que forneceram informação e a influenciaram bastante. Na sequência, retomando o contato com a eletrificação, veio um disco ao vivo, gravado no Festival Roadburn, na Holanda, intitulado Live At Roadburn.

Apesar de Chelsea Wolfe já ser uma artista estabelecida e com assinatura própria em suas composições e álbuns, a, digamos, maturidade musical chegou ao álbum seguinte, Pain Is Beauty. A moral da moça já era tanta, que emplacou música na badalada série Game Of Thrones e se aventurou numa excursão pelos Estados Unidos, um mercado não muito receptivo ao tipo de sonoridade praticada por ela. Ao longo de sua carreira, não faltaram oportunidades para viajar pela Europa, notadamente mais afeita às tradições Folk’n’Dark, fazendo com que a turnê local tenha ganhado mais significado, além da qualidade impecável de Pain Is Beauty, que iniciou um flerte interessante com a Eletrônica, principalmente em canções como Sick, Destruction Makes The World Burn Better e The Warden, sem falar no hit Feral Love.

Estamos a poucos dias do lançamento de mais um trabalho de Chelsea, que atende pelo simpático título de Abyss. Algumas canções já deram as caras na internet e revelaram que o flerte com sintetizadores e Eletrônica continua, fazendo com que algumas nuances remetam a criações mais recentes de gente como Björk, sem qualquer sombra de fofura sonora. E quanto à Califórnia natal da cantora, o clipe de Carrion Flowers mostra que a imagem idílica do estado americano, hoje enfrentando uma severa escassez de água e vivendo uma realidade mais pra Mad Max, é coisa do passado. Chelsea surge em meio a paisagens desérticas, como uma aparição apocalíptica, porém serena, de alguém que veio para ajustar contas.

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ARTISTA: Chelsea Wolfe
MARCADORES: Redescubra

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.