Cícero: “A Intimidade Daquela Pessoa Chega na Sua Intimidade”

Quatro anos após seu lançamento, disco de estreia do carioca segue fazendo companhia aos ouvintes

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Sabe aquele disco lançado há algum tempo que você carrega sempre com você em iPod, playlist e coração, mas ninguém mais parece falar sobre ele? A equipe Monkeybuzz coleciona álbuns assim e decidiu tirar cada um deles de seu baú pessoal e trazê-los à luz do dia. Toda semana, damos uma dica de obra que pode não ser nova, mas nunca ficará velha.

Canções de Apartamento

Um lado bom da introspecção é encontrar boa companhia em filmes, livros, séries e, é claro, músicas que te falam sobre você de uma maneira que você não saberia dissertar sobre si mesmo para os outros, mesmo para pessoas próximas. Há quatro anos, Cícero virou melhor amigo de muita gente com uma coleção de dez músicas que entrou para a história dele como seu primeiro álbum e para a nossa como mais um lugar para irmos quando precisarmos “conversar”.

“Acho que a gente vem passando por um momento em que tá todo mundo reavaliando a solidão”, ele me contou poucos meses depois do lançamento, “acho que quando você se identifica com uma música de uma pessoa em níveis bem íntimos, a intimidade daquela pessoa chega na sua intimidade, tem uma ligação ali que talvez você não encontre o tempo todo no ‘mundo real’. Acho que as pessoas viraram muito personagens delas mesmas”.

Essa perspectiva colocou um combustível extra na minha própria leitura de Canções de Apartamento, até mesmo do título. O “apê” virou um lugar imaginário para essa introspecção (“o confinamento urbano como cenário – prisão onde se libertam os sentimentos mais íntimos”, escrevi na época) enquanto os personagens do disco (Cecília, Dindi, João – o do Pé de Feijão – e os outros interlocutores) são as projeções de nós mesmos e dos coadjuvantes das histórias que vivemos.

Nossas tramas podem ser complexas (cada um conhece a sua), mas ficam mais fáceis de lidar em cenários tão prosaicos (ou “belos e vulgares”, se preferir). É o café, o interfone, a gaveta, a sexta-feira, o decorar com fitas, o Carnaval, o “ver um filme, ter dois filhos, ir ao parque, discutir Caetano, planejar bobagens e morrer de rir” do hoje, do que já foi um dia, ou das saudades do que nunca aconteceu. Quando chegam as metáforas (emprestar neblina, pessoas de algodão), elas conseguem ser tão concretas quanto os outros elementos.

Canções de Apartamento é um livro que você pega para folhear de vez em quando, um filme que já viu diversas vezes e dá vontade de ver só aquela cena ou outra de tempos em tempos. E isso acontece porque a identificação com ele é em um nível pessoal que só pode ser atingido em uma obra quando o artista é sincero o suficiente para fazer da sua arte esse instrumento de diálogo de sua alma diretamente com o ouvido de quem a consome.

Para reavaliar solidões e desfrutar solitudes para lembrar que “o coração só precisa de ar (e deixar)”.

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ARTISTA: Cícero
MARCADORES: Fora de Época

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.