Faz de Conta: Bandas de Ontem Hoje

Que nomes do passado se dariam bem se surgissem agora?

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Escrever sobre música é bom. Escrever sobre música em um veículo que tenha inteligência e sensibilidade para propor pautas interessantes, convenhamos, é bem melhor. É o caso do Monkeybuzz e aqui não vai qualquer intenção de enaltecer o próprio time ou algo assim. Além de artigos, resenhas e demandas mais usuais do jornalismo cultural especializado em música, chegam textos que podem exigir alto grau de viagem na maionese, de exercício mental para chegar nas mirabolâncias propostas. Este aqui é um bom exemplo: chega no e-mail do articulista o seguinte pedido: que bandas de antigamente dariam-se bem hoje? Seja na estética, seja na mentalidade “do it yourself”, sem limite de escolha, vai lá, garoto, se vira aí, manda brasa, cai dentro e demais eufemismos para “faça”. Não há do reclamar, pensar é o melhor meio para escrever um texto e, neste caso aqui, não há como fazer diferente. Que bandas do passado, eu pergunto, aproveitariam bem e se sairiam melhor ainda nestes tempos de hoje?

O primeiro requisito que estabeleci foi identificar bandas que, em seu tempo, romperam com os padrões vigentes. Pessoas que não estavam inseridas em seu contexto, então, procuraram novos parâmetros com criatividade e desejo do novo, que, já sabemos, sempre vem. Outro ponto importante na escolha foi o encerramento de atividades já há, pelo menos, vinte anos. Uma destas bandas fura levemente esta proibição, mas há uma boa justificativa para incluí-la mesmo assim. O terceiro postulado passa, necessariamente, pela capacidade de fazer sucesso, não só de crítica, mas de público. Seria bastante fácil escolher alguma formação obscura dos anos 1960, revolucionária e dizer que hoje seria mais propício porque tal banda estaria vivendo um ambiente de maior liberdade e recurso tecnológico para divulgar e convencer o público de seu valor, enquanto, lá nos anos 1960, não fora devidamente compreendida pela mentalidade vigente. O último item a ser considerado é evitar escolhas apenas por nostalgia. As bandas aqui relacionadas estariam fazendo música nova hoje, provavelmente muito diferente do que fizeram no passado, por tanto, nada de choramingar pelos tempos idos. A ideia é outra por aqui. Com estes parâmetros em mente, cheguei a cinco nomes, com auge de sucesso nas décadas de 1960, 70 e 80. Bandas que encerraram suas carreiras por desgaste, por briga de egos, por morte de integrantes-chave. Gente que chegou a colocar músicas nas paradas de sucesso, lotou estádios, gerou tendências e que serve de influência até hoje para novos artistas e grupos que se aventuram nessa coisa de fazer música Pop. Certamente há outros, mas estes nomes aqui são bem representativos e fariam bonito hoje. Ou amanhã.

Queen

Sim, a banda de Freddie Mercury. Não estamos levando em conta o arremedo de espetáculo que os integrantes ainda no grupo, a saber, o guitarrista Brian May e o baterista Roger Taylor, levam ao redor do mundo, com o lamentável Adam Lambert nos vocais. Falo do grupo dos anos 1970, que partiu do Hard Rock vigente em seu início, incorporou elementos de teatro, bem ao feitio do Glam de David Bowie e Roxy Music e inventou uma variação do estilo, algo que só pode existir por causa de Mercury. Talentoso pianista e compositor e extraordinário vocalista e showman, Freddie era um colosso, um cara fora de série. Sua presença na banda permitia que os integrantes funcionassem mesmo como partes complementares, fornecendo equilíbrio entre o peso das guitarras e da bateria, com o lirismo e a ourivesaria Pop de baladas derramadas perfeitamente compostas. Para comprovar, você pode ir direto à trinca de álbuns lançada pelo grupo entre 1975 e 1977, um por ano, e comprovar: A Night At The Opera, A Day At The Races e News Of The World. Todos os elementos que fizeram a banda ser Pop, criativa, meticulosa e aventureira estão lá. Se Mercury ainda estivesse vivo, sua presença em estúdio e palco, integrando os outros membros, daria certeza de reinvenção, noção de continuidade e talento. Além do mais, Freddie saberia lidar com as redes sociais com humor e leveza. Imaginem uma conta no Twitter administrada por ele.

Roxy Music

Essa é barbada. O grupo formado por Bryan Ferry, Brian Eno e Phil Manzanera, entre outros, é ponta de lança na modernidade desde sempre, por mais estranha que soe a colocação dos advérbios de tempo. Os sujeitos inventaram o Glam Rock mas, enquanto se travestiam no palco e buscavam nos anos 1950 algo do romantismo e da esbórnia sexual-comportamental do Rock, se embrenharam nos experimentos eletrônicos de ponta, cortesia de Eno, um produtor, decupador de sons e engenheiro de artefatos estranhos. A presença dele no grupo era tão ímpar que o palco não era o seu lugar habitual. Ele ficava nos bastidores, produzindo efeitos e timbres estranhos para encorpar a maluquice total. Mas Roxy Music não era apenas a interação de Eno com o som moderno dos primeiros álbuns, Roxy Music (1972) e For Your Pleasure (1973). Os sujeitos produziram discos sensacionais depois de sua saída, especialmente Country Life (1974) e Siren (1975), muito modernos, em pé de igualdade com o melhor da produção de David Bowie na época. Aliás, a obra de Roxy Music, ainda que menor e menos conhecida, está no mesmíssimo nível do melhor feito pelo Camaleão. Avalon (1982) foi o último disco do grupo, sensacional em todos os sentidos.

Talking Heads

Outra barbada em se tratando de gente que resolveu revolucionar as coisas. Formado em plena Nova York de 1974, o quarteto composto por David Byrne, Chris Frantz, Tina Weymouth e Jerry Harrison levou o nascente Punk para passear nas veredas antropológicas do Funk negão, mas com a esquisitice e a falta de noção necessários para surgir algo absolutamente novo dessa mistura inusitada. Byrne, escocês de nascimento, mas cidadão do mundo desde sempre, é uma mente privilegiada e sua aparência nerd, sua afeição por artes abstratas e a parceria com Brian Eno para assumir a produção dos primeiros álbuns, levou Talking Heads à vanguarda na criação da música Pop em seu tempo, junto com Bowie e o já mencionado Roxy Music. Seus primeiros álbuns, especialmente 77 (1977) e Remain In Light (1980), expandiram fronteiras, misturaram cumbucas distintas e pavimentaram o caminho para todo um setor de bandas dos anos 00, de Clap Your Hands And Say Yeah a Vampire Weekend. Quando adentraram os anos 1980, deixaram o experimentalismo em segundo plano, mas sem perder a genialidade, e emprestaram inteligência e conceito às paradas de sucesso, especialmente com The Lady Don’t Mind, Road To Nowhere, Wild, Wild Life e Blind, canções tardias, geniais, afro-qualquer coisa. Byrne entrou em carreira solo a partir de 1989 e as cabeças falantes encerraram sua trajetória dois anos depois. Multitarefas, multicultural e atuante, David é figura moderna ainda hoje, dando uma boa noção de como seria se a banda ainda estivesse em ação.

The Doors

Há uma confusão – justa – entre The Doors, o quarteto da Califórnia, que lançou seu primeiro disco em 1967, e seu vocalista, Jim Morrison, poeta, maluco, ícone cultural daquele tempo e lugar. É simples entender o motivo: a figura de Jim era muito maior que o poderio sonoro do grupo que, para existir e justificar-se artisticamente, tornou-se, meramente, o veículo de expressão de Morrison. E isso não é pouco, uma vez que há elementos sonoros de sobra para analisar a interação de Ray Manzarek (teclados), Robbie Krieger (guitarra) e John Densmore (bateria), músicos criativos e inteligentes. A presença de palco, a voz e a poesia de Jim, entretanto, sempre constituíram os principais atrativos de The Doors. Dois álbuns são decisivos para entendê-los, Morrison e banda, a saber, a já mencionada estreia, de 1967, diferente de tudo que surgia naquele tempo, de The Beatles a The Beach Boys, de Bob Dylan a The Byrds e, em pé de igualdade no quesito genialidade, o último trabalho com o vocalista, L.A Woman, lançado quatro anos mais tarde, tempo que pareceu quatro séculos, tamanha a quantidade de mudança que o mundo atravessou e, junto com ele, a sonoridade do grupo. Imaginem o que teríamos no planeta hoje se alguém com o carisma de Jim Morrison estivesse presente, produzindo, pensando e, a partir daí, fornecendo matéria-prima para The Doors.

Grateful Dead

Outra banda californiana psicodélica e doidona, pra falar o mínimo. Liderado pelo mítico guitarrista e vocalista Jerry Garcia, secundado por gente como Ron “Pigpen” McKernan e Bob Weir, o “morto agradecido” é, até hoje, uma das mais populares instituições americanas. Qual sua marca? Desde quando surgiu, lá em meados dos anos 1960, Grateful Dead foi mais uma experiência que uma banda. A ideia era bem simples: levar o ideal hippie adiante, viver a psicodelia com tudo que ela trazia – drogas, liberdade, movimento, estrada – e, ao mesmo tempo, fazer música a partir de Blues cósmicos, Boogies astrais, coisa mutcho loka, bitcho. O mais legal é que as apresentações ao vivo do grupo tornaram-se muito mais importantes e interessantes que os álbuns, justamente porque não havia qualquer limite para improvisações, viagens e celebração. Versões de quase uma hora de duração, com intermináveis solos e experimentações tornaram-se obrigatórios, o que não desmerece discos como Anthem Of The Sun (1968), Workingman’s Dead (1970) e American Beauty (1970), que detectaram a transformação dos hippies libertários originais em gente precisando se encontrar em meio às desilusões da virada daquela década estranha. Se hoje estivesse em atividade, Grateful Dead levaria adiante a experiência da estrada ao alcance de todos, promoveria festival próprio, daria chance para novas bandas, enfim, aglutinaria em torno de si e de sua própria existência, o tanto de busca pela liberdade que ainda resta na cultura americana.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.