Entrevista: Selton

Quarteto comenta sua natureza híbrida e o processo por trás do disco “Loreto Paradiso”

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O hibridismo é a natureza da banda Selton – foi o que nós, eu mais os quatro, acabamos concluindo em uma conversa durante esta recente passagem do quarteto pelo país para o lançamento de Loreto Paradiso.

O sucessor de Saudade continua sua mistura do que é brasileiro com aquilo que os gaúchos Ramiro, Ricardo, Daniel e Eduardo (da esquerda para a direita na foto) experimentam morando em Milão, juntando o contemporâneo com nostalgia e o bom humor à sensibilidade, só que agora de uma maneira mais direta que no disco anterior, o que gerou um show concentrado em instrumentos elétricos e eletrônicos dando base para as harmonias vocais.

Falando ao Monkeybuzz poucos dias após o show em São Paulo, os quatro comentaram o processo criativo por trás do ao vivo e do estúdio, além de mais sobre a natureza da banda.

Monkeybuzz: Vamos começar pelo assunto mais recente, que é o show em SP, no Auditório do Ibirapuera. Como foi essa estreia do disco por aqui?
Ricardo: Foi muito legal ver quase todo mundo lá dentro participando do show. Essa foi a melhor coisa de tudo. A gente pedia palma, por exemplo, todo mundo respondia. Daniel: E o pessoal cantando também. Pra gente, é um pouco abstrata essa coisa de morar em outro lugar e ver que aqui tá rolando um lance. A gente chegou no Brasil, ensaiou, foi pro Rio, voltou direto pro Ibirapuera quase sem descansar, dormiu no camarim e subiu no palco. Quando a gente chegou lá, ver aquela galera era a materialização de toda uma expectativa e de uma coisa que a gente não sabia bem a dimensão. Ver que pessoas estavam cantando e participando, que rolou uma interação, foi bem emocionante.

Mb: Como foi a escolha do formato do show? Dá para ver que quase não temos mais instrumentos acústicos, e até mesmo a bateria tem uma parte eletrônica.
Daniel: Cara, foi um inferno (risos), foi muito difícil. Mas foi muito também o resultado do disco, porque a gente quis fazer umas escolhas estéticas mais extremas. Então, se é para fazer algo mais eletrônico, que seja muito eletrônico, se é para ter o foco na melodia, então vamos acentuar as escolhas das hamornias o máximo possível. Então, acabou tendo muita interferência de coisas que a gente estava ouvindo, e achar um elemento legal e pensar como incorporar aquela ideia no que a gente faz. Foi um trabalho longo e, inclusive, cansativo de ficar horas e horas na frente do computador tentando entender qual a melhor maneira de encaixar as peças desse quebra-cabeça. Quando a gente passou isso para o live, a gente pensou como conseguir fazer com que as pessoas tenham a sensação de que é aquilo do disco que elas estão escutando. Ricardo: Este disco, mais ainda do que o Saudade, tá cheio de “coisinhas bonitinhas”. Às vezes, você ouve aquele sample naquele momento e talvez a expectativa de alguém que se conectou com o disco seja ouvir aquilo também no palco. A gente quer respeitar isso. Então, a gente pensou quais são os elementos mais marcantes para levar ao show. Daniel: É fazer com que as pessoas experimentem o disco ao vivo. É uma coisa muito contemporânea isso de gravar disco em casa, o que faz com que os arranjos venham todos de outra maneira. É “eu vou fazer tudo aqui no meu computador, com o meu controlador midi, e depois, quando for fazer ao vivo, sei lá”. A gente pensou em tocar tudo o que a gente fez, independente da ter gravado em casa, em estúdio (foram três estúdios diferentes). A gente optou por não tocar com base, só com o metrônomo, e ter sequências de bases curtas, de uns 30 segundos. É muito mais difícil, dá muito mais trabalho, porém é muito mais orgânico. Eduardo: Tem um pouco também de como a gente gostaria de ver o disco reproposto. Existem várias maneiras de fazer um disco hoje em dia, você pode ir mixando a base com o instrumental. Quando a gente vai a um show e elogia é porque ele consegue ser fiel de alguma forma ao disco, sabe usar maneiras criativas de fazer aquilo, o que torna o show mais interessante. Até pela banda que a gente sempre foi – começou a tocar em um parque -, tem uma alma lá no fundo que nos faz tocar o mais live possível. Ramiro: No caso do ukulele, eu usei ele muito no Saudade – na verdade, é um disco feito todo com ukulele. Loreto Paradiso é um disco muito guitarrístico. Então, a gente decidiu usar sempre a guitarra procurando encontrar aquele som certo para cada música.

Mb: Esse é o show de Loreto Paradiso hoje, no lançamento do disco. Vocês imaginam que esse formato possa mudar muito ainda ao longo deste ano e do próximo?
Daniel: A gente sempre gosta de fazer versão acústica, dá ênfase a algumas qualidades da banda, principalmente a vocal. Então, a gente sempre brinca que seria legal fazer uma turnê acústica, uma versão mais reduzida. Ramiro: Loreto Paradiso, no início, tinha a ideia de um disco bem minimal. Lorde e Metronomy foram discos que deram a ideia de esvaziar tudo e deixar só as vozes com o mínimo de elementos possíveis. Ao longo do processo, o disco foi virando outra coisa, muito maior, uma colcha de retalhos de muitas influências, até pelo fato de ter sido gravado em três países diferentes. A coisa minimalista ainda existe no disco, mas ele é muito mais contaminado por muitos elementos.

Mb: Contem um pouco mais da história das gravações do álbum?
Daniel: Ele teve muitas fases, a gente gravou ele duas vezes. Primeiro, a gente reuniu as ideias musicais de nós quatro, juntou, deu quase umas 30 ideias de música e levou isso para uma demo. Começamos a tocar em casa com um set reduzido e a gravar isso no nosso home studio. A gente mandou isso para o produtor e ele sugeriu que gravássemos todas as bases e levasse as gravações para casa para trabalharmos em cima delas. Assim nasceu a primeira parte do disco. Aí começamos a segunda, de produção eletrônica, tirar bateria, colocar outras guitarras em cima, e já era quase a terceira vez que gravávamos o disco. Ramiro: A gente veio ao Brasil para um festival, trouxe parte do home studio e foi uns dias para uma casa de praia no litoral sul para gravar mais vozes e côro. Usamos aqueles dias para trabalhar também nas letras. Ricardo: Botar um pouco de Brasil “fisicamente” no disco. O disco estava sendo bem vivido já naquele momento.

Mb: Quando vocês trabalham em uma música, existe uma intenção direta de soar como algo dentro do universo Selton ou as escolhas acontecem mais naturalmente?
Daniel: Tem os dois. Quando a gente tá fazendo alguma coisa, a gente sempre quer chegar em um lugar que agrade aos quatro, mas sempre vem uma pergunta: “Isso é Selton? É a cara da nossa banda, é o que ela comunica?”. É uma pergunta difícil, primeiro porque é uma constante evolução, não tem um lugar fixo para o som. Porém, “isso nos soa naturalmente como nossa banda, ou como uma versão pior de outra coisa, ou algo que não nos representa?”. Ramiro: Sim, porém está ficando cada vez mais natural, de alguma maneira. A gente sempre fala que com com Saudade que a gente encontrou uma identidade muito forte, e antes era um momento de definir isso. A sensação que eu tenho é que, de alguma maneira, as coisas já vinham mais Selton. Ricardo: Tanto que, na hora de escolher o primeiro single, a gente escolheu Cemitério de Elefantes, que a gente tinha certeza que era uma das ou a que mais representava o disco como Selton. Daniel: Inclusive para a Europa, porque ela tem um quê de Tropicália. E tem vozes, tem eletrônica, tem orgânico… Ricardo: E poder enxergar isso rapidamente é uma confirmação de que o tempo de responder se isso é Selton ou não está cada vez menor. Eduardo: Para algumas bandas, acho que é mais simples, talvez uma que tenha um líder que escreva todas as músicas e tal. No nosso caso, todos nós escrevemos e tocamos outros estilos, às vezes com outras pessoas. Achar um denominador comum para a gente é difícil. Daniel: E esse disco foi um processo muito longo, com vários momentos de frustração – “Será que é isso, temos o disco ou não temos?”. Teve muito vai e vem com o produtor, que estava em Londres, tivemos que tentar entender como fazer um disco multilíngue – e a escolha da língua influencia diretamente em que mercado você está. A gente mora lá, mas investe no Brasil, então vamos fazer o que, um disco todo em italiano, ou em português, ou em inglês para pensar na Europa como um todo? Ramiro: Então é um quebra-cabeças inacreditável. Quase todas as músicas de Loreto Paradiso foram traduzidas para as outras duas línguas. Ricardo: O próximo disco é instrumental (todos riem).

Mb: Sobre isso, é interessante como o disco abre já com uma faixa nas três línguas.
Daniel: É, aquilo ali foi um statement, “é isso”. Ricardo: Naquela música, a gente está declarando – e ela chama Loreto Paradiso justamente por isso – “é isso o que você vai encontrar aqui”, também em sonoridade e vibe.

Mb: Dá para sentir em Selton um conteúdo nas músicas que é tão bem humorado e leve quanto sensível e profundo, e Loreto Paradiso parece trazer uma maturidade maior em mensagens mais diretas, sem uma jovialidade mais escapista de Saudade. Como vocês enxergam isso?
Ricardo: Acho que Loreto Paradiso está mais no presente. A gente cresceu, a gente aceitou ter crescido. E isso traz questionamentos diferentes, reflexões diferentes. Saudade era algo de tentar algo que não se sabe se existe, Loreto Paradiso reflete bem o fato de a gente aceitar as escolhas que a gente mesmo fez. Vamos dialogar com quem está nos ouvindo sobre isso. Não é música para quem tem, digamos, 16 anos. Eduardo: Sobre ter um senso de humor, mas também profundidade, tem uma frase do Chaplin que diz que a vida vista de perto é um drama, mas de longe é uma comédia. Às vezes, as músicas falam dos mesmos temas de antes, mas umas mais bem humoradas e outras mais pesadas.

Mb: E vocês morando no exterior, existe uma necessidade de se afirmar como brasileiro, como pertencente a um cenário que ocorro também por aqui?
Daniel: Acho que a gente tem muito clara nossa raíz de ser brasileiro. É uma coisa muito forte, morando dez anos fora. Ramiro: Isso [de morar fora] até reforça. O fato da gente estar lá faz com que a gente se sinta mais brasileiro. Ricardo: Eu fui conhecer Bossa Nova quando me mudei para lá; Daniel: Eu me transformei em um percussionista muito mais “brasileiro” morando fora, buscando o que é maracatu, o que é baião. Quando eu estava aqui, não me interessavam essas coisas. Eduardo: É, a gente escutava mais o que vinha de fora. Tem isso, você sai do país e conhecer mais do Brasil te mantém mais ligado à sua origem. Daniel: E a gente tentou colocar isso no disco, até a nível tímbrico – botar tamborim, pandeiro, tentar ter coisas que remetam à cultura brasileira sem parecer fake. Tem uma música em inglês, Up to Me, que tem um repente, por exemplo. Existe a busca de algo que faça parte desse arranjo de uma maneira não superficial. Be My Life, também em inglês, tem tamborim na música inteira, por exemplo.

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ARTISTA: Selton
MARCADORES: Entrevista

Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.