Jeff Buckley – A Voz Que Nunca Silencia

Nova coletânea joga luz sobre o cantor e compositor americano precocemente falecido

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Há poucos dias, vazou uma versão arrepiante para I Know It’s Over, de The Smiths. No comando, a voz de Jeff Buckley, inconfundível, sofrida, intensa, acompanhada apenas de um violão acústico. A faixa puxa a compilação You And I, a ser lançada pela Columbia/Legacy em breve. É mais um de uma série impressionante de coletâneas, registros ao vivo, EP’s obscuros, e vários artefatos musicais que visam preencher um vazio impossível de ser resolvido: Jeff morreu novo, com apenas um disco lançado e outro rascunhado, além de gravações ao vivo aqui e ali. Pelo visto, faltaram ainda algumas poucas canções com sua voz para ver a luz do dia. Sendo assim, aqui estão.

Vejam, não estou reclamando, até porque, a qualidade da versão de I Know It’s Over é muito boa, fruto de sessões amadoras de gravação empreendidas por Jeff alguns meses depois de assinar contrato com a mesma Columbia/Legacy no início dos anos 1990. Seu único disco regular, Grace, lançado em 1994, é uma obra de intenso valor, com canções terminais sobre amor, desilusão, perda, despedida, com uma moldura instrumental que diferia – e muito – do Grunge e Pós-Grunge da época, além de trazer o componente principal de toda a curta obra de Buckley: sua voz. Podemos dizer que, ao lado de Eddie Vedder e seu registro grave, Jeff Buckley foi o mais influente vocalista do Rock dos últimos tempos. Acrescentou uma agridoçura desesperada, como se ele fosse explodir de algum sentimento, simplesmente sumir em som a qualquer instante. Sua influência pode ser notada, de imediato, em gente como Thom Yorke, Matthew Bellamy (Muse) e Chris Martin (Coldplay), só para ficarmos em três sujeitos conhecidíssimos e badaladíssimos no cenário musical mundial.

A morte de Jeff Buckley levantou muitas suspeitas na época, uma vez que o cantor e compositor americano, então com 30 anos, afogou-se no Rio Mississippi, perto de Memphis. Muita gente imaginou que Buckley estivesse sob efeito de álcool, drogas ou que, simplesmente, se suicidara. Uma bateria de exames periciais confirmou que o afogamento foi absolutamente acidental e súbito, algo lamentável se imaginarmos quão promissora parecia sua trajetória. Grace foi um álbum que entrou para listas de melhores da década de 1990, contendo, pelo menos, uma canção perfeita: Last Goodbye, que tornou-se o maior sucesso autoral de Jeff. Ao lado dela, a faixa título e Lilac Wine também são lembradas como músicas fortes e emblemáticas de Buckley. A chegada do disco trazia um pouco de emoção em estado bruto às paradas daquele tempo, divididas entre Britpop, remanescentes sem rumo do Grunge, bandas derivadas e artistas de Hip Hop em mutação pouco criativa, configurando a música de Buckley como algo único no momento.

A partir do lançamento de Grace, criou-se expectativa enorme pelo sucessor, principalmente porque Buckley saiu em turnê por Europa e Estados Unidos, tocando em buracos e lugares bonitinhos, consolidando uma popularidade insuspeita. Registros ao vivo que podem ser de sessões de rádio ou do bar Sin-E, em Nova York, ou ainda, do famoso de prestigiado Olympia, em Paris. Em todos eles, seja com seu violão ou com banda, Jeff prima pela emoção e o já mencionado jeito de cantar como quem está prestes a sumir de intensidade. Já ouvi muita gente e me arrisco a dizer que nenhum cantor branco recente tenha capacidade semelhante. Negros, bem, há vários, mas isso não vem ao caso.

O próximo disco, My Sweetheart The Drunk, estava sendo gravado quando Jeff afogou-se. Foi lançado com o nome de Sketches From My Sweetheart The Drunk, uma vez que a gravadora quis deixar clara a condição de obra inacabada que o álbum ostentava. Com um impacto menor que Grace, o novo trabalho serviu para alimentar o mito de Jeff, aquele sensível e jovem cantor americano, precocemente morto, ainda com tanto por oferecer. O Rock está cheio de casos assim, mas Buckley não ostentava qualquer semelhança com o mito rocker, sendo mais um desajustado triste e contido, que experimentava momentos de libertação intensa através da canção. Desde cedo, em casa, ele fora criado com a presença da música. Filho do cantor e compositor Folk Tim Buckley, Jeff foi criado com a mãe, Mary e seu marido, Ron, que o introduziu no mundo da música Pop, através de álbuns de Led Zeppelin e Kiss. Aos doze anos decidiu ser músico, aos treze, ganhou sua primeira guitarra elétrica. O resto é história.

A nova coletânea vem somar-se a um sem número de álbuns sobre a vida do sujeito. Em tempos digitais, sua compra não parece necessária, sendo suficiente a audição por streaming. Há registros de Bob Dylan, Gerry And The Pacemakers, Sly Stone e outra canção clássica de The Smiths, The Boy With The Thorn In His Side. Jeff consegue, pelo menos em I Know It’s Over, a única que ouvi até agora, redimensionar a gravação original, com a voz de Morrissey. Enquanto o inglês lamenta o fim do relacionamento, com sofrimento, mas fazendo esforço – e conseguindo – parecer inabalável, a versão de Buckley é o próprio mundo desmoronando após algum tempo. Ele começa tentando manter-se inteiro, mas a dor dos acontecimentos vai erodindo seus alicerces, até que tudo rui. Jeff Buckley não é para amadores, pessoal. Vocês já deveriam saber.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.