The Libertines: De Volta Após Onze Anos

“Anthem for a Doomed Youth”, terceiro álbum do grupo, sai em setembro

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Era mais provável um OVNI pousar num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico do que surgir a notícia dando conta de um novo álbum a ser lançado por The Libertines. Contra todas as possibilidades, esta informação surgiu no início de julho último afirmava que Anthem For A Doomed Youth, o terceiro trabalho do quarteto inglês, veria a luz do dia em setembro de 2015, mais de dez anos depois do último álbum lançado por eles, homônimo, mais precisamente, em 2004, ser eleito por uma multidão de fãs como o segundo melhor disco britânico daquele ano. Não é exagero dizer que há uma relação de equivalência entre The Strokes e The Libertines, como pontas de um mesmo iceberg musical, com origens ainda no fim do século passado, mas apenas um desses grupos avançou e definiu padrões. O outro, não.

Carl Barât (guitarra e voz) e Pete Doherty (guitarra e voz) são os pilares da banda, que surgiu a partir do encontro dos dois ainda em 1997. Temperamentais, jovens e talentosos, Carl e Peter moraram juntos, largaram suas faculdades, trabalharam em funções miseráveis enquanto maturavam suas capacidades como compositores e músicos. Em um período de três anos, passado nos subterrâneos da cena roqueira de Londres, a dupla conheceu John Hassell, que assumiria as funções de baixista, primeiro informalmente, depois em caráter definitivo. Cogitaram adotar o nome de The Albions mas optaram por The Libertines, a partir de um conto do Marquês de Sade. Foi preciso que a viabilidade comercial de The Strokes fosse percebida no outro lado do Atlântico para que gravadoras tivessem a certeza de que era possível pensar em bandas com instrumental mais enxuto, fazendo música Pop de guitarras, simples, nervosa e inquieta. Com um arsenal de oito canções gravadas numa fita demo, com a qual batiam nas portas de bares, boates e gravadoras, o grupo tornou-se conhecido. Com a chegada do baterista Gary Powell, a configuração de músicos estava definitivamente estabelecida.

O primeiro disco lançado pelos sujeitos chamou-se Up The Bracket. Com a presença de bandas como The Stokes e The Vines na Inglaterra, divulgando seus primeiros trabalhos, ficou mais fácil integrar essa espécie de bonde garageiro do terceiro milênio. A gravadora Rough Trade, que já detinha o passe dos americanos para lançar os primeiros singles deles no Reino Unido, se interessou por aqueles quatro sujeitos, ingleses até a medula, com uma proposta que poderia significar uma espécie de neo-Britpop, uma vez que eles propunham barulho e guitarras altas, mas não abriam mão das referências mais clássicas e nacionais – The Jam, Sex Pistols, The Clash – como tinham especial atenção com as composições e a melodia. Não foi difícil, por exemplo, para Mick Jones, o segundo em comando no próprio The Clash, assumir a cadeira de pilotagem no estúdio e produzir este primeiro trabalho. Pouco antes do lançamento, o single What A Waster antecipou o disco, produzido por outro medalhão, Bernard Butler, ex-guitarrista de Suede. Com as gravações do álbum adiantadas e o sucesso desta canção, The Libertines entrou com pé firme no circuito de shows, abrindo apresentações de gente como Morrissey e Sex Pistols. O caminho estava aberto.

Com músicas como Time For Heroes, a faixa-título e Boys In The Band tocando em rádios e computadores do mundo, puxando as vendas do álbum pra cima e fazendo com que ele fosse lançado em vários países – inclusive aqui – faltava para pouco para que The Libertines surgisse como uma banda de nível mundial. A trajetória do grupo seria afetada seriamente a partir dos problemas trazidos pelo consumo de drogas por parte de Pete Doherty. Usando cocaína, crack e heroína, o sujeito começou a perder a confiabilidade para compromissos diversos, entre eles, shows, entrevistas e aparições na TV, além de perder gradativamente a habilidade para compor novas canções. Mesmo assim, a banda embarcou para os Estados Unidos visando promover o trabalho e gravar algumas novas composições, ainda embrionárias. A partir daí o relacionamento entre Doherty e Barat começou a ruir. Teve início uma lógica de “não andar com os amigos doidões” de Doherty, empreendida por Barat, agravada pela decadência visível por parte de Doherty, iniciou algumas gravações solitárias, que iriam se transformar no material de sua banda alternativa, Babyshambles. Esse foi o grande motivo do grupo terminar seus compromissos promocionais como um trio, uma vez que Pete estava preso desde setembro por porte de drogas. Com a saída da cadeia, promessas de abandonar o vício e assumir responsabilidades, a relação entre os integrantes ganhou novo fôlego, mas não por muito tempo.

As gravações para o novo álbum já se iniciavam e Bernard Butler vinha novamente como produtor, mas ele e Doherty tinham péssimas relações e todos os tipos de discordância. A saída de Butler se deu em pouco tempo e as sessões prosseguiram, com a presença conciliadora de Mick Jones, que terminou por assinar novamente a produção de um disco do grupo mas Pete tornou a mergulhar nas drogas, dessa vez de forma ainda mais intensa. O grupo e Jones levariam as gravações, bem como mixagem e masterização sem sua presença, uma vez que ele tentaria reabilitar-se em várias clínicas, incluindo uma instituição na Tailândia. Enquanto o novo álbum era lançado emfins de outubro de 2004, Barat e Doherty praticamente romperam relações mas as letras deste foram responsáveis pelos melhores momentos do disco, particularmente Last Post on the Bugle, The Man Who Would Be King e The Saga, tendo na capacidade de compor obras que falam da vulnerabilidade humana diante das adversidades e da tão conhecida dificuldade em lidar com a exposição e a ausência de limites, ambas trazidas pela fama. Os singles Can’t Stand Me Now e What Became Of The Likely Lads tiveram bom desempenho nas paradas de sucesso, mas The Libertines caminhavam para um hiato com duração indeterminada. Com a relutância por parte da banda em ter Pete de volta, ele deu asas ao projeto paralelo, Babyshambles.

Essa pausa duraria longos seis anos. Os integrantes mantiveram-se ativos entre projetos paralelos e alternativos, mas a sensação de que havia muito mais a criar como The Libertines sempre deixou uma porta aberta para a retomada, que se insinuou com a participação no Festival de Reading de 2010, com uma apresentação para tirar o atraso de tantos anos. Apesar do sucesso e de várias oportunidades para uma turnê de retorno, a banda não voltou definitivamente. Tanto Barat quanto Doherty e os outros integrantes do grupo tinham compromissos e preferiram deixar novamente a oportunidade de voltar ao estúdio para gravar novo disco e planejar uma excursão para o futuro, que tornou-se mais palpável em 2014. The Libertines aceitaram o convite para tocar no Hyde Park e para mais dois concertos na Inglaterra, dando a entender que estavam em atividade mais uma vez, com Doherty completamente livre das drogas. Novos shows vieram no início deste ano, inclusive em festivais na Escócia e no México e, finalmente, rumores de que o quarteto estava gravando um novo álbum tomaram corpo.

As gravações para Anthems For A Doomed Youth tiveram lugar na Tailândia, país que abraçou Doherty em seus momentos mais barra pesada e que possibilitou sua recuperação, com os trabalhos de mixagem, masterização devidamente encerrados em junho. Pouco depois vieram as primeiras canções resultantes deste novíssimo período: Gunga Din, Barbarians e Glasgow Coma Scale Blues, comprovando que o estilo foi conservado ao longo dos anos, com crueza e melodia em doses equivalentes. O novo álbum coloca fim a onze anos de pausa, com a banda na ponta dos cascos, provavelmente sentindo o frio na barriga tão típico nessas ocasiões. Como o tempo é um eterno looping de possibilidades, a cena musical de 2015 talvez se sinta renovada mais uma vez pela presença de alguma formação enguitarrada e disposta a revisitar tradições barulhentas no Rock. É uma aposta, mas daquelas bem seguras.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.