Esperanza Spalding E O Neo Jazz Urbano

Versátil, cantora desafia rótulos de gêneros e revela ótima forma em novo disco

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A música de Esperanza Spalding é intrigante. Forjada na adolescência urbana dos anos 1980 à base de Jazz, Hip Hop e programação de emissoras FM negras, as influências e informações foram se acomodando ao longo da formação da moça, se mesclando e transformando em algo, digamos, mais ou menos único. Autodidata, fluente no violino e no baixo acústico a partir dos 15 anos de idade, Esperanza foi ensinada em casa pelos pais, descontentes por não poderem pagar uma escola particular para ela. Deu certo, pois ela seria admitida na conceituada Berklee School Of Music aos 21 anos de idade, na função de… professora. Dona de técnica estranha, voz fora do normal e uma tendência de fazer novidades, Esperanza já tem uma carreira musical que compreende cinco álbuns, lançados em dez anos, a partir de 2006, com o interessante Junjo, chegando a este nosso 2016, com o conceitual Emily’s D+Evolution, lançado sobre ela mesma, a partir de uma narrativa teatral.

Se formos definir um ponto de partida na trajetória musical de Spalding para nos informarmos sobre sua arte, certamente este será o lançamento de seu terceiro trabalho, Chamber Music Society, em 2010. Ali Esperanza iniciava uma jornada de autoanálise de sua própria música, procurando esmiuçar a parte mais jazzística de sua formação, com uma abordagem que a dividiu em quatro funções simultâneas: baixista, vocalista, produtora e compositora, em partes iguais. É uma investigação moderna e urbana de como o Jazz mais ortodoxo pode servir como linguagem de aprendizado musical e como própria linguagem de expressão para um artista como ela. Na verdade, não só de Jazz o espectro musical do álbum é feito, pendendo firmemente para o que chamamos de R&B setentista, as músicas aprendidas no seio da família, na tradição dos pais, dos discos na estante da sala. O resultado disso? Setenta semanas na parada americana especializada e um Grammy de Melhor Artista de Jazz no fim do ano. Tá bom pra você?

Para Esperanza ainda não estava. Em 2012 ela soltou o contraponto deste álbum, o belo Radio Music Society, completando seu próprio escrutínio acerca de sua formação musical. Ficam os estilos mais tradicionais para trás e entra em cena a música aprendida na rua, ouvida com os amigos, nas casas noturnas, através dos CD’s emprestados. O terreno aqui é a encruzilhada entre o chamado Neo Soul e o Hip Hop, novamente com Spalding na produção, desta vez com a ajuda preciosa de Q-Tip. Outra novidade: algumas covers surgem ao longo do álbum, com destaque para a leitura jazzy-madrugadora de I Can’t Help It, famosa com Michael Jackson, mas brilhantemente escrita por Stevie Wonder. Interessante notar o quanto a evolução da moça em termos de interpretação é perceptível. Se até o trabalho anterior, Esperanza era mais baixista talentosa que cantora, aqui ela consolida seu registro agudo e elegante, ao mesmo tempo técnico e cheio de sentimento, chegando mesmo a lembrar as incursões jazzísticas de uma cantora como Joni Mitchell, em memoráveis álbuns dos anos 1970.

A mais nova encarnação da jovem aparece no conceitual novo álbum, Emily’s D+Evolution. A narrativa é pessoal, uma vez que Emily é seu nome do meio, e o álbum em si mostra-se bem diferente de tudo o que ela já fez. Em primeiro lugar, não é um disco de Jazz ou próximo disso. Com a co-produção de ninguém menos que Tony Visconti, Esperanza fez um álbum que poderíamos chamar de Glam-Funk, algo próximo da auto-estrada vertiginosa que grupos seminais como Parliament e Funkadelic, pioneiros na exploração das fusões do Funk e do Rock nos anos 1970. A música é tão moderna e vertiginosa que o referencial temporal é mera informação. Estamos em terreno inexplorado, com Spalding indo audaciosamente onde poucos homens estiveram. A narrativa mostra Emily como uma jovem menina em busca de conhecimento, acenando novamente para o desejo permanente de Esperanza revisitar épocas e encarnações mais jovens de si mesma. Musicalmente temos um inventário das facetas mais auspiciosas das fusões entre Jazz, Rock e Funk, algo que ainda não foi totalmente absorvido pelos próprios artistas destes gêneros, imagina pelos pobres ouvintes e analistas musicais. O que sai dos fones de ouvido é uma música rica e sem medo de fazer diferente de tudo o que temos hoje. Coisa de gente grande.

Com trajetória muito peculiar, sempre fiel ao que ouve e absorve da música popular, a baixista, cantora, produtora e multitarefas é artista rara e ainda jovem – com 32 anos – dando a impressão que ainda tem muito a oferecer. Se pensarmos que seus álbuns lançados até agora são incursões mais ou menos diferentes a seu próprio aprendizado musical, só podemos ficar esperançosos – sem trocadilho – com o que ainda virá.

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MARCADORES: Conheça, Descubra

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.