Gary Clark Jr – Upgrade No Blues

Jovem bluesman às vésperas de lançar segundo disco de inéditas

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Estamos a um mês do lançamento de Sonny Boy Slim, o segundo álbum de inéditas de Gary Clark Jr. Sabemos bem que este jovem guitarrista, cantor, produtor e arranjador de Austin, Texas, é a mais promissora estrela em ascensão no estilo mais tradicional da música negra americana do século 20 e isso não é pouco. O Blues permanece como uma espécie de Santo Graal de verdade e relevância histórica mas, assim como seu parente próximo, o Jazz, carece de atualização e reinvenção urgentes. Há pouco menos de um ano, eu fazia a resenha do álbum de estreia de outro jovem artista do estilo, Benjamin Booker, e questionava, na abertura do texto, se havia possibilidade da existência do Blues, em face de fatores como o crescimento urbano, a globalização e outros fenômenos da contemporaneidade. É claro que, infelizmente, ainda não aprendemos a lidar com muitos dos agentes causadores da música entristecida e solitária, como a desigualdade, a injustiça e a danação por conta do amor não correspondido mas, mesmo assim, não dá pra esperar uma pureza estilística no Blues. Não no século 21.

Gary Clark Jr é um exemplo dessa gente que chega ao nosso século com a missão de recriar e reinterpretar o Blues. Gary cresceu tendo como objetivo tocar na cena musical de sua cidade, famosa pela pluralidade de estilos e pelo luminoso festival de música que sedia há tempos. Ele se aventurou nos mistérios da guitarra aos doze anos e ciscou em todos os terreiros possíveis até receber um voto de confiança de um dono de bar local, o Antone’s, o mesmo lugar que revelara Stevie Ray Vaughn e seu irmão, Jimmie, no início dos anos 1980. Após conhecer os frequentadores e tocar com vários deles, incluindo o próprio Jimmie Vaughn, que se tornou uma espécie de padrinho de sua carreira, Gary começou a desenvolver seus talentos como músico e aprimorar sua técnica como cantor. Nesse período de conhecimento de pessoas e estabelecimento de seus contatos, o jovem começou a chamar a atenção de muita gente. Ao longo dos anos 2000, Gary Clark registrou suas composições e covers em singles e EP’s independentes ou lançados por gravadoras locais. Nada comparado com o que estava por vir.

Em 2010, ninguém menos que Eric Clapton cogitou a possibilidade de levar Gary para seu festival Crossroads. Era a primeira vez que ele se apresentava para uma multidão desse tipo e essa foi sua oportunidade de mostrar o que vinha fazendo. A receita é de simples conceito, mas de execução complicada se alguém se dispõe a ser sincero: partindo do Blues, a música de Clark se apoia em quase tudo o que é possível conhecer morando na cidade, seja o Rock e suas variáveis, a música negra urbana – Soul, Hip Hop, o próprio Blues – e as influências de música eletrônica, ou seja, tudo. Tudo mesmo. A maior dificuldade é manter-se fiel às origens, no caso de Gary, sem dúvidas, o Blues de gente como Jimi Hendrix, Buddy Guy e Robert Cray, a vertente elétrica, urbana, que anda entre prédios de concreto, se aperta na condução, e enche a cara no bar da esquina. Não há escapatória.

Após participar pela primeira vez do Crossroads, as portas se abriram para Gary e logo foi fisgado por Sheryl Crow para cantar e tocar em sua versão para I Want You Back, de Jackson 5, gravada no álbum 100 Miles From Memphis, que ela lançou em 2010. Ele percebeu que não iria muito longe se restringisse sua presença aos setores mais tradicionais do Blues, partindo de peito aberto para as cenas Rock e Alternativa, como uma espécie de emissário do futuro do estilo, já no presente. Funcionou e logo ele se viu atrelado a essa imagem de renovador, papel que, convenhamos, ele desempenha com competência. A Warner o contratou logo após as apresentações no Crossroads e deu a Gary tempo e grana suficientes para adentrar um estúdio profissional e conceber seu primeiro álbum. Lançado no fim de 2012, Blak And Blu sintetizou influências e condensou o trabalho do sujeito até então, funcionando como um eloquente cartão de visitas de sua música.

O resultado veio com uma demanda massiva e contínua de shows nos Estados Unidos, com penetração e aceitação elevadas em festivais como Lollapalooza (Gary tocou aqui em 2013) e até na versão americana do Rock In Rio neste ano, em Las Vegas. O desempenho do álbum também fez bonito junto à crítica especializada, que o adotou e concedeu-lhe epítetos como “a nova esperança”, “o novo bandoleiro”, “a maior revelação da música Blues desde Jack White”, levando o próprio presidente Barack Obama a chamá-lo de “o futuro”. Convenhamos, o jovem Gary deve ter passado noites e mais noites flutuando de orgulho em quartos de hotel com tanto elogio. Eram absolutamente justos? A onipresença em shows televisivos na divulgação do disco, a aproximação com bandas como Foo Fighters e Black Keys, entre outras, cravam o espírito agregador da música do sujeito, sem perder sua personalidade. Incursões por R&B contemporâneo, baladas não-pegajosas e Hip Hop garantem a versatilidade da proposta. O Grammy abiscoitado em seguida serviu como a proverbial cereja no bolo.

A rotina na estrada tornou-se tão presente que levou Gary a lançar um disco duplo ao vivo em setembro de 2014, simplesmente chamado de Live. São quinze cacetas na lata do ouvinte, sendo dez originais e cinco covers, cobrindo o trabalho de mestres como Albert Collins, B.B King, Jimi Hendrix (a versão para Third Stone From The Sun é uma das marcas registradas de Gary desde o início da carreira) e Leroy Carr dão o pedigree necessário ao rapaz, que se encarrega de misturar tudo. Nesse espírito veio o anúncio do segundo trabalho, a ser lançado em setembro próximo. Gary se vale de seus dois apelidos na juventude, “Sonny Boy”, dado pela mãe em casa e “Slim”, advindo da vida na cena Blues de Austin. O roteiro do álbum é autobiográfico e ele se arvorou a produzir, arranjar, cantar, tocar, bater escanteio e cabeçear, tudo ao mesmo tempo e ainda chamou suas irmãs, Shawn e Savannah para os vocais de apoio.

Com o frescor da novidade e imerso num oceano de expectativas, o jovem Gary Clark Jr tem a missão, aos 31 anos, de levar adiante a tradição dos tempos idos e criar novos idiomas. Com serenidade, humildade e seriedade impressionantes, ele segue firme nesse propósito e nós somos seus beneficiários nessa busca. Que venha mais um capítulo da história de Sonny Boy Slim.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.