2015 e Seus Discos Que Já Marcaram Época

Alguns dos álbuns que devem resistir ao passar dos anos

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Fotos: Na foto, Kendrick Lamar: dono de um dos melhores discos de 2015

Passamos já da metade de 2015 e podemos dizer que esse é um ano ímpar. Não só pela questão numérica (é claro), mas por todos os lançamentos que vimos nascer até agora. Desde janeiro, tivemos discos muito bons, discos incríveis e discos “épicos”, daqueles que ainda falaremos daqui a vários anos como aquelas obras que marcaram não só o ano, mas uma época.

Claro que álbuns como No Life For Me (Wavves e Cloud Nothings), Solar (Lucas Arruda), Universal Themes, In Colour (Jamie xx), How Big How Blue How Beautiful (Florence + The Machine), Chrissybaby Forever (Christopher Owens), Saturns Pattern (Paul Weller), Dancê (Tulipa Ruiz), Carbono (Lenine), Bixiga 70 (Bixiga 70), Fortaleza (Cidadão Instigado), Sobre A Vida em Comunidade (Mahmed), Primrose Green (Ryley Walker), Carrie & Lowell (Sufjan Stevens), Short Movie (Laura Marling), I Love You, Honeybear (Father John Misty), Vulnicura (Björk), On Your Own Love Again, (Jessica Pratt), No Cities To Love, de (Sleater Kinney), e At Least For Now (Benjamin Clementine) são ótimos e vão pleitear o topo das listas de melhores do ano. Mas acho bastante improvável que, no ritmo em que a produção fonográfica acontece em nossos dias, eles sobrevivam ao teste do tempo como obras que marcaram sua época ou que revolucionaram alguma coisa, seja na indústria da música ou no mundo das artes.

Essas quatro obras, porém, fogem desse paradigma e podem mostrar-se bem mais resilientes ao tempo que esses já citados. São discos que, mesmo com um curtíssimo tempo de vida, já mostram-se “épicos”, não só no sentido da alta qualidade e de subir a média das produções atuais em muitos pontos, mas também de, a curto prazo, ditar o rumo que obras de seu estilo irão seguir. Desvencilhando-se de qualquer hype momentânea, essas são aquelas obras que chegam para chacoalhar o status quo da Indústria e talhar à martelo e cinzel seu nome na história da música atual.

Alabama Shakes – Sound & Colour

O primeiro disco dessa seleção é sem dúvidas um dos álbuns de Rock mais bem construídos dessa década. Se havia alguma duvida a ser levantada quanto a qualidade e capacidade do grupo se superar depois de um debut tão bem falado como Boys & Girls, essa obra chega para saná-la e sacramentar de vez o quarteto como um dos grandes expoentes do gênero.

Sound & Colour é um daqueles discos de se cair o queixo e se pegar pensando em meio à audição como é que quatro pessoas do meio do Alabama conseguiram dar tanta alma para um som criado há pouco mais de meia centena de anos. A alquimia sonora de Britanny Howard e companhia é surpreendente e consegue um efeito ainda mais “maravilhante” ao trazer os elementos primordiais do Rock de volta ao gênero sem fazer de sua obra algo datado. Nada de som retrô, hipster ou algo do tipo. Aqui tem música boa de verdade e que consegue superar qualquer rótulo ou o patamar alcançado simplesmente com o domínio de uma técnica ou estilo.

“Tudo nele é equilibrado, bem feito, bem tocado, bem produzido e feito com tanto esmero que dá gosto não só de ouvir, mas de pensar no processo de concepção e gravação das canções. É um álbum cheio de referências a um passado suspenso no ar; um tempo – que me pergunto se realmente existe/existiu – no qual habitam mitos do Rock, do Soul, do Blues, todos em harmonia, vivendo juntos e se influenciando mútua e constantemente, num efeito constante de causa de consequência. Talvez isso seja apenas uma espécie de Shangri-lá musical para o sujeito na meia idade, mas o que importa aqui é a capacidade do grupo de Athens, Alabama, em elevar tais sonoridades originais a um patamar de ‘maiores que a vida’”, disse Carlos Eduardo Lima em sua resenha.

Tame Impala – Currents

Talvez esse seja o disco menos unânime do grupo australiano, mas, sem dúvidas, é o que gerou maior discussão (e expectativa) em seu entorno, desde o processo de produção, primeiras entrevistas e singles, até finalmente seu lançamento. Depois de Kevin Parker e companhia se estabelecerem quase como divindades do Rock atual com Innespeaker e Lonerism, havia por parte do público uma ideia já quase pré-estabelicida de como seria seu terceiro disco: mais um bom exemplar do Rock Psicodélico retrô. Em Currents, não é bem isso que vemos e tenho a impressão que essa mudança vem não apenas por uma escolha estética ou pelo desafio de quebrar paradigmas, mas parece haver aqui um chamado espiritual (e não estou falando exatamente no sentido metafísico da coisa) para que ela ocorresse, para se abraçar novos elementos e explorá-los com a mesma liberdade que o Rock Psicodélico dos anos 60 foi tão bem retrabalhado pela banda nos álbuns anteriores.

Se em Innespeaker Kevin cantava “There’s a party in my head and no one is invited/And you will never come close to how I feel” (Solitude is Bliss), agora ele diz calmamente “There is a world out there and it’s calling my name /And it’s calling yours, girl, it’s calling yours too” (Yes I’m Changing). A letra toda dessa canção é belíssima e é quase premissa do disco como um todo, de uma obra que se mostra tão diferente das demais. Mas não é a mudança, no sentido do novo set up instrumental ou na mensagem, que faz o disco tão bom. Seja alocado em todo esse contexto criado pela banda ou longe de conexões com seu passado ou com todo o universo de novos grupos que surgiram graças a Tame Impala, Currents é um daqueles discos que exploram sentimentos universais – que contemplam desde o medo até a aceitação de uma mudança dentro de nós.

“É inegável que, naturalmente, pela nova escolha de materiais para compor sua mensagem, ela passará a ser mais aceitável para um público que há tempos não está mais acostumado a ouvir guitarra. O australiano é um fã assumido da boa música Pop – participando recentemente de um dos discos de maior sucesso da atualidade, do produtor britânico Mark Ronson – e nunca escondeu sua vontade de trazer elementos dela cada vez mais para sua música. O próprio, em uma entrevista recente, resumiu sua relação com o público que pode estranhar as mudanças dizendo saber que haverão fãs de seus trabalhos antigos que não gostarão de Currents pois já tem seus valores musicais muito bem definidos, mas completou: ‘Se eu conseguir convencer alguns fãs de Rock que sintetizadores oitentistas podem combinar com uma percussão anos 70 – se eu conseguir ajudá-lo a enxergar além do cubículo do Rock Psicodélico tradicional – pelo menos uma de minhas missões foi cumprida’”, afirmou Lucas Repullo em seu texto sobre a obra.

Kendrick Lamar – To Pimp A Butterfly

Um disco épico é não só aquele que desbrava o interior de seu criador, mas também um que capta o zeitgeist, que consegue olhar para a sociedade como um todo ao mesmo tempo em que olha para dentro de si mesmo. Assim é a epopeia de Kendrick em seu terceiro álbum, uma análise precisa da comunidade negra (não só) na sociedade norte-americana, assim como uma narrativa envolvente que tem como seu protagonista um personagem tão interessante quanto o próprio rapper. Micro e macro se misturam em uma visão abrangente, ainda que individualizada em uma linha narrativa que abrange fama, dinheiro, família, amizade, vaidade, sedução, aceitação e redenção, tudo feito através das excelentes rimas de Lamar.

Sobre o tal espírito do tempo, é inegável que o disco capta toda a tensão racial que toma conta de nossas sociedade. Casos de Baltimore e Ferguson são penas porta-estandartes ou os episódios que saíram fora do controlo daqueles que negam essa tensão e tentam esconder em baixo dos panos ou maquiar a situação. Kendrick coloca o dedo na ferida e põe novamente o assunto em pauta com faixas quase contraditórias (The Blacker The Berry e i), mas que expõem os dois lados da mesmo moeda: o ódio e amor que só quem vive esse conflito sabe o que significa.

Ao mesmo tempo, Kendrick desafia-se musicalmente a fazer um disco de Rap que supere as barreiras do próprio estilo. Há Funk, Soul, Jazz, R&B, a poesia falada de Gill-Scott Heron e outros elementos da música negra aqui, há alma, há um verdadeiro poeta que sabe se adaptar ao ambiente para passar sua massagem. Essa quebra dessas barreiras e uma mensagem forte é o que tem tornado o rapper um verdadeiro porta-voz de sua geração.

“A analogia presente no título de seu terceiro álbum diz muito sobre a obra como um todo, muito mais do que poderíamos imaginar. O desabrochar de uma lagarta em uma borboleta, ou seja, a transformação de um inseto quase imperceptível para um ser que encanta a todos é semelhante à passagem de vida do rapper: das ruas para o sucesso. É também a história fictícia de muitos negros nos EUA que não conseguem simplesmente obter algo que pode ser simples para muitos: o reconhecimento. Logo, a obra como um todo flui por todo o egocentrismo de Kendrick , mas pode ser extrapolado para algo muito maior, e é nesta apropriação que ela cresce e merece todos os elogios que vem recebendo”, disse Gabriel Rolim.

Kamasi Washington – The Epic

Batendo na tecla do zeitgeist novamente, é perceptível nos últimos meses um ar de mudança quanto ao Jazz. Não digo quanto à sua formulação ou (ainda mais) novos subgêneros surgindo para pegar um filão das rádios, mas de uma percepção diferente do público quanto a ele. Pouco a pouco, o gênero foi se mesclando em outras tantas obras e sendo resgatado novamente ao mainstream. Basta ouvir obras como You’re Dead!, de Flying Lotus, ou mesmo To Pimp A Butterfly, de Kendrick Lamar, para notar isso. E sabe o que mais essas obras têm em comum, além da primazia com que foram produzidas? A presença de ninguém menos que Kamasi Washington.

O saxofonista que participou dessas obras-primas também criou em sua primeira empreitada solo um monstro jazzístico que deixa qualquer um de queixo caído. Não à toa, eu diria que The Epic é uma porta de entrada e tanto para quem quer conhecer mais do estilo, principalmente para aqueles conhecem John Coltrane ou Miles Davis apenas por nome. Esse não é um tributo, mas uma aula de como se fazer Jazz no século 21, um verdadeiro “épico”.

Didatismos à parte, esse é um ambicioso álbum que, durante suas quase de três horas de duração, consegue atrair atenção do ouvinte, consegue cativa-lo e emociona-lo como poucos outros conseguem. Fora a aula de Jazz, esse é um disco que capta a essência do estilo representada em várias outras obras fora do gênero e as condensa em um só lugar, como um ponto gravitacional com massa tão adensada que está prestes a explodir – e quem sabe propiciar um novo Big Bang do Jazz. Mais que um simples representante do estilo, The Epic é uma verdadeira obra-prima do Jazz e certamente merece um lugar no pináculo onde habitam Coltrane, Hancock, Davis e Parker.

“Nomear um disco como The Epic pode parecer de início algo bem arrogante por parte de Kamasi Washington e, de fato, seria bem pretensioso chamá-lo assim se o que o saxofonista entregasse não fosse nada menos que “épico”. Sim, o resultado deste álbum não tem nada a ver com orgulho ou vaidade, mas com o reconhecimento de um trabalho realmente heroico”, escrevi enquanto resenhava esse álbum.

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Apaixonado por música e entusiasta no mundo dos podcasts