Acabou A Era Do Rádio?

Fator “ouvinte” não muda em meio às novas tecnologias

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Quando eu começava a me interessar por música, lá no início dos anos 1980, uma das minhas canções favoritas era Radio Ga Ga, do quarteto inglês Queen. A letra fala sobre um mundo novo, sob o domínio da MTV, que entrara em operação menos de três anos antes, redefinindo alguns parâmetros para a divulgação da música no planeta. O clipe, cheio de referências ao longa-metragem Metropolis, do diretor alemão Fritz Lang, reforçava a ideia de um paradoxo temporal, uma espécie de futuro do passado, no qual o rádio, por mais demodê que pudesse ficar, teria assegurado seu lugar no coração das pessoas. Outra passagem que me ocorre, reforçando o carinho que as pessoas têm pelas ondas curtas vem de um livro do escritor inglês Arthur C.Clarke, no qual dois astronautas, na superfície de um planeta ocêanico, por volta do ano 4000, depois do fim da Terra, conversam à distância por meio do rádio, o único sistema de comunicação que funcionava naquele ambiente inóspito. É outra declaração de amor/medo de que o futuro nos leve o que é mais familiar.

Os livros de Clarke têm em comum um realismo científico que faz com que as histórias, apesar de ambientadas com situações fantásticas, pareçam coerentes e críveis. Não sei se ele ou Roger Taylor, baterista do grupo inglês Queen, ao escrever a letra de Radio Ga Ga podiam pensar que na primeira década do século 21, teríamos algo como o streaming. Não dá pra saber também se ele é capaz de jogar o velho rádio para o baú irreversível dos fatos históricos. Mais ainda, não podemos – ainda – saber se ele será capaz de substituir as ondas curtas na acessibilidade desfrutada por elas hoje. Todo mundo, literalmente, tem acesso a um sinal de rádio e pode ouvir estações no raio de cobertura das antenas transmissoras e receptoras, sem Internet. Pelo menos por enquanto, ainda não há termo de comparação.

A ideia do texto não é esmiuçar os serviços de streaming disponíveis pela Internet. Cada um tem o seu preferido por motivos variáveis, mas é preciso pensar sobre o que significa utilizar este serviço como sua única ou mais importante fonte de informação sobre música. Na verdade, a questão informativa é discutível, o papel e a possibilidade é que não mudam. Sempre há meios de obter informação sobre qualquer assunto e, convenhamos, nunca foi tão aparentemente fácil conhecer qualquer tema e música não é uma exceção a esta regra. O que antes era feito por publicações especializadas e periódicas, TV e rádio, agora é feito basicamente pela Web. Gosto de usar um termo bobo que é a “terceirização da cultura” por parte da grande rede e admito que é uma expressão preconceituosa e temerosa por um futuro em que haja uma grande redefinição de parâmetros. Muitos gostam de pensar que isso já está acontecendo. De fato, é possível cravar que a tendência é a informação circular prioritariamente na grande rede, deixando os meios convencionais cada vez mais esvaziados até que, simplesmente, deixem de existir em favor de intermináveis blogs, sites, serviços, tudo circulando pela Rede a altíssima velocidade, totalmente atualizados com o que acontece neste momento. É bem melhor. E a música? Onde fica nisso tudo?

Bem, depende de você. A Apple vem com força para este segmento através da Apple Music, que é uma espécie de união do ontem, com o hoje, tudo ao mesmo tempo agora. O serviço propõe várias emissoras de rádio ao redor do planeta, cada qual no seu segmento, com gente de carne e osso por trás, influenciando nas programações, oferecendo conhecimento e colocando em prática a lógica de tocar música que o ouvinte deseja. Se você é um aficcionado por Rock inglês dos anos 1980, a idéia é que haja alguém com autoridade no assunto em alguma emissora, à disposição para você ouvir toneladas de canções de zilhares de artistas daquele período e gênero musical. Serão rádios por recorte de lugar, tempo e gênero, disponível para audição em streaming. Isso pode, no devido tempo, substituir definitivamente o papel informativo do rádio, se é que ele ainda possui algum. Você sabe, existem as valorosas webradios, que levam adiante a ideia de que é possível a existência de vida inteligente por trás dos microfones e elas funcionam no computador, no celular, sendo ainda impedidas de substituirem as emissoras convencionais somente por não serem captadas nos automóveis. Podemos afirmar que os meios de transmissão da internet são o grande obstáculo para que a revolução não se instaure de vez.

Se dispuséssemos de meios para transmissão e propagação dos sinais da internet em toda parte, sem custo elevado, com qualidade e democraticamente, não haveria qualquer motivo para os meios convencionais ainda existirem e me refiro a praticamente tudo o que existia em termos de comunicação há, vejamos, no máximo dez anos. É fato que já podemos assinar serviços revolucionários, que nos oferecem grande quantidade de produções de cinema e TV, por que não pensar que isso é possível com as antigas emissoras de rádio? A ideia da Apple vai de encontro a este questionamento e promete, desde que democraticamente levado a todo mundo que tenha um smartphone em mãos, mudar paradigmas no mundo.

Um ator deste cenário não muda: você. Como falamos acima, nunca foi tão aparentemente fácil obter informações sobre música, ter acesso a detalhes de lançamento de álbuns e singles com simultaneidade, além de trânsito livre para ouvir as novidades, sejam de ano forem, com pouco esforço. Você, no entanto, precisa estar disposto/a a isso. Não se deixe aprisionar pelo conteúdo que a velha mídia te oferece. Parece que as programações da emissoras de rádio não mudam há décadas. As mesmíssimas canções, dos artistas de sempre, são veiculadas todos os dias. Quando há novidades, seguem os velhos padrões de jabá e gosto duvidoso dos velhos dias, criando modismos emburrecidos, nos quais estão inseridas pessoas que não prestam atenção no que acontece de fato. Se você colocar em prática o seu gosto musical, seguir sua intuição, encontrar uma rede de blogs e sites que te alimentem de informação para você ir atrás das músicas e bandas que vão se comunicar diretamente contigo, configura combinação impossível de ser batida, até mesmo pelas mais poderosas estruturas.

Não se trata de cultuar a tecnologia, até porque ela não é nada sem as pessoas. Eu mesmo ainda tenho certo preconceito com os serviços de streaming, acho que fica injusto para com os artistas – mas este é assunto para outro artigo – que precisam de mais grana para continuarem produtivos e relevantes e esbarram na escassez de oportunidades para gravar discos, lançar e … tocar no rádio e TV. Sim, eles ainda são os maiores fiadores do sucesso de uma banda ou cantor/a no mundo e, por mais cliques e inclusão em playlists daqui e dali, o objetivo é chegar à maior quantidade possível de gente. Já imaginou se essa lógica é subvertida? Se, de alguma forma à la Matrix, isso deixa de ser monetariamente importante? Isso depende da gente, de você que ouve e de nós, que estamos aqui para te dar direções, falar sobre e pensar no assunto. Uma coisa é certa, nunca foi tão possível mudar e o mecanismo para isso ainda está relativamente ao nosso alcance. Bora? Seja no streaming, no mp3, no CD ou nos velhos LPs , o negócio é ir atrás do que se gosta, com curiosidade e mente aberta.

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ARTISTA: Queen
MARCADORES: Discussão

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.