Pequeno Céu: “O público do nosso nicho é pequeno, mas é fiel”

Banda comenta produção do recém-lançado “Praia Vermelha” e a cena instrumental

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Fotos: Manuel Horta

A música instrumental brasileira contemporânea ganhou nesta semana mais um filho para chamar de seu: Praia Vermelha, da banda mineira Pequeno Céu.

Sem som traz o Post-Rock misturado a um espírito propagado pela estética no Brasil nos últimos anos, juntando o impulso de sonhar que esse estilo trabalha tão bem a referências familiares a qualquer um que tenha crescido no país.

Para entendermos melhor a obra, o Monkeybuzz conversou com Bernardo Bauer sobre o processo de criação da obra, a participação de Toninho Horta e a cena instrumental brasileira de hoje.

Monkeybuzz: Considero inegável o pressuposto de que a música instrumental é o abstracionismo do gênero musical, visto que os significados ficam muito mais à mercê da interpretação do ouvinte do que a lírica (que também é passível de interpretação, mesmo quando possui uma narrativa mais objetiva). Para você, qual o maior desafio (ou também o maior privilégio) na comunicação por música instrumental?
Bernardo Bauer, Pequeno Céu: Esse lance de trabalhar com o abstrato é algo que me atrai muito. No processo de composição, quando eu entrei na banda, em 2013, a maioria dos riffs e arranjos eram acatados pelo grupo muito mais com base na estética que eles representavam do que na mensagem em si, mas, à medida que a banda foi amadurecendo, eu sinto que isso mudou um pouco. A gente passou a prestar mais atenção nas narrativas, no que a gente queria expressar, e eu acho que isso foi um marco de amadurecimento. Um desafio é que, pra muita gente que não acompanha essa cena, a música instrumental é entendida como “música pra músico”, e acho que isso é subestimar completamente a capacidade de compreensão das pessoas. O som está por toda parte, no clique do mouse ou na freada do caminhão, e a gente tá acostumado a ouvir e interpretar os sons desde que nascemos. Ninguém precisa saber o que é um si bemol diminuto pra sentir medo na hora que entra aquela trilha sonora estranha num filme de suspense. Enfim, acho que o maior desafio é convencer as pessoas que estão pré-dispostas a virar a cara pra um idioma sem dicionário a perceber que a gente tá falando alguma coisa, e o maior privilégio é perceber, show a show, no cotidiano da banda, que isso nem é tão difícil assim.

No mesmo espírito ainda, como foi o processo de escolher os nomes das faixas?
Bernardo: (Risos) Essa pergunta é ótima! Justamente por esse caráter abstrato, as músicas tem significados diferentes pra cada um da banda, e muitas só são batizadas na hora de imprimir o disco, depois de longuíssimas discussões. Tem algumas que tem histórias legais. Pão na Chapa, faixa que abre o disco, faz referência ao criador do riff inicial, o ex-integrante da banda, Rafael Figueiredo, que tem o apelido de “Pão de Queijo”. Misturado a isso, pão na chapa é coisa boa pra começar as coisas, é o café da manhã na estrada… Tóquio-Berlim já é um nome mais relacionado ao som, faz menção a uma caminhada que vai do math-rock à música clássica, como a narrativa da música faz aludir. Jenny Lee é a música mais bonita do disco, uma beleza que pra gente remete à beleza da mulher, e alguém disse que era uma música pra se tocar na praia, meio clichê, sabe? E a galera da banda pira em Warpaint e quis batizar a música com o nome da baixista da banda. Urtiga, que é a faixa mais paranóica do disco, é o nome de uma planta que dá coceira quando entra em contato com a pele. O Primeiro Louvadeus a Pisar na Lua é uma música meio épica, cheia de nuances, tem um quê de ficção científica e faz referência a um inseto que a gente adotou como bicho de estimação no sítio em que fizemos a pré-produção do disco. A gente até batizou ele de Leo, levávamos ele pra beira do rio quando a gente ia nadar e deixávamos ele em cima do amplificador enquanto o ensaio rolava, daí a gente ficou pensando que foi uma adoção mais parecida com uma abdução, o Leo passou poucas e boas sob a nossa tutela. Enfim, é um dos momentos mais divertidos e controversos do Pequeno Céu.

Mb: O quanto seu trabalho solo ajuda no trabalho com a banda, ou vice versa? Bernardo: Eu acho que a banda contribui muito mais com o meu trabalho solo do que ele com a banda. Minhas maiores influências musicais são os músicos que eu toco junto, eu aprendo demais com eles, mesmo. Mas ao mesmo tempo meu projeto solo é uma coisa meio solitária, de mim comigo mesmo interagindo com os pedais de loop, e de alguma forma quando eu inicio alguma idéia, quase sempre tem alguma relação com as ideias que tenho junto com meus parceiros de música – não só os da banda. Mas claro, o próprio fato de eu estar na ativa em outro projeto acaba exportando alguma coisa pra banda. Eu gostaria de gravar versões do meu lance solo com a banda, e coisas da banda sozinho, em algum futuro, mas, como o processo do Pequeno Céu é muito coletivo, acho que acaba sendo incompatível mesmo. Mas é massa, acho que todo mundo sai ganhando, e a maioria dos integrantes também toca em outros grupos ou projetos.

Mb: Conta um pouco sobre como foi o processo de compor e gravar essas músicas?
Bernardo: O processo de composição foi muito natural, nós tivemos um momento em que estávamos tocando muito, ensaiando muito, e ninguém queria mais tocar as mesmas músicas, então todo dia surgia uma ideia nova no ensaio. De repente a gente viu que tinha um disco quase pronto na mão. Foi aí que surgiu a idéia de fazer essa onda toda emendada, que é o Praia Vermelha. Nós criamos a ordem das músicas e apontamos os lugares em que faltava um elemento narrativo que encaixasse como transição, pra dar a fluidez que a gente imaginou. Dessas transições acabaram surgindo novas músicas, que fecharam o disco, e procuramos o Ygor Rajão (produtor) pra pensar na gravação em si. Reunimos com ele e mostramos o material pré-produzido. Ele abraçou a ideia e gravamos toda a base do disco ao vivo, em três longos dias enfurnados no Estúdio Motor, aqui em BH. Depois disso vieram os overdubs, e acho que foi aí que o Ygor teve mais trabalho. Como a base foi toda gravada apenas imaginando o que seriam os arranjos de sopro, ele teve que afinar o discurso com a galera que chegou lá pra gravar por cima. No fim das contas, pra mim foi uma grande surpresa ver o resultado final. O que o Lucas Freitas (sax barítono) e o Henrique Staino (sax alto e soprano) fizeram nas músicas levou elas pra um lugar bem mais bonito. Ainda teve o Guilherme Peluci, grande colaborador e agora integrante do Pequeno Céu, que entrou com uma onda de sopro mais entremeada no som da banda em duas faixas, cheias de efeitos, subvertendo o que normalmente se espera de um saxofonista. O último a gravar foi o Toninho Horta, ele chegou lá, plugou a guitarra, ouviu a música umas três vezes e já saiu mandando brasa, o cara não tá no patamar que ele tá à toa, ele conhece demais, e quando eu ouvi o solo que ele faz na introdução de Paquistã percebi claramente o tanto que eu ainda tenho que estudar pra falar que sou guitarrista. Foi um sonho realizado ter o Toninho tocando com a gente.

Como você percebe o público de música instrumental no Brasil hoje?
Bernardo: Eu percebo que tem uma galera que é xiita mesmo. É claro que a gente não tá fazendo música pra massa, pra encher estádio. A gente toca pra quem quer sair do lugar comum, e eu vejo que tem uma galera que gosta. Fico feliz demais quando toco pra cinquenta pessoas atentas que tem uma relação afetiva com a música mesmo, porque é assim que eu me sinto parte de alguma coisa. Eu acho que a tendência é evoluir, tem muita gente cansada das repetições e tá buscando uma alternativa pra se entreter. E também vejo que é um público que tem sede de um algo a mais, sabe? A galera valoriza muito quando a gente prepara um ambiente legal pro show e espalhamos umas almofadas na frente do palco, quando convidamos algum VJ pra fazer uma projeção, quando promovemos um evento fora desse ambiente de boate. Acho que a gente tá no caminho de formar algo mais sólido, mas é só o começo. Eu fico cansado das pessoas que só reclamam do que não tá bom, é claro que o Vitor e Leo, que seguem uma estética de sucesso popular histórica vão ter muito mais público que a banda instrumental da sua cidade, mas existe público pra tudo. Também não acho que a única forma de chegar ao público é através de show. O cinema, por exemplo, carrega muita gente, e, muitas vezes, quem está por trás do som dos filmes é uma galera pequena, que faz música com capricho, eu acho que os artistas tem que entender melhor o que eles têm a oferecer pro público pra agir com estratégia. O público do nosso nicho é pequeno, mas é fiel, e a gente tem que aprender a se comunicar melhor com ele pra além do palco.

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Autor:

Comunicador, arteiro, crítico e cafeínado.