The Avalanches Põe Fim A 16 Anos De Silêncio

Mitológico grupo australiano está de volta com disco de inéditas

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Vou confessar algo a vocês. O grupo australiano The Avalanches é responsável por um dos mais geniais discos de todos os tempos. Não é exagero, é um simples fato. Há 16 anos, na aurora no novo milênio, inaugurando uma nova era, um novo momento na história, esses sujeitos resolveram lançar um álbum intitulado Since I Left You. A ideia por trás da coisa toda? Oferecer ao mundo uma coleção de canções feitas em sua maioria, apenas com samples obscuros, sem nenhuma intervenção humana em qualquer âmbito instrumental. Sim, a ideia não era nova na época, vide o caso do excelente segundo álbum de Beastie Boys, Paul’s Boutique, lançado em 1989, responsável pela colocação deste conceito em prática. Não por acaso, a banda americana de Rap era uma das maiores referências dos australianos. Certo, mas o que o disco tinha de tão diferente e/ou revolucionário? Canções. Excelentes canções, todas elas pequenos Frankensteins melódicos, verdadeiros milagres de dois, três minutos de duração.

A faixa-título é um colosso dançante e tropical. No caso deste articulista, ela é responsável por avalanches (sem trocadilho) de felicidade e prazer, num nível pouco visto nestes quase 46 anos de estrada. Sim, a gente sente isso por música o tempo todo, mas, à medida que o tempo passa, parece que já vimos e ouvimos quase tudo nesta vida. No caso de Since I Left You, a música, acontece o estranho caso de “novidade constante”. Sempre há um detalhe, uma nuance, um fio de meada musical para ser explorado e, quando não parece haver mais nada, a audição dela se dá como se eu estivesse mentalmente repetindo as coordenadas de um mapa do tesouro. Sim, a coisa é bastante séria. Evidentemente que ela não é o único atrativo do disco, é o caso de você ouvir e encontrar a sua própria predileta neste oceano de sons que mais parece uma enorme discoteca de inconsciente coletivo, cultivada e arquivada por malucos da Geração X, essa gente que cresceu soltando pipa no ventilador porque o mundo não estava mais em guerra e já era possível reconhecer no jovem um público específico. É gente que comprou discos compulsivamente, viu televisão até não poder mais e só pensou em computadores vendo filmes de ficção científica no cinema. Eu, bem, sou uma dessas pessoas.

Talvez por isso a estratégia dos caras me seja tão querida. Eu posso afirmar que adoraria fazer algo parecido. Brincar de esconde-esconde e quebra-cabeça com pedaços de músicas, falas obscuras de filmes, enfim, colocar na eternidade um novelo de lembranças familiares de incontáveis tardes de classe média aguardando o futuro chegar, a maturidade bater na porta e tudo mais que esperamos que aconteça na vida. E quem são esses visionários, responsáveis por tudo isso? Robbie Chater, Tony Di Blasi e Darren Seltmann deram a partida na coisa, sob a forma de um trio Punk tardio, em Melbourne, Austrália, nos idos de 1994. Aos poucos, foram chegando novas cabeças pensantes para o grupo, que se chamava Alarm 115. Vieram o baterista Manabu Etoh (que foi deportado e cuja existência real é colocada em dúvida, dada a mania dos sujeitos de pregar peças na imprensa). Dois anos depois juntaram-se ao pessoal Gordon McQuitten e Dexter Fabay e não havia um nome fixo no grupo, oscilando entre Swinging Monkey Cocks, Quentin’s Brittle Bones e Whoops Downs Syndrome até adotar The Avalanches depois do quinto show.

Since I Left You iria chamar-se Pablo’s Cruise e nasceu de uma mixtape maluca, feita por Di Lasi e Chater. O sucesso local foi imediato. Por volta de 1999/2000, poucas bandas eram mais interessantes no cenário australiano que The Avalanches. Aos poucos veio o interesse fora do país, principalmente da Inglaterra. A prensagem inicial de 3500 discos esgotou-se em meses e o contrato com a gravadora Sire veio em boa hora, lançando Since I Left You mundialmente. Uma dessas cópias inglesas chegou na minha casa, na pequena cidade de Macaé, estado do Rio de Janeiro. Eu trabalhava num turno ingrato, de 16h às 01h, numa empresa de comunicação. Boa parte do período da noite era ociosa, restando uma boa conexão de Internet banda larga (avançada para a época), que permitia navegação por vários sites. E, como bom fã de música, procurava sempre manter-me atualizado. Um belo dia topei com o álbum à venda no site da Amazon. Precisei de 30 segundos da faixa-título para importá-lo e nunca mais largá-lo.

Assim como veio, The Avalanches silenciou-se. Rápido. Since I Left You, que havia frequentado as listas de melhores discos de 2000/2001, entrou para a história como o único lançamento dos caras. Fora alguns remixes e versões alternativas informais, feitas em caráter extraoficial, o álbum permanecia até pouco tempo, como o único trabalho da carreira do grupo. Até que o inesperado aconteceu. Um dos boatos mais assíduos da imprensa musical mundial, que dava conta do retorno da banda, finalmente teve fundo de verdade. Agora um trio, formado por Di Biasi, Chater e o percussionista/tecladista/DJ James Dela Cruz, que juntara-se ao pessoal ainda em 2000, integrando a banda até 2004, o grupo retorna com um novíssimo álbum, Wildflower, seguindo o mesmo caminho do anterior. Segundo eles revelaram em entrevistas ao longo dos últimos dez anos, um sucessor para Since I Left You sempre esteve nos planos e vem sendo burilado desde 2005, até que, em 2 de junho, um novo single surgiu: Frankie Sinatra. Há menos de uma semana, Wildflower, ficou disponível para audição online, trazendo 21 faixas, entre vinhetas e composições que trazem participações de convidados, mas que seguem o esquema vencedor de incorporação primordial de samples. Entre os felizardos que batem ponto no álbum, estão Jonathan Donahue (Mercury Rev), Toro y Moi, Biz Markie, Father John Misty e Ariel Pink.

Segundo as primeiras entrevistas concedidas por conta do lançamento, Wildflower descolará o eixo musical da banda para os anos 1960, procurando soar como discos obscuros de The Beach Boys, especialmente Friends e 20/20, ambos do fim dos anos 1960, deixados de lado pela maioria dos ouvintes, que flagram o grupo procurando reinventar-se após os problemas vivenciados por Brian Wilson. Coincidência ou não, ambos os discos estão entre os mais interessantes lançamentos da carreira da banda californiana e recriá-los é um ato audacioso. O lançamento do álbum está marcado para hoje, dia 08 de julho. Estaremos ouvindo atentamente e uma resenha justa virá em seguida. Conterei a emoção, prometo. Mesmo assim, ouvir as novas canções traz uma sensação semelhante a de encontrar amigos de faculdade e perceber que, mesmo depois de 16 anos, a impressão é de que nos falamos ainda ontem. Aguardem, o silêncio foi quebrado.

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.