Bloc Party: Mais de Dez Anos?

Quarteto inglês tem carreira importante e lança novo disco em poucos dias

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(Este artigo foi escrito antes do streaming de Hymns sair. Aproveite para ouvir o disco enquanto lê!)

Deve ser um bom sinal o espanto que surge quando olhamos e vemos que o grupo inglês Bloc Party já completou sua primeira década de carreira. Na verdade, se levarmos em conta o início dos ensaios e reuniões da banda, o tempo aumenta para treze longos anos, enquanto, se tomarmos como marco inicial da base de cálculo, o lançamento do primeiro álbum, Silent Alarm, teremos onze anos. É bom sinal porque formações e artistas como Bloc Party não parecem combinar com a passagem do tempo, pelo menos, não como sinônimo de envelhecimento ou algo assim. A sonoridade dos sujeitos permanece moderna, caótica na medida, surgida ali, naquele pós-milênio, na onda da reinterpretação dos signos ingleses, urbanos, modernos acima de tudo, deixados para trás por gente como Joy Division, Gang Of Four e quejandos desde a fatídica virada dos anos 1970/80. Após quatro álbuns lançados ao longo de sete anos, Bloc Party estará soltando Hymns, quinto e novíssimo trabalho até o fim desde mês de janeiro. E vem diferente.

Duas faixas estamparam a cara moderna de Bloc Party nas revistas e semanários ingleses em meados da década passada: Banquet e Helicopter, sendo que esta última foi parar no game Guitar Hero, ampliando o espectro de fãs e conhecedores da banda exponencialmente. À frente de tudo, o cantor, guitarrista e gente boa Kele Okereke, inglês de ascendência nigeriana, com seus vocais desesperados e imagem totalmente sincronizada com o novo tempo, exibindo essa inclusão de ex-súditos da Commonwealth no contexto da Londres multirracial e consciente. É, por assim dizer, a cara da Inglaterra de hoje, país totalmente diferente do que pensamos por aqui, pra melhor. Ele e seus amigos, Gordon Moakes, Matt Tong e Russell Lissack, iniciaram sua trajetória nos idos de 2003, fazendo fitas-demo e enviando par ao máximo de destinatários possível. Quem se animou foi o pessoal de Franz Ferdinand, um que convidou os rapazes para abrirem shows de uma turnê local que a banda estava empreendendo. As coisas andaram a partir daí.

A mistura sonora de Bloc Party poderia ser entendida como Art Post-Punk, algo que tem a urgência guitarrística do estilo urbano e renovador do Rock setentista mas exibe também certa preocupação com questionamentos e um apuro técnico nas composições, algo que, paradoxalmente, expulsaria a chance de uma empatia imediata. Isso, felizmente, não acontece com as composições dos sujeitos. Seus álbuns são distintos entre si, guardando o conceito de “música complicada, porém imediata”, marca registrada. O segundo trabalho, A Weekend In The City, lançado em 2007 e detentor de uma capa belíssima, é bem mais reflexivo que a estreia. De acordo com o título, Kele aproveita o espaço para falar sobre a vida urbana nesta Londres nova e interessante, capaz de produzir criaturas como ele e seus amigos, mas guardar ainda tanta tradição e sinônimos de conservadorismo. O álbum traduz um olhar jovem e inquieto sobre a metrópole, mas, a exemplo da foto da capa, é uma perspectiva distante, segura, madura, de saudade, de observação. Belas canções estão presentes, caso de Waiting For The 7:18 e I Still Remember, no qual a falta da pessoa amada se junta à contemplação da cidade e suas mazelas.

O trabalho seguinte, Intimacy, de 2008, se vale da mesma visão urbana, mas a leva para um lado mais político. A surpreendente abertura com Ares, exibe amor pela eletrônica, assumindo o tom de uma canção de guerra, algo caótico, que lembra demais Setting Sun, sucesso de 1997, de The Chemical Brothers, com seu turbilhonamento de bateria, guitarras e efeitos especiais, dando a impressão de estarmos acordando num maremoto de ressaca. O álbum avança por esses terrenos políticos e estranhos, muito mais noturno que o antecessor, deixando de lado sua terceira pessoa contemplativa e assumindo o protagonismo. Outra canção, Signs, é mais dinâmica e calminha, exibindo desenvoltura com climas e crescentes, como se fosse trilha sonora de um sonho meio estranho, mas que do qual lembramos de detalhes. Já Biko não faz alusão ao líder sul africano Stephen Biko, morto em 1977, que já foi tema de uma composição de Peter Gabriel, mas significa “querida” em nigeriano, língua dos pais de Okereke. Sutileza em meio ao caos.

A banda passaria alguns anos sem gravar novo álbum. Kele assumiu-se gay, aproveitou e soltou um trabalho solo, o bom The Boxer, em 2010, enquanto o baixista Gordon Moakes formou um grupo paralelo, Young Legionnaire. Em agosto de 2012 viria o disco de retorno, Four, que retomou as crônicas de Okereke do ponto em que ele havia deixado. Este é um trabalho diferente dos outros, com espaço para novidades sonoras inesperadas. Além da paixão pela Eletrônica, que dá reverberação e ambiência a várias faixas, há espaço para vários bons momentos do guitarrista Russell Lissack, alguns até surpreendentes, como a coda metaleira noventista que ele coloca no fim de Coliseum ou o timbre que emula Andy Summers (The Police) em Day Four, mais singela e leve, com bela harmonia e vocais, ou, quem sabe ainda, o riff arrastado e curto, porém marcante, que conduz Real Talk. No ano seguinte, Kele assumiria o protagonismo do projeto Bloc Party Tapes, lançando um álbum com cara de DJ set, contendo várias faixas dançantes de outros artistas, no esquema “ok, essas são minhas favoritas”, guardando espaço para uma única composição da banda, Obscene, remixada e envolvida no contexto. Coisa fina que reafirmou a proximidade sonora do grupo com as pistas de dança, algo abalado pelo enguitarramento do quarto álbum. Em 2014, ele soltou seu segundo álbum solo, o bom Trick.

Temos no horizonte o quinto trabalho de Bloc Party, Hymns. Novamente a banda tentará equilibrar guitarras, batidas dançantes, eletrônica, existencialismo, ativismo e impressões pessoais com a música e contemporaneidade. Já sabemos que Matt Tong e Gordon Moakes deixaram seus postos na bateria e baixo, respectivamente, sendo substituídos por Louise Bartle e Justin Harris. Também já sabemos que Okereke prometeu mudanças sonoras importantes no escopo do trabalho, o que, sinceramente, pode significar quase tudo. Ainda que guardem semelhanças entre si, os quatro álbuns de canções de Bloc Party também têm elementos distintos entre si, que garantem a paternidade de Hymns. Curioso/a? Nós também.

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ARTISTA: Bloc Party
MARCADORES: Novo álbum, Redescubra

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.