Às Vésperas de Novo Disco, Suede Segue com sua Relevância

Uma das bandas pioneiras do Britpop lança “Night Thoughts”, seu sexto álbum

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Em poucos dias, teremos um novo álbum de Suede nas prateleiras virtuais do planeta. Night Thoughts será, vejamos, o sexto trabalho que Brett Anderson e sua turma coloca na praça, mantendo viva uma tradição que vem desde a virada dos anos 1980/90. Confesso – e aqui vai uma nota pessoal do vosso articulista – que lembrei muito do grupo inglês quando da devastadora notícia da morte de David Bowie. Isso tem um motivo explícito: Suede foi um dos poucos grupos da década de 1990 a imprimir alguma referência forte da obra de David em sua música e imagem. Não que tenha mudado sensivelmente de um disco para o outro ou alterado sua aparência, mas, certamente, fez uma bela mistura de melancolia à la The Smiths, algum espírito hedonista eletro-alguma coisa herdado das bandas de Madchester, guitarras Glam decadentes e degeneradas, apreço por um barraco ao vivo e uma incorporação decisiva de ambiguidade sexual para temperar o molho. As outras bandas do que viria a ser chamado Britpop, no caso, apenas Blur, iniciando sua transformação musical em algum canto de Essex, poderia fazer frente aos sujeitos. Mais ainda: a música que Suede colocava na praça era suja, perigosinha, chocantezinha e de acordo com esse lado negro do Rock setentista. Oasis? Ainda estava nas garagens de Manchester em 1991.

A célula central e inicial da banda formou-se através do encontro de Brett Anderson e Matt Osman, amigos desde o colégio, com Bernard Butler, que respondera a um anúncio da dupla num semanário inglês. Como um power trio e inspirado na canção Suedehead, de Morrissey, Suede teve sua primeira encarnação já em 1990. Os músicos batalharam nos subterrâneos por um bom tempo, tocaram em buracos diversos por Londres e arredores, mas enfrentaram rejeição àquele tipo de sonoridade que ofereciam. Como assim aquelas guitarras altas e os vocais afetados? Não era hora disso. Ainda. Entre 1991 e 1992, Justine Frischmann, namorada de Brett à época, juntou-se e deixou o grupo, criando sua própria banda, Elastica. Com a chegada do baterista Simon Gilbert, a formação, que faria um sucesso estrondoso pouco tempo depois, estava completa e pronta para surgir como ponta de lança de uma sonoridade prestes a fazer bonito na história do Rock: o Britpop. Engraçado, poucas pessoas associam este novo estilo com Suede. A imagem de Oasis e Blur se alfinetando nas paradas e nas páginas das revistas inglesas daquele tempo é o que temos de identidade visual do Britpop.

O primeiro disco, homônimo, veio em 1993, puxado pelo sucesso de duas canções, lançadas como singles, anteriormente, The Drowners e Metal Mickey. Elas serviram para colocar na mesa as cartas musicais que Suede tinha pra oferecer. Como tudo parecia já ter mudado e a Inglaterra vinha na onda dessa sonoridade que privilegiava a própria tradição do país em ter uma identidade musical, toda banda que acenava para algum momento do passado em forma de referência ou influência, já ganhava a boa vontade de público e mídia especializada. Suede, com a trinca Bowie, Smiths, bandas de Madchester, tinha um combo bem respeitável. Mesmo assim, audiência e veículos de informação preferiram apostar no contraste entre os estivadores falastrões de Oasis e os meninos de escola de artes londrina de Blur, deixando Anderson, Butler e sua turma, difíceis, meio chocantes e mais barulhentos, numa espécie de segundo plano. A coisa piorou um pouco quando o pai de Bernard Butler faleceu em meio às gravações do segundo disco, Dog Man Star, o qual tinha surgido como um ambicioso passo a ser dado na direção das grandes composições, dos arranjos meticulosos e na adição de cordas orquestradas ao mix sonoro de Suede. A perda deixou Bernard sem eira nem beira, o que contribuiu para surgimento de rusgas entre ele e Brett, que culminariam com sua saída do grupo pouco antes do encerramento das sessões de gravação.

Sem Bernard Butler, saudado àquela época como um dos mais promissores guitarristas surgidos então, Suede teve que rebolar. Foi contratado para seu lugar o moleque – de 17 anos – Richard Oakes, que assumiu as funções e já caiu na estrada, na excursão de divulgação do álbum, que passou por vários países da Europa, além de marcar presença nos tradicionais festivais do verão por lá. Mas não foi um período tranquilo: enquanto o grupo penava para fazer o público se adaptar às canções do novo trabalho, Bernard Butler, então a bordo do disco que gravara com o vocalista David McAlmont, conseguia chegar ao Top 10 Britânico. Além disso, o baterista Gilbert seria alvo de violência por conta de militantes antigay, criando um clima péssimo para o grupo naquele fim de 1995. Não espanta que tenham submergido para preparar as canções do novo álbum, Coming Up, que só seria lançado em abril de 1997, sem muito alarde. A ideia era voltar à simplicidade depois da grandiloquência do disco anterior. Não esperavam muito sucesso mas emplacaram cinco canções no Top 10 em sequência, a saber, Lazy, Filmstar, Beautiful Ones, Trash e Saturday Night. Apesar disso, continuavam devendo naquele que é um fator decisivo em termos de showbiz: emplacar hits nos Estados Unidos.

A verdade é que Head Music e A New Morning, os dois trabalhos subsequentes da banda não ajudaram muito nesta tarefa. Vejam, são bons discos, interessantes, bem produzidos, especialmente Head Music, lançado em 1999, contendo talvez a mais graciosa canção do grupo, She’s In Fashion, mas já não exibiam a tensão e a potência sonora de Suede em seu início. A New Morning, de 2002, já padeceu com o desinteresse do público em relação ao Britpop, numa época em que gente como The Strokes e The White Stripes, com a distopia de Radiohead correndo por fora, davam as cartas no gosto das pessoas. Não foi surpresa quando o grupo sumiu aos poucos das paradas de sucesso, das capas de revista e, com Brett Anderson envolvido em barras pesadas advindas de vício com crack, Suede foi colocado numa gaveta qualquer e deixado para lá, voltando a existir muitos anos depois.

Brett Anderson continuou ativo, após desintoxicar-se. Lançou um improvável álbum em parceira com Bernard Butler, sob o nome The Tears, em 2005, intitulado Here Comes The Tears, com sucesso relativo nas paradas, além de uma série de discos solo, entre 2007 e 2011. Rumores da volta do grupo surgiram ainda em 2010, quando eles se reuniram para concertos beneficentes e apresentações isoladas aqui e ali, nas quais, aos poucos, começaram a cantar músicas inéditas. Um novo disco viria em 2013, o simpático Blood Sports, com um gosto interessante pelas sonoridades guitarrísticas do início da carreira. A voz de Brett segue inalterada pelos excessos e pelo passar do tempo, enquanto suas letras seguem mais maduras e céticas, como não poderia deixar de ser. Canções como For The Strangers, Barriers e Snowblind, harmoniosas, bem produzidas, com força e melodia, mostram bem o que a banda tem para oferecer nestes tempos.

As novíssimas canções, Pale Snow e No Tomorrow, lançadas há poucos dias, antecipando a chegada do novo álbum, provam que a banda volta com pinta de campeã, talvez ainda mais aguçada e focada que em Blood Sports. A primeira é climática, lenta, com melodia linda e camadas de teclados gelados. A seguinte tem guitarras por todas as partes, a voz de Brett parece mais forte e tudo conspira a favor do retorno definitivo desta grande formação noventista, que enfrentou perrengues diversos, fez menos sucesso e teve menos fama do que deveria/mereceria. Vamos aguardar e, com toda a certeza, falaremos mais do álbum em resenha por aqui. Enquanto isso não acontece, vá ouvir a discografia dos sujeitos, são só cinco álbuns e uma coletânea de lados B, que tem o belo título de Sci-Fi Lullabies. Rock clássico, glam, afetado, de cabeça erguida, com pedigree do melhor dos melhores. Não tem erro.

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ARTISTA: Suede

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.